Aprender com as Diferenças
Os Cegos e as Novas Tecnologias - O Contexto dos Anos 90
Ana Maria Medeiros
No final do século XX e início do século XXI, as novas tecnologias desenvolveram-se de tal forma que, se os nossos antepassados
mais recentes voltassem a terra, julgariam estar num mundo perfeitamente desconhecido, no qual muitas das tarefas, que antigamente eram executadas por pessoas, são, agora, executadas por computadores.
Quem havia de dizer que se poderia levantar dinheiro por meio de
um cartão ou que seria possível realizar outras operações bancárias por um computador e sem sair de casa? Alguém imaginaria que o telemóvel e o computador seriam os meios de comunicação adotados por excelência? E quem pensaria que aquelas pessoas que andavam na rua e na praia nos anos 70 e 80 do século passado com os famosos “tijolos", rádios grandes, a dar música a toda a gente viriam a substituí-los por minúsculos aparelhos de MP3 ou MP4 que cabem num bolso?
Estes são apenas três exemplos em que as novas tecnologias mudaram o nosso modo de vida em que também se incluem as pessoas com necessidades especiais.
Tomando como exemplo a situação das pessoas com deficiência
visual, pode dizer-se que a evolução tecnológica tem trazido conquistas que despertaram grande interesse. Nos anos noventa do século passado começou a comercializar um conjunto de equipamentos informáticos destinados a estas pessoas. De imediato, geraram-se muitas expectativas em torno de computadores
e periféricos.
É destas expectativas que quero falar neste trabalho, partindo
dos dois suportes de leitura mais utilizados na altura para caracterizar o contexto tecnológico de então, já que considero a última década do século XX um período de transição, quando já se percebia que o domínio absoluto da máquina datilográfica Braille estava claramente posto em causa.
Ao mesmo tempo, poderemos verificar que as pessoas deficientes
visuais acompanharam o progresso tecnológico pelo qual passou toda a sociedade portuguesa.
O Sistema Braille Como Meio Principal de Acesso à Informação
A criação do sistema Braille no século XIX na França foi, sem dúvida, a primeira grande revolução para os cegos. Ele permitiu que todas as
pessoas cegas pudessem ler por intermédio das mãos, utilizando o tato.
Sendo um sistema de leitura que tira partido do tato, o Braille, inventado por Louis Braille (1809-1852), possibilitou aos cegos o acesso à informação.
Não pretendendo fazer aqui a história do Braille, visto não ser
este o objetivo deste trabalho, destaco a ação de dois homens que dedicaram a sua vida à causa dos cegos portugueses e que tiveram um contributo fundamental na sua alfabetização. O primeiro foi José Branco Rodrigues, a quem se deve a criação da primeira escola para cegos.
O segundo foi José de Albuquerque e Castro que reestruturou o ensino dos cegos em Portugal. A ele se deve a criação do Centro do Livro para o Cego e a fundação da revista «Poliedro», a primeira revista tiflológica portuguesa escrita em Braille.
O Braille e a ação destas (e de) outras pessoas que acreditavam nele para mudar a vida dos cegos obrigaram tanto o Estado como as entidades particulares a passarem a encarar o deficiente visual como alguém com potencialidades e que poderia aprender a ler e a escrever como os outros. Precisaria, no entanto, de escolas especiais e de meios de leitura e escrita especiais. Assim, surgiram os institutos para cegos, uma produção de livros em Braille e professores habilitados a ensinar este sistema baseado numa célula composta por seis pontos.
O sistema Braille é considerado por muitos a primeira grande
revolução na vida dos cegos porque graças à sua invenção e difusão os cegos em todo o mundo puderam (e continuam a poder) estudar e ter acesso a profissões a que não lhes seria impossível aspirar antes do século XIX.
A produção de livros em Braille é bastante morosa, cara e insuficiente para as necessidades dos leitores. Por isso, nunca se conseguiu
que a produção de livros em Braille acompanhasse o fluxo editorial de livros à tinta, sendo que os serviços produtores tiveram que fazer opções e ainda há gêneros literários que não puderam ser contemplados.
Reportando-me à minha história pessoal de leitora, ainda me
lembro da minha irmã apenas me ler algumas partes de uma biografia de Jim Morrison e de cortar aquelas que, em sua opinião, eram demasiadamente fortes para a minha idade. Sendo eu uma pessoa muito curiosa, fiquei com pena de não conhecer a história toda.
Noutra altura, ouvi falar tão mal da chamada "literatura cor-de-rosa" que quis conhecer alguma obra para poder dar a minha opinião. Como não tinha nada em Braille, pedi a uma prima que me lesse um livro que andava lá por casa.
Outro aspecto que não pode ser esquecido é que o Braille ocupa
muito espaço e um simples dicionário de bolso pode ter 17 volumes, o que não é fácil possuir em casa. Além disso, os dicionários mais completos não são transcritos, fato que coloca o aluno cego em desvantagem relativamente aos seus colegas normovisuais. Quando precisei consultar dicionários ou enciclopédias, recorri à ajuda de familiares ou amigos, a quem expresso aqui o meu sincero reconhecimento pela sua paciência e boa vontade.
Outra lacuna no acesso dos cegos à informação é a falta de
revistas e jornais em Braille. Do meu imaginário, fazem parte as revistas “Poliedro" e "Rosa-dos-ventos", que conheço desde a escola primária.
Desde os anos 90 tem havido um desenvolvimento da produção de
revistas. Têm sido publicadas edições de certos jornais e revistas,
organizadas especialmente para as pessoas cegas. Contudo, sem deixar de notar a importância destas iniciativas, não posso esquecer dois reparos: em primeiro lugar, a sua divulgação tardia entre os leitores em relação aos eventos discutidos nessas edições; em segundo, sendo as matérias incluídas nelas fruto de uma seleção especialmente feita para a publicação em Braille, estes leitores ficam desfavorecidos em relação aos seus congêneres normovisuais.
Aproveito para esclarecer que, ao contrário do que muitos cegos
julgam, o Centro Professor Albuquerque e Castro, entidade editora destas edições, não é responsável pela sua organização. A seleção dos textos é feita por uma pessoa externa ao centro.
Pelo exposto, pode concluir-se que o Braille continua a ser
muito útil, mas precisa ser complementado com outros meios.
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