Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Emilio Figueira Jornalista, psicólogo, pós-graduado em Educação Inclusiva e doutorado em Psicanálise. Autor de mais de quarenta artigos científicos nesta área e de vinte livros, dentre os quais destaca-se “Caminhando em Silêncio – Uma introdução à trajetória da pessoa com deficiência na história do Brasil”.

A Educação Especial e a Inclusiva Podem Caminhar Juntas
Professor Emílio Figueira

Uma coisa não podemos negar: A internet é uma das melhores e maiores aliadas da Educação Inclusiva. Ela permitiu que esse conceito educacional se propagasse rapidamente pelo mundo, fazendo circular documentos, relatos, opiniões, ideias, conceitos, fóruns de discussões. Permitiu o nascimento de milhares de sites, blogs e publicações online em torno da temática. Eu também tenho o meu blog e foi por meio dele que, recentemente, recebi esta mensagem de uma mãe:

“Estou na Capital da Paraíba. Tenho uma criança especial, com 6 anos de idade, e é exatamente isto que está acontecendo. Antes ela tinha atendimento especializado na APAE e por conta desta política, fomos obrigados a matricular em uma escola da rede pública municipal. Apesar dos esforços e boa intenção dos educadores, eles não tem qualquer preparo e/ou apoio da secretaria de educação para aperfeiçoamento e melhor desenvolvimento da criança. Muito pelo contrário, notamos que essa situação tem sido prejudicial. Uma vez que a criança está regredindo. Visto que não é estimulada adequadamente”.

Esse tipo de comentário confesso que me deixa triste e, somando a ele, existem tantos outros que recebo. Peço licença ao leitor para comentar algumas informações que me tem chegado: o modo errôneo que a Inclusão Escolar vem sendo propagada em algumas escolas municipais e estaduais do nosso país. 

Existem várias pessoas sem preparo técnico-pedagógico fazendo da inclusão escolar um “oba-oba”! O que quase ninguém tem coragem de dizer é que, atrás desse atual modelo de Inclusão com sérias intenções e ações efetivas, há também uma forte intenção política por parte de alguns oportunistas, infelizmente. 

Governos das diferentes esferas têm “estimulado” e “forçado” a Inclusão apoiados em sérias leis, visando com isso diminuir seus gastos com a Educação Especial. Despeja-se, assim, as crianças com algum tipo de deficiência em classes comuns sem nenhum preparo das partes envolvidas, gerando prejuízos e maus comentários à filosofia da Inclusão Escolar.


Não podemos esquecer que muitas dessas crianças com necessidades educacionais especiais, principalmente das creches ou escolas de educação infantil, podem ser beneficiadas com uma estimulação precoce – prestação de serviços educativos, terapêuticos e sociais. Quanto mais cedo se iniciar a intervenção, maior será o potencial de desenvolvimento da criança. 

Essa estimulação essencial – como também é chamada – proporciona apoio e assistência à família nos momentos mais críticos, trazendo benefícios para todas as crianças com atraso no desenvolvimento neuro-psico-motor: crianças com deficiências múltiplas, com síndrome de Down, com sequelas motoras, com paralisia cerebral, com autismo e até mesmo com deficiência auditiva ou visual podem melhorar muito seu desempenho, ampliando a sua capacidade de interação com o mundo.

Certamente serei criticado por defender esse ponto de vista. Vejo muito radicalismo nos discursos dos defensores mais exaltados. Muitos pais – talvez desejando não passar por maiores constrangimentos por ter filhos com necessidades educacionais especiais em escolas especiais – querem mantê-los a qualquer custo no ensino regular, não importando se haverá estrutura para isso ou não. Muitos não procuram as terapias e atividades complementares ao desenvolvimento deles e afirmo isto baseado em muitos casos que já atendi e acompanhei!

Por outro lado, há profissionais e professores que entram na discussão sobre Inclusão Escolar já com uma mentalidade definida, nem ao menos procuram conhecer as bases históricas e a construção da Educação Especial iniciada no Brasil em 1854 com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro.

