De Olho na História
Brasil Vai à Guerra
Professor Eduardo Coelho Simões
Bem que eu gostaria de iniciar esse artigo evocando a modinha de Juca Chaves que lhe dá título, cuja primeira estrofe é: “Brasil já vai à guerra/ Comprou porta-aviões (em 1956)/ Um viva pra Inglaterra/ De oitenta e dois bilhões (de cruzeiros)/ Há, mas que ladrões... Os ingleses, é claro!” Mas o que eu vou falar não tem a menor graça.
Conheci numa escola pública de São Paulo, um quinteto de futebol de salão, formado por alunos do 2º ano do Ensino Médio, que era fantástico. Nunca vi um grupo jogar tão afinado, parece que eles já sabiam, antes de a bola chegar aos seus pés, onde o seu companheiro estaria para receber o passe seguinte.
Num piscar de olhos, tudo intuitivo e funcionando no automático. E eu ficava pensando: “se esses meninos estudassem numa escola de um país desenvolvido, onde não iriam parar?”
Anos depois, encontrei-me com um deles; o mais inteligente e hábil. Vi que estava com o pé enfaixado e andando com o auxílio de muletas. “O que aconteceu?” “Foi um tiro”, respondeu-me. Imaginei logo problemas com drogas, mas ele esclareceu-me que, pressionado por dificuldades financeiras, engajara-se nas forças armadas e fora mandado com outros moços para missão no Haiti.
Numa escaramuça com uma gangue de lá, fora ferido e mandado de volta para se recuperar. Ferido gratuitamente no pé que, num país civilizado, estaria segurado em milhões de dólares. Encontrei-o de novo, mais tarde, já recuperado, e ainda nas forças armadas, lutando para encontrar um jeito de sair de lá e viver com dignidade.
Esse é, infelizmente, o destino dos rapazes pobres, lutar nas guerras que eles não criaram, por interesses que não são os seus. E aí eu me lembro das conversas que eu tive com o padrinho de minha esposa, quando, ressentido, ele falava de sua experiência na FEB: “os filhinhos de papai, os nascidos na classe média, faziam greves e iam às ruas para pedir a guerra, mas, depois que ela estourou, eles ficaram aqui e eu, que era pobre, é que fui para aquela...
Eu não tinha nada contra os alemães, eles não tinham feito nada contra mim; o que eu queria era viver a minha vida, e trabalhar duro para sair da pobreza”.
Entre um e outro relato, eu tive a oportunidade de ler uma edição de 1932 da monumental “História do Brasil”, de Rocha Pombo, na qual ele diz, lá pelo volume VII, que a maioria das tropas brasileiras que foi para a Guerra do Paraguai era composta principalmente por negros e mulatos, à exceção das do Rio Grande – houve durante essa guerra um decreto que autorizava os senhores de escravos a alforriarem algum de seus escravos para irem lutar no Paraguai, no lugar de seus senhores ou de parentes destes (o antigo senador pelo Ceará, João cordeiro, foi um dos que se utilizou desse artifício).
As coisas não mudam! Nem agora quando ficamos sabendo que o atual governo, ansioso pelas primeiras páginas e por um assento no Conselho de Segurança da ONU, pretende mandar mais uma tropa para o exterior, desta vez para a fronteira do Líbano com Israel.
Definitivamente os nossos políticos não sabem quando parar ou não têm senso de perigo – talvez seja porque o dinheiro e as vidas que vão para o fogo não são deles. Não sei, mas reflitamos bem: mal a nova presidente se elegeu e o atual apareceu na televisão para recomendar a volta da CPMF para cobrir a falta de recursos para a saúde.
Mas se está faltando dinheiro para a saúde, por que é que nós vamos arrumar novas formas de gastar dinheiro, e muito dinheiro, mandando tropas para o Oriente Médio, tão distante nós, geográfica e culturalmente falando? Será que o atual governo descobriu que guerra faz bem à saúde do povo. Desconhecemos essa pesquisa.
Mas de uma coisa nós temos certeza quanto ao Oriente Médio: ao contrário do que diz a antiga marchinha carnavalesca, apesar de ainda haver “mulher no quartel”... em Israel, a coisa já não é mais tão “sopa no mel”, como nos anos sessenta em que parece ter estacionado a cabeça dos fautores da nossa política externa.
Os feridos esporádicos do Haiti podem se transformar numa maré de cadáveres, pois além do fato de os dois lados estarem muito mais sedentos e armados que no Haiti, lá também há terremotos.
Eu, pessoalmente, não creio que nós já estejamos preparados para uma missão dessa envergadura, e se no futuro nós o estivermos, creio que antes de tudo devemos que pensar na vida e no bem-estar dos que irão para essas missões.
Eu creio que deveria haver uma força especial, profissional, só para esse tipo de intervenção, como os Marines, a Legião Estrangeira, etc. organizada de forma que só os mais experientes e com uma idade mínima, uns 25 anos, por exemplo, pudessem participar de tais missões, ficando aqueles que se engajam só para escapar da pobreza aqui, vivos e saudáveis, aprendendo pelo trabalho e pela disciplina militar a cuidar de seus compatriotas, a amar suas garotas, seus filhos e a sua pátria.
Um pouco de história para refrescar a memória; durante o governo do vaidoso Menem, a Argentina resolveu meter o bedelho na região, e o resultado foram dois atentados espetaculares, dentro de seu próprio território, nos anos 90, que deixaram 114 mortos e 542 feridos, sem falar dos formidáveis atentados contra tropas americanas e francesas no Líbano, nos anos 80, com mais de 300 mortos, obrigando as duas potências a se retirarem com o ‘rabo entre as pernas’.
Deus nos deu a graça de estarmos a milhares de quilômetros desse conflito e dessa região abandonada pela vida e pela razão, sem falar que esse conflito não afeta a nenhum de nossos interesses vitais! Para quê, nós vamos nos meter nisso?
Ou seja, tudo aponta para mais despesas e mais violência, para que uns poucos saiam ganhando, e mais uma vez fica a questão levantada naquela célebre assembléia de ratinhos (1): “quem vai colocar o guizo (ferros) no gato (a guerra)?” Até agora só foram os jovens e os pobres.
(1) A fábula dizia o seguinte: os ratos fizeram uma assembléia para discutir o que fazer para se prevenirem dos ataques silenciosos do gato, quando um deles sugeriu que se amarasse um guizo no pescoço do bichano, para que o barulho denunciasse a sua presença.
O propositor da solução foi super aplaudido, já pretendiam até elegê-lo presidente, quando um rato mais velho pediu a palavra e perguntou: “a proposta é boa, mas quem vai amarrar o guizo no gato?” Todos se desculparam e a assembléia acabou. Os ratos, pelo menos, tiveram a decência de não mandar ninguém.