Diário de Classe
O Apocalipse da Educação Brasileira
Professor Eduardo Coelho Simões
Uma das cenas mais marcantes, para mim, do filme “Apocalipse Now”, de Francis Ford Coppola, foi a da execução do coronel Kurtz e suas últimas palavras: “O horror, o horror”. Horror de quem fora fundo; de quem viu e viveu o auge da degradação humana, provocada, no filme, pela interminável Guerra do Vietnam (1955-1975) ou pelas monstruosidades praticadas pelos agentes coloniais no Congo Belga, como aconteceu ao personagem homônimo da novela de Joseph Conrad, “O coração das trevas”, em que o filme se baseou.
Há muito tempo que os professores estão alertando ao povo e às autoridades da extrema fragilidade do sistema educacional, em virtude das leis paternalistas, inadequadas à nossa realidade social, que emanaram do Congresso que é deles e das interferências nem sempre felizes do Poder Judiciário. Desde que inventaram a moda do “educador”, todos estão metendo a colher na panela do ensino; desunerando a massa.
A esquerda brasileira, tão ávida da leitura dos manuais de autores importados quanto displicente no conhecimento da realidade nacional, como se bastasse a crença do indivíduo para dar ares de realidade, de imperativo categórico (que Kant não se ofenda) àquilo que ele diz, achou por bem avaliar a realidade nacional a partir de um cacoete ideológico que reduz tudo em termos de exploradores x explorados, senhores x escravos, brancos x negros etc.
Portanto, aqueles que no passado foram explorados e maltratados a partir de então se tornarão “senhores”, eu não digo cidadãos, mas “senhores”, para ficarem “por cima” e “educarem”, pelo revide, os seus antigos opressores ou, quem sabe, até nós não evoluiríamos para o melhor dos mundos, compondo uma sociedade só de “senhores”. Ora, caro leitor, não dá para ser “senhor” se não houver alguém que se preste a ser "escravo", "objeto" desse “senhor”; isso é uma relação, com licença da má palavra, “dialética”. O “senhor” só pode ser definido a partir de uma relação social assimétrica, que fatalmente vai desandar em nova luta de classes até atingirmos um grau de estabilidade e igualdade social tal que todos se sintam igualmente cidadãos, definidos pelo conteúdo da lei e não pelo poder financeiro ou pela proximidade do poder político.
Em termos de educação, para que os alunos, os ‘oprimidos’, pudessem superar a sua opressão, com todas as supostas sequelas no plano psicoemocional, eles precisariam ficar por cima dos professores, estes tratados como os vírus do capitalismo, um refrão muito divulgado em textos políticos de baixa qualidade e filmes de gosto duvidoso, como “A comilança”, sendo então cercados de toda sorte de salvaguardas contra a legião de corruptores (pró-capitalistas) incompetentes (entendem menos de computadores que os adolescentes) e autoritários representada pelos professores.
A verdade é que os ritmos e o desenvolvimento da criança, o fruto final e mais complexo de uma evolução de bilhões de anos da natureza e de condicionamentos vastos e complexos, tanto em nível externo quanto interno, foram ultrassimplificados para caberem na forma da ideologia dominante, reduzidos a uma mera extensão da questão política maior: a libertação das classes oprimidas. Nós temos sorte de essa gente não ter ainda revogado a lei da gravidade! Ignorando o ritmo da maturação biopsicossocial da criança e o nível evolutivo da sociedade brasileira, nossa elite alçou, por decreto, a criança à condição de cidadã, capaz de questionar até o padrão de avaliação de um professor, totalmente "expropriado" de sua competência profissional, quando a precariedade natural de seu desenvolvimento mental só consegue lidar com antinomias do tipo quem manda, manda tudo, quem obedece, obedece em tudo; como é próprio dos ignorantes, dos imaturos e dos ideólogos da nova escola brasileira.
O resultado não se fez esperar e o seu auge, eu acho, já nos alcançou. No Rio de Janeiro, a diretora e os professores que tentaram apartar uma briga entre duas gangues de alunos dentro da escola viram o seu local de trabalho invadido por familiares e amigos adultos dos brigões e selvagemente depredado. Depois de tanto apanhar e sofrer ameaças; restou à diretora e aos professores minimizar o fato diante da autoridade policial e entrar de licença.
No momento em que escrevo essas linhas, estou atordoado ao saber de um aluno, em Porto Alegre, que, inconformado com uma nota baixa que tivera, tentou matar a sua professora a cadeiradas, deixando-a cheia de hematomas e com os dois braços quebrados. Um rapaz jovem, forte e lutador de jiu-jitsu contra uma senhora, frágil, desarmada! É isso que nós queremos para a nossa sociedade? É esse tipo de gente que irá nos redimir de nossas faltas históricas supostas ou verdadeiras?
As escolas públicas de hoje são compelidas, antes de tudo, a fazerem o seu projeto político-pedagógico como se uma escola pública pudesse ter outro projeto político que não o previsto na Constituição e nos códigos legais que regem a sociedade organizada por esse estado, e que não pode ser reduzido ao canto de sereia da ideologia do grupo no governo, nem tratar as crianças como se fossem adultos amadurecidos (cidadãos) e a escola uma comunidade que prescindisse da comunidade maior, antes mesmo de terem uma proposta psicopedagógica que abranja a criança na sua especificidade, nas idiossincrasias do seu processo evolutivo natural. Boa parte dos professores não sabe como uma criança “funciona”, como se dá o seu processo de aprendizagem, de como os obstáculos afetivos impedem essa mesma aprendizagem etc. Isso não é mais importante?
Ao tentar jungir as escolas ao padrão da abordagem ideológica dominante, desvinculada das leis que regem o nosso estado, nós esfarelamos o sistema, reduzindo a sua capacidade de preparar o homem e a mulher do futuro, e se a ideologia dominante, como ocorre agora, nos convida a nos sentir mal conosco mesmo, a nos ver como malvados exploradores, enquanto estimula a criação de heróis populares guerreiros e brutais, aonde esperamos chegar?
Aliás, o rapaz, mulato, disse, segundo uma mídia, que a professora agredida, que era branca, o teria ofendido em termos racistas. É claro que uma coisa não justifica a outra, se é que a professora foi racista, mas é bem possível que ele realmente tenha ouvido mais do que a professora quis dizer, afinal, ele pode ter crescido ouvindo que os brancos são maus, racistas, exploradores, e que a estes deve se dar uma resposta violenta. É a síndrome do senhor: “não levo desaforo para casa”, como o afirmam, principalmente, os ideólogos brancos (os mais odiosos, por razões que só Freud explica), ele pode ter ouvido músicas que enaltecem a resposta violenta para a violência, esta descontextualizada, seja pela ignorância do compositor seja para não tornar a peça insuportável, e até declarações demagógicas de nossas autoridades e intelectuais ‘engajados’, que não perdem uma oportunidade para cevar a nossa juventude de ódio; ódio contra nós mesmos! E, certamente, ele também deve ter recebido uma educação doméstica e escolar cheia de mimos e proteções, própria de um senhor que não pode ser contrariado.
Essas são, junto aos resultados nos exames internacionais, as primícias da nova educação "revolucionária" brasileira, e nesse caso os episódios acima descritos são absolutamente normais, naturais e até desejáveis. O horror, o horror!
Eduardo Coelho Simões.