Seu reconhecimento inicial foi que crianças com necessidades especiais poderiam receber educação, mas isso só poderia ocorrer inicialmente por meio de uma política educacional que para os dias atuais sabemos ser segregadora – o que não era em outros momentos históricos. 

Por longas décadas, a Educação Especial deu muito bem conta do recado, do mesmo modo que dentro do ensino especial temos profissionais de diversas áreas muito estudados, altamente preparados, muitos com amplos anos de experiências e serviços prestados com competência e resultados obtidos com sucesso. Em discursos radicais, estamos desvalorizando o trabalho e a memória deles e da Educação Especial. Aliás, sem perceber, estamos excluindo-os!

Muitos defendem que só uma transformação geral no ensino melhoraria a qualidade e a adoção de princípios democráticos. Haveria a garantia do ingresso incondicional e a permanência de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares.

Assim, o discurso da Inclusão Escolar incondicional concebido de forma radical por diversos movimentos responsabiliza a escola e a sociedade como um todo para educar adequadamente toda a diversidade humana. Isso obriga o sistema educacional a se reformular por completo e o resultado serão melhorias para todos.

Mesmo achando muito positivo essa postura, permaneço ideologicamente em outra corrente de pensamento que defende a Inclusão Escolar de forma paulatina numa convivência entre o ensino regular com o ensino especializado paralelamente até atingimos um sistema educacional em que teremos de fato uma “Educação para Todos!”. 

Vários autores compartilham esta posição comigo dizendo que a solução não estaria em eliminar todos os meios e serviços auxiliares da Educação Especial. Isto sim seria discriminatório e prejudicial às pessoas com necessidades especiais que precisam desses serviços como garantia de acesso aos modelos de escolaridade comum. 

Com o tempo, esses alunos terão possibilidades cada vez mais amplas às situações escolares regulares, cada vez com menor necessidade de apoio especial. Sua permanência na escola e entre os colegas favorecerá o seu desenvolvimento, comunicação, autonomia e aprendizagem e com efeitos emocionais positivos. Também acredito na Educação pelo afeto, influenciando indiretamente, ajudando as crianças na superação de suas dificuldades, ativando e conduzindo à via direta do desenvolvimento.

Posso dizer isto com conhecimento de causa. Por ter paralisia cerebral, passei os primeiros onze anos da nossa vida dentro de uma Escola de Educação Especial, numa época em que o isolamento era ainda mais latente. 

Paralelo à educação, precisava de terapias, treinamentos de atividades da vida diária, estimulações físicas, motoras, fonoaudiólogas e psicológicas, dentre outras, sendo assistido por profissionais especialistas em diversas áreas. E hoje afirmo que tudo foi válido, pois quando eu fui transferido para uma escola de ensino regular, estava realmente preparado para uma nova etapa. 

Veja bem: não que eu esteja defendendo ou afirmando que crianças com deficiência tenham que passar antes por uma escola especial, mesmo porque eu vivi e fui educado em outro momento histórico do qual estamos hoje. O que quero aqui é trazer para o nosso bate-papo um equívoco cometido pela política da Inclusão Escolar: ignorar os benefícios também oferecidos pela Educação Especial para a Inclusão e aproveitá-los em um trabalho via mão dupla de transição. E, nesta construção histórica, caminharemos para um futuro em que as Escolas de Educação Especial não tenham mais motivos para existir!


* Palestra ministrada nas Minas Gerais, a convite da Associação Pestalozzi de São João Nepomuceno que promoveu a Semana das Pessoas com Necessidades Especiais durante os dias 21 a 27 de agosto. O evento apresentou uma diversificada programação, tendo como ponto principal o ‘Simpósio sobre Inclusão", destinado aos profissionais de educação.

** Professor Emílio Figueira - Psicólogo pela USC, pós-graduado em Educação Inclusiva, três especializações pela USP, atua há vinte anos como pesquisador-científico em instituições universitárias em duas linhas de pesquisas: Psicologia e Deficiência e Psicologia da Arte. Têm 85 artigos científicos e 24 livros individuais publicados no Brasil e exterior. Doutorado em Psicanálise e extensão universitária em Docência do Ensino à Distancia. Site pessoal: www.emiliofigueira.com.br

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