Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Emilio Figueira Jornalista, psicólogo, pós-graduado em Educação Inclusiva e doutorado em Psicanálise. Autor de mais de quarenta artigos científicos nesta área e de vinte livros, dentre os quais destaca-se “Caminhando em Silêncio – Uma introdução à trajetória da pessoa com deficiência na história do Brasil”.

As Pessoas Com Deficiência E Os Relacionamentos Virtuais Rumo Aos Amores Reais
Psicologia e Deficiência – Professor Emílio Figueira

Falar sobre questões que envolvem pessoas com deficiência sempre foi um desafio, esbarrando em áreas científicas, educacionais, éticas e culturais. Quando o assunto é amor então, entraremos também no campo da estética e das vaidades humanas.

Fato é que desde 1981 (Ano Internacional da Pessoa Deficiente, quando se iniciou um movimento político, gerando inúmeras conquistas positivas), já conseguimos espaço em setores como educação, mercado de trabalho, eliminação de barreiras arquitetônicas, dentre outras.

Mas com relação a relacionamento, amor e namoro parece existir uma barreira invisível e intransponível. Ainda mais numa cultura imposta pela mídia, propagando um único modelo de beleza, um culto ao corpo perfeito.

Segundo dados do IBGE, observa-se que entre as pessoas com percepção de incapacidade há uma alta incidência entre os que nunca formalizaram uma união (3,1%), enquanto que entre os que casaram no civil e no religioso essa taxa é de 2,7%. São resultados que acabam refletindo a maior dificuldade dessas pessoas de estabelecerem laços matrimoniais e de constituírem família quando comparados às pessoas com deficiência em geral.

Felizmente, nós seres humanos temos uma imensa capacidade de encontrar soluções para os mais diversos problemas com saídas estratégicas, buscando em nossas angústias e anseios forças até mesmo desconhecidas que nos impulsionam para frente, rumo aos nossos objetivos!

Atualmente e com o advento da internet, tem sido grande o número de pessoas com deficiências que está encontrando seus amores e parceiros nos sites de namoro e relacionamentos. Isto porque os primeiros contatos virtuais por e-mails e outras formas de bate-papo via computador eliminam o impacto inicial, o estigma, os preconceitos herdados culturalmente de quem vê uma pessoa com deficiência pela primeira vez. 

Esse tipo de contato permite que ambas as partes se conheçam internamente, apresentem-se, conte um pouco de suas histórias pessoais, seus planos, intenções e a revelação parcial de suas personalidades. E o primeiro encontro no mundo real ocorrerá depois de um tempo, quando haverá uma opinião e uma visão já formada do outro. E hoje temos até site de namoro só para pessoas com deficiência – embora pessoalmente acho que seja uma maneira de formar guetos!

Consequência disso pode ser o início de namoros. Encontro entre duas pessoas que se atraem de diversas formas, não só fisicamente, mas também pelo jeito de falar, de olhar, que gostam das mesmas coisas, ou não, o que faz com que se aprenda um com o outro. 

Um tempo para se conhecer, um treino para ter uma vida a dois mais prolongada, casar, ter filhos, uma família. Vale lembrar que passamos em média as duas primeiras décadas de nossa vida em companhia da família; mas quando escolhemos alguém para casar, além de completar nossas necessidades afetivas e existenciais, também estamos escolhendo o companheirismo de uma pessoa para cuidar e sermos cuidados por resto da vida!

Um relacionamento saudável é aprender a conviver com o que a outra pessoa tem de potencial e de dificuldade, mesmo que ela não tenha uma deficiência evidente. Confiar um no outro, poder dizer o que sente, falar das suas inseguranças, do medo de não ser amado, do ciúme (que é normal)... 

E insegurança não é algo exclusivo de quem possui uma deficiência, pois ela é parte do ser humano, todo mundo tem medo de ser rejeitado. Aliás, esse é o jogo do amor; as pessoas querem e têm o direito de se conhecer, mas não com a obrigatoriedade de ficar, namorar necessariamente com a outra, que talvez não correspondeu às suas expectativas, não despertou-lhe o chamado “algo a mais!”.

Namorar pode trazer alguns “problemas” inesperados para quem tem uma deficiência, principalmente no campo familiar. Muitos pais temendo que os filhos sejam magoados e/ou rejeitados por pessoas sem deficiência dificultam essa fase na vida dos filhos, criam obstáculos para isto ou simplesmente nem permitem diálogos sobre o assunto em casa, imaginam que, com isso, vão proteger o(a) filho(a). 

Chegam a cometer o erro de desejar que o(a) filho(a) encontre alguém que tenha questões parecidas para ser mais bem compreendido(a). Não aceitam que todos têm direito de conhecer, conviver e escolher com quem deseja dividir a sua vida. E existindo afeto e sinceridade numa relação, as outras coisas vão se arrumando. 

Cabe à família de uma pessoa com deficiência favorecer este desenvolvimento sem superproteção, porém viabilizar o encontro, a convivência, o namoro, a construção do novo núcleo de expansão familiar. Uma pessoa sem deficiência que se propõe a entrar num relacionamento dessa natureza, poderá também sofrer algumas consequências iniciais.

Um boicote, oposição de sua família; afastamento de alguns de seus amigos; ser motivo de algumas chacotas. Mas se esse relacionamento e sentimento forem verdadeiros, o tempo se encarregará de derrubar barreiras, preconceitos e gerará aceitação. 

À pessoa com deficiência e quem com ela estiver cabe ter maturidade afetiva, equilíbrio mental e bom senso para encarar o desafio de viver um relacionamento sério na vivência do amor. Mas tudo isso são passos posteriores. O legal é que hoje temos a internet como aliada dos passos iniciais de encontro. 

Só é preciso ter certa malícia e tomar um cuidado: A rede mundial também é um campo minado com gente de boas e más intenções, só que, como escreveu Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não é pequena!”.

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