De Olho na História
A Arte e a História da Vida Privada
Os Estados Unidos na obra de Norman Rockwell
“O que você vê quando olha numa pintura de Norman Rockwell? Crianças sardentas com as bochechas avermelhadas e os narizes voltados para cima? Homens fortes, robustos e de boa aparência? Lindas mulheres, mas não tão lindas que desloquem a atenção do observador comum? Aquela América de pequenas cidades e fazendas (das pinturas de Rockwell), é nela que você vive?”
(extraído de http://www.pbs.org/newshour/bb/entertainment/july-dec00/rockwell_7-4.html)
A história tem passado ao longo dos últimos anos por muitas releituras e pelo surgimento de novos movimentos historiográficos. Estão sendo revistas as formas usuais de apresentação, análise e interpretação dos acontecimentos que nortearam e continuam, ainda hoje, definindo os caminhos dessa área do conhecimento. Uma das grandes vertentes surgidas foi aquela que estuda a história da vida privada. Com o auxílio de recursos como fotografias, textos oficiais, documentos particulares, cartas, gravações em áudio, filmagens, obras de arte e objetos da mais variada espécie, os historiadores tentam nos fazer compreender o modo como viviam as pessoas comuns, nos mais diferentes contextos e situações.
Nesse aspecto, considerando-se que filmes e gravações surgiram e se consolidaram como recursos de arquivamento de dados e, conseqüentemente de pesquisa apenas no século passado, assim como a fotografia apareceu somente no século XIX, permanecem as obras de arte, especialmente até a primeira metade do século XIX como a grande fonte de recursos visuais para a pesquisa e composição de material historiográfico sobre os períodos que se estendem até então.
Vale lembrar que, apesar de existirem recursos como a fotografia, os filmes e as gravações de áudio, a utilização de obras de arte como recurso para uma melhor e mais completa interpretação da vida em sociedade continuou acontecendo, de forma regular, no século XX e atualmente.
Nesse ínterim, para ter condições de entender a vida nos Estados Unidos, nos primeiros setenta anos do século XX, nada melhor que contar com o apoio das obras do célebre artista norte-americano, Norman Rockwell.
Rockwell dizia a respeito de suas pinturas que:- "... sempre quis que todo mundo gostasse do meu trabalho. Eu não ficaria satisfeito somente com a aprovação dos críticos. Então eu fiz pinturas que não perturbassem ninguém, que eu sabia que todos poderiam entender e gostar”.
Em suas obras, Rockwell nos colocava em contato com o cotidiano a todo o momento. Nos confrontava com situações tão usuais quanto o trabalho de uma professora em sua sala de aula, uma criança indo ao oculista para escolher seus novos óculos ou ainda, o momento de total relaxamento e lazer de um simpático vovô pescando, debaixo de um guarda chuva, acompanhado de seu fiel cão.
Nessas obras percebemos o quanto as atividades relacionadas ao dia a dia, tão presentes em nossas vidas, são por nós desconsideradas enquanto acontecimentos que representam história e redundam em desdobramentos para as vidas não só de seus protagonistas como para a de muitas outras pessoas.
Ao mesmo tempo, consolida entre nós, observadores de outro tempo histórico, a idéia de que, nos primeiros setenta anos do século XX, ao menos nos Estados Unidos, atividades como lecionar, pescar ou ir ao oculista eram regulares na vida de muitas pessoas. Desvia os nossos olhares dos acontecimentos considerados primordiais para a história, como as guerras, revoluções, eventos artísticos ou reformas econômicas e nos permite trafegar por uma história do homem comum, parecido com qualquer um de nós.
O trabalho de Rockwell consegue captar, em sua essência, aspectos da vida rural e da vida urbana, da presença dos homens e das mulheres, dos brancos e dos negros, dos adultos e das crianças, das profissões e do lazer, das festas e do esporte. Apresenta o lado feliz e também o triste de nossas existências.
Rockwell consegue, inclusive, transpor através de seus trabalhos, um pouco da atmosfera política e do pensamento que dominava o cenário norte-americano das primeiras décadas do século passado. É o que se pode perceber nas gravuras acima, demonstrativas de idéias importantes e pertinentes como a necessidade da tolerância religiosa e racial ou ainda, a liberdade de expressão.
Trazer a tona tópicos considerados espinhosos para a discussão, de forma um tanto quanto sutil e elegante, através de uma arte que encontrava penetração nos mais amplos setores da sociedade norte-americana (tradicionalmente conservadora), faz de Rockwell muito mais que um artista ou um retratista da realidade como muitos o enxergavam. Sua obra tinha conteúdo e era muito expressiva. Seus posicionamentos ideológicos transparecem através de suas pinceladas, dos temas propostos em suas telas e, mesmo, das cores escolhidas para cada gravura.
Mas quem foi Norman Rockwell?
Rockwell nasceu em Nova Iorque em 1894. Ele sempre quis ser artista e, por esse motivo, quando tinha 14 anos entrou para a New York School of Art. Aos 16 anos ingressou na National Academy of Design e também entrou para a Art Students League. Ainda aos 16 anos, dono de talento reconhecido, se tornou diretor da revista Boys’ Life (a revista dos escoteiros norte-americanos).
Aos 21 anos, mudou-se para New Rochelle em Nova Iorque e abriu um estúdio em parceria com o cartunista Clyde Forsythe. Aos 22 anos fez, pela primeira vez uma capa para a revista The Saturday Evening Post, publicação que era descrita por Rockwell como “a maior janela de exposição da América”. Durante os 47 anos a seguir desse período, Norman Rockwell pintou 321 capas para essa revista.
Entre seus principais trabalhos estão várias gravuras em que interpretou leis endereçadas ao congresso pelo presidente Franklin Delano Roosevelt que tinham a liberdade como tema central. Para sua infelicidade (e a de todos os seus admiradores), nos anos 1960, um incêndio destruiu seu estúdio e queimou grande parte de seus trabalhos.
Em 1977, quando já estava estabelecido em Stockbridge, no estado norte-americano de Massachusetts, Rockwell publicou sua autobiografia e, foi agraciado com a medalha presidencial da liberdade (a maior comenda nacional concedida a civis) em virtude de seus “vívidos e carinhosos retratos de seus país”. Morreu, em 1978, aos 84 anos de idade.
Suas pinturas, retratos do cotidiano, continuam vivas na memória dos norte-americanos. Por isso, ainda é muito comum que imagens como aquelas que vemos acima, sejam encontrados em consultórios médicos, quartos de crianças ou mesmo na sala de estar de muitas famílias.
A suavidade com que seus trabalhos demonstram o esforço do médico para cativar sua pequena paciente ou a normalidade da situação de um exame médico feito por uma criança são demonstrações de uma vida tranqüila e feliz. Por sua vez, a menina que se vê no espelho e se compara com uma artista de cinema numa revista, nos apresenta toda a inocência e doçura da infância e da pré-adolescência.
Em todas elas se percebe a alma do povo americano. Em cada uma delas, se vê um pouco do cotidiano dos Estados Unidos até a década de 1970. No conjunto desse enorme acervo de imagens, entende-se por que os americanos continuam a admirar Norman Rockwell. Ninguém lhes falou tão fundo e com tanta simplicidade usando apenas pincéis...