Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A Lente e a Janela
Porta Curtas Petrobras - Direção de Marcius Barbieri

Traduza o mundo. E o que ele é senão aquilo que percebemos através de nossos sentidos? Do olhar ao paladar, passando pela audição e pelo olfato até chegar ao tato, construímos nossos saberes pela conjugação das leituras e interpretações que fazemos daquilo com que temos contato ao longo de nossas existências.

Mas, algumas vezes, por mais que estejamos diante daquilo que deve ser igualmente sensível a cada um de nós, parece que não queremos ver, ouvir, cheirar, saborear ou tocar. Nos fechamos e de algum modo parecemos ignorar, por completo, situações, fatos, pessoas e acontecimentos com os quais não queremos ter qualquer tipo de contato.

Isto é, de certa forma, não apenas o que consciente ou inconscientemente fazemos em nossos íntimos, mas também o que acabamos realizando com nossas crianças, colocando-lhes em redomas que acabam fazendo com que fiquem alheios e alienados, muitas vezes, ao que acontece no mundo.

Verônica, uma menina brasileira como tantas outras de classe média também vivia assim. Até que um dia recebeu de Natal um presente diferente e especial, com o qual mudou o modo como percebia a vida, as pessoas e o mundo externo ao seu universo particular...

No seu canto, cercada de bichos de pelúcia, confortavelmente acomodada em sua cama, desfrutando de seus livros e canetas coloridas, tendo a sua disposição todas as comodidades de quem mora num bom apartamento, ela nunca havia sido capaz de ver além das fronteiras mais imediatas às quais estava circunscrita...

O presente que ganhou, no entanto, ampliou seu raio de visão e permitiu-lhe mais do que ver o que até então não percebera... Com o auxílio de uma pequena câmera de vídeo, iniciou uma jornada nova, que permitiu-lhe, inicialmente, percorrer cada centímetro de sua residência, verificando detalhes aos quais não atentara em momentos anteriores, como até mesmo cores, formas, partes e símbolos que constavam de alguns de seus próprios brinquedos...

Quando se propôs a ir além, buscando fora de sua residência algum elemento novo que pudesse registrar com sua câmera, percebeu que logo ali, no canteiro central que dividia largas avenidas e conjuntos de prédios naquela enorme metrópole na qual vivia, podia ser vista uma barraca improvisada, coberta por um plástico preto, sob a qual provisoriamente se abrigava uma família, na qual logo se destacaram três crianças...

O leito deles, diferentemente do seu, era a grama... Seus pertences, tão poucos que poderiam ser carregados com facilidade por apenas um deles... Natal e presentes? Somente a partir da ação de alguns bons samaritanos que distribuíam brinquedos simples, como bolas e bonecas de plástico, fazendo valer um pouco do espírito de Natal... Água e comida? Conseguida a duras penas, mendigando e pedindo para quem por ali passasse de carro e se dispusesse a baixar os vidros... Banheiro e higiene? Como se naquele canteiro nem mesmo uma torneira sequer estava disponível?

E quantos de nós somos como Verônica, a meiga e inocente menina do curta-metragem A Lente e a Janela, do diretor Marcius Barbieri, que somente com o auxílio prestimoso de seu presente de Natal conseguiu sensibilizar-se em relação a realidade difícil de crianças como ela, que nem ao menos tinham um teto no qual pudessem viver?

E quantas crianças como Verônica vivem dentro desta realidade alheia e alienada ao que temos que saber, conhecer e perceber para que não permitamos sua continuidade?

Até quando seremos míopes e dependeremos de próteses através das quais nos tornemos capazes de nos sensibilizar perante as injustiças e a desigualdade social que oprime, ofende, violenta e atormenta nossas consciências a partir do momento em que as percebemos e deixamos de estar alheios? Até quando? Até quando?

Por João Luís de Almeida Machado, que mais do que perceber, pensa que temos que arregaçar as mangas e fazer alguma coisa, urgentemente, para que a dignidade humana seja recuperada.

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