Planeta Educação

De Olho na História

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Travessia Infernal
Travessia dos escravos

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A jornada pela qual passavam os escravos embarcados
nos navios negreiros misturava fome, falta de higiene, doenças e morte.

Alguns milhares de quilômetros separam a América do Sul da África. A viagem entre os continentes africano e americano levava apenas algumas semanas, no entanto, nela aconteceram alguns dos piores momentos vividos pela humanidade ao longo de toda a sua existência.

O princípio dessa triste história ocorria ainda em portos africanos, quando os negros eram comercializados como qualquer outra mercadoria disponível nos grandes centros de comércio das maiores cidades locais. Haviam sido aprisionados em guerras tribais ou caçados por grupos de brancos especializados na obtenção de mão de obra escrava para as regiões coloniais da América. Tinham um valor consideravelmente alto no mercado da época, pois eram considerados mais aptos e disciplinados para o trabalho no campo e nas minas.

Eram propositalmente separados de suas famílias e dos membros de suas tribos. Procurava-se com isso evitar a possibilidade de rebeliões em alto mar. Os prisioneiros muitas vezes não conseguiam se comunicar, pois falavam dialetos diferentes. Além disso, a separação causava-lhes imensa dor e provocava danos consideráveis na estrutura psicológica dos prisioneiros.

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Essa figura nos mostra como ficava o interior de um navio negreiro carregado de escravos. Havia uma clara preocupação
dos transportadores de alojar o maior número possível de negros para recompor as perdas (de aproximadamente
20 a 40% dos cativos transportados), por isso, normalmente transportavam-se mais pessoas do que o porão podia realmente alojar.

Embarcados como carga animal nos porões dos navios, atravessavam a viagem de algumas semanas acorrentados e apertados, sem possibilidades de se movimentarem para ao menos "esticar a musculatura". O espaço era tão restrito que muitas vezes tinham que se alternar entre ficarem sentados ou em pé. As correntes marcavam seus braços e pernas, causando-lhes ferimentos pela quantidade de dias que ficavam aprisionados.

No local onde ficavam não havia a mínima preocupação com higiene (não existiam banheiros ou qualquer tipo de instalação sanitária). As fezes e a urina dos cativos era feita no mesmo local onde estavam acorrentados. Isso causava um enorme fedor, além de aumentar as possibilidades de enfermidades pelo contato com os excrementos ou com animais que por ali circulavam (como ratos e baratas).

Os alimentos eram "jogados" uma ou duas vezes por dia para que os negros pudessem se alimentar. Não havia qualquer preocupação quanto a quem ia comer, se alguém deixava de comer, se a partilha dos alimentos era feita de forma justa e abastecia todos os cativos,...

Outro problema com os alimentos refere-se ao fato de que aquilo que era disponibilizado para os negros era a sobra, ou sejam, os alimentos que não eram bem aceitos ou eram mesmo rejeitados pelos marinheiros. Portanto, a parte que cabia aos escravos era de qualidade duvidosa, muitas vezes, a eles eram dados os alimentos deteriorados ou apodrecidos.

Entre os negros que compunham a "carga" do navio eram encontrados adultos (homens e mulheres numa faixa etária média de 17 a 25 anos) como maior parte do "carregamento" (eram mais caros na relação de troca que se estabelecia nas Américas por estarem com a força e a saúde necessárias para o serviço da lavoura), assim como crianças, adolescentes e idosos de ambos os sexos.

O espaço em que ficavam era, além de apertado, muito escuro e mal ventilado, isso acabava tornando ainda pior a condição de vida e provocava grande número de mortes. Como já se sabia que isso aconteceria, os navios negreiros sempre viajavam com uma quantidade muito maior de cativos do que realmente deveria acomodar em seus porões. O excesso de "carga" tinha como propósito repor as perdas causadas pelas mortes que ocorriam ao longo da viagem e tornar a viagem o mais lucrativa possível.

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O filme "Amistad", do diretor Steven Spielberg, nos mostra um pouco do drama vivido
pelos escravos em suas travessias infernais entre a África e a América.
(Na foto o ator Morgan Freeman examina o barco Amistad, em busca de informações sobre a viagem dos escravos).

Os escravos que morriam ao longo da viagem eram jogados ao mar. Até que seus corpos fossem retirados poderia demorar algum tempo (horas ou, até mesmo, um ou dois dias). Isso causava problemas relativos ao cheiro do cadáver e a contaminação dos demais pelas doenças que tivessem vitimado o morto.

Como os navios negreiros eram caravelas, feitas de madeira, a força dos oceanos pelas quais passavam acabava fazendo com que chacoalhassem intensamente durante ventanias ou tempestades. Isso fazia com que tanto os escravos quanto os tripulantes acabassem passando mal e vomitassem. No caso dos negros a situação era pior, pois não podiam liberar o resultado de sua náusea para lugar algum senão o próprio porão onde estavam...

Os que resistiam a essa travessia infernal chegavam a América esquálidos ou doentes. Poucos eram aqueles que conseguiam completar a viagem em boas condições. O que os esperava, no entanto, não era muito melhor...

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