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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Cidadão de Papel
De Gilberto Dimenstein

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Brasil, país de grandes juristas e legisladores. Brasil, país em que os processos correm na justiça por anos a fio sem que, muitas vezes, se chegue a um termo satisfatório.

Brasil, onde temos presenciado e participado nos últimos anos de grandes e benéficas modificações na educação. Brasil, onde há crianças que ainda não conseguem chegar a escola e outras que, mesmo estando lá, saem sem que tenham aprendido muita coisa.

Brasil, pátria pródiga na produção de alimentos, um dos celeiros do mundo, o maior produtor e exportador mundial de açúcar, café, soja, frango e laranja. Brasil onde muita gente ainda passa fome e o governo tenta implementar políticas sociais de resgate da cidadania, como o "Fome Zero".

Brasil, local de nascimento de grandes expoentes das artes e do esporte como Tom Jobim, Jorge Amado, Tarsila do Amaral, Maria Esther Bueno, Pelé ou Ayrton Senna. Brasil, onde milhares de crianças são condenadas diariamente a vagar pelos sinais, por bares, por prostíbulos e tantos outros lugares deprimentes em busca da sobrevivência.

O livro "O Cidadão de Papel", do jornalista Gilberto Dimenstein, produzido nos primeiros anos da década de 1990, nos apresentou esse país de contrastes tão grandes. Uma das maiores economias do planeta e, ao mesmo tempo, um dos lugares mais socialmente injustos para se morar. As notícias divulgadas nos jornais todos os dias, vistas por muitos de nós como contingência de um sistema, ou seja, como algo contra o qual não adianta lutar, constituem a base e a referência para esse exame minucioso.

Dimenstein procurou focar sobre as questões sociais e seu impacto na vida dos pequenos brasileiros, das crianças.

Partiu da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos mostra, ao longo das páginas de seu livro, como estamos distantes da aplicação prática de elementos básicos e fundamentais para que possamos conceder a nossas crianças e jovens um mínimo de dignidade.

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Os lixões e a falta de moradia são dois flagelos que persistem no
cotidiano de muitas famílias e crianças brasileiras.

Círculo Vicioso

dignidade . [Do lat. dignitate.] S. f. Respeito a si mesmo; amor-próprio, brio, pundonor (Sentimento de dignidade; brio, honra, decoro).

Quando falamos em dignidade em termos práticos abordamos questões como educação, habitação, alimentação, saúde, lazer, trabalho, consideração e respeito.

Se falta dinheiro para conseguir comida, muitas famílias colocam seus filhos nas ruas e exigem que eles consigam, de alguma forma, obter os recursos necessários e, ao voltar para casa (quando ela existe), contribuir com os pais e irmãos.

Se a criança está na rua, engraxando sapatos, vendendo balas nos semáforos das grandes metrópoles, se prostituindo nas esquinas mais movimentadas dos grandes centros urbanos, catando restos em lixões, cometendo pequenos furtos ou cheirando cola, ela definitivamente está muito longe de onde realmente deveria estar, a escola.

Se a escola não é parte constante da realidade de uma criança ou de um adolescente, as probabilidades dessa criança ter boas chances no futuro são ínfimas, ou seja, extremamente reduzidas. Sem livros, alimentos, interação com professores e colegas num ambiente arejado e saudável, é pouco provável que essa pessoa consiga abandonar as ruas, se integrar ao mercado de trabalho, formar família, prover suas necessidades de forma adequada ou mesmo obter respeito próprio.

"O Cidadão de Papel" nos mostra como, apesar da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de todos os modernos códigos legais que regem o nosso país (da Constituição ao Código Civil, do Código Penal ao Código do Consumidor, passando por tantos outros), o Brasil não conseguiu vencer a chaga da desigualdade social e da péssima distribuição de renda.

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Apesar das Declarações de Direitos e Códigos de Leis, ainda estamos muito longe de
atingir uma situação de justiça social, por isso a cidadania ainda não saiu do papel...

Atualíssimo

Já se passaram mais de dez anos desde a publicação do livro de Dimenstein. Os ares da democracia se estabeleceram no país (vencemos o autoritarismo e a ditadura), os mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva tem realizado notáveis progressos em diversos setores, especialmente na estabilização da economia, entretanto, as contundentes afirmações do "Cidadão de Papel" continuam a assombrar o Brasil.

Quem lê o livro hoje não vê grande diferença entre o que se passava no país a dez ou doze anos atrás em relação ao que acontece hoje, nos anos iniciais de um novo século (e milênio).

Há muitas crianças nas ruas. O maior e mais divulgado projeto governamental é o Fome Zero (o que demonstra que o flagelo da subnutrição e da desnutrição, causados pela miséria, continua existindo no Brasil). A violência se alastra. Muitas crianças ainda estão fora da escola. Postos de saúde e hospitais continuam lotados (povo doente é sinal de má alimentação, falta de instrução, pobreza). Os lixões ainda constituem fonte primordial de trabalho e sustento de muitas famílias...

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O que fazer?

"O Cidadão de Papel" tem fomentado discussões e debates, portanto tem cumprido seu papel. A partir de suas páginas foram montadas peças teatrais. O valor do trabalho foi reconhecido com láureas importantes como o prêmio Jabuti (um dos mais importantes da literatura nacional) em 1993. Nas escolas tem sido utilizado e lido por vários professores e alunos, tanto na rede pública quanto na privada.

O primordial passa a ser transformar toda a indignação e insatisfação com o que lemos nas páginas dessa obra em ações que revertam benefícios para a comunidade em que vivemos.

Isso significaria, por exemplo, organizar os estudantes para ações como coletas de alimentos, doação de livros, campanhas de agasalhos, atividades culturais que abordassem os temas e incentivassem uma maior solidariedade, visitas a instituições que prestam auxílio a crianças carentes,...

Tenho certeza que isso já está acontecendo. Falo por experiência própria. Adotei o livro logo que ele foi lançado. Acompanhei suas atualizações. Discuti vários tópicos com os alunos. Organizamos projetos e trabalhos. Mesmo que com alcance regional, colhemos frutos. Dedicamos o pouco que fizemos a leitura de "O Cidadão de Papel", queremos apenas que em muitas outras cidades aconteça o mesmo...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas