Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Sobre o Caso Uniban
Falso Moralismo e Contextualização

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Manchete de jornais e de programas na televisão há alguns dias, o caso da aluna da Uniban, que foi à aula usando um vestido colante e curto demais, ganha repercussão ainda maior depois da notificação da expulsão da referida estudante pela universidade. A situação ganhou enorme repercussão por conta do assédio moral de alunos e até mesmo de funcionários e professores sobre a aluna por conta de seus trajes inadequados ao espaço educacional. Assédio que virou apupo público, com direito a registro através de imagens que mostraram ao país todo, não apenas o erro individual, mas principalmente o erro coletivo e o institucional...

Não há qualquer sombra de dúvida que o vestido era inadequado ao espaço universitário, à sala de aula, à concentração de colegas e aos funcionários... Mas, certamente, a reação foi desmedida e desproporcional, além de demonstrar como ainda impera o falso moralismo entre muitas pessoas...

Se a aluna estivesse indo a uma “balada”, ou se fosse à porta da universidade apenas para encontrar-se com amigos e encaminhar-se a algum “barzinho”, tudo passaria despercebido. Na realidade, se alguém, ou mesmo um grupo pequeno de pessoas, não estivesse a postos para ‘levantar a lebre’ do traje colante e curto em demasia, é possível que hoje a situação na instituição continuasse dentro de uma aparente normalidade...

Há hipóteses a respeito do fato, por exemplo, a de que a jovem tenha de alguma forma adicional, resolvido chamar a atenção geral, não apenas pelo uso dos trajes inadequados, mas também com algum comportamento que a colocasse ainda em maior evidência, a ponto de provocar a ira coletiva, o assédio moral...

Podemos pensar, também, que as pessoas que iniciaram o apupo coletivo e incitaram a maioria ali presente a participar, tenham alguma diferença com a agredida... Mas, como provar tanto uma como outra possibilidade?

Agora, de qualquer forma, a participação de funcionários e professores, conforme registrado na grande mídia, na mobilização geral contra a garota é inaceitável e atenta contra a imagem da instituição.

Aos funcionários e professores caberia (e assim sempre será) o importantíssimo papel de mediadores da situação, ou seja, das pessoas maduras que devem, a despeito de sua opinião favorável ou desfavorável aos trajes da aluna neste caso, evitar que a situação viesse a ganhar os contornos lamentáveis e a repercussão enorme que está tendo...

Neste sentido, vale sempre lembrar que qualquer instituição educacional deve ter sempre em mente o compromisso de formar integralmente seus alunos – da educação infantil à universidade – o que infere, inclusive, a questão da contextualização do indivíduo aos espaços em que circula. Pode parecer óbvio aos olhos de todos que ninguém deve ir à universidade com vestidos curtos e colantes ou com bermuda e camiseta regata, mas muitas vezes é preciso deixar isto bastante claro aos olhos de todas as pessoas que por ali circulam, em especial, aos estudantes.

Tal tipo de moderação e instrução, por mais básicas e elementares que pareçam ser num mundo como o atual, em que tudo parece ser possível e permitido, é de essencial importância. Deve fazer parte, inclusive, daquilo que é conhecido pelos educadores como contrato pedagógico firmado com os alunos – que pode ser tanto o documento oficial da instituição assinado pelos estudantes e por seus representantes legais (os pais, na maioria dos casos) quando entram na escola, quanto àquilo que é acordado entre os professores e os alunos no que tange aos objetivos, metas, regras e bases de convívio esperadas para as matérias ou disciplinas cursadas.

Agora, o que assistimos nas imagens do assédio moral à estudante da Uniban incorreu naquilo que é conhecido há séculos como falso moralismo, isto é igualmente indubitável. Vale até lembrar a memorável canção de Paulinho da Viola, cujo título é “Falso Moralista”, que nos remete à célebre máxima cristã, “quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”...

Roupas justas, microssaias, decotes ‘generosos’, camisetas que permitam ver os músculos e o peitoral de garotos malhados, calças ou bermudas que procuram dar ênfase aos dotes masculinos e outras variações do jeito jovem de vestir e “seduzir” nos dias de hoje, não são exclusividade da jovem discriminada na Uniban. Certamente há outras pessoas como ela na própria universidade na qual o fato ocorreu, assim como em inúmeras escolas e faculdades brasileiras e estrangeiras...

Como o papel da escola é educar, o que se esperava da instituição é que orientasse desde o princípio os seus alunos quanto à forma como deveriam não apenas se vestirem, mas também se comportarem (tendo em vista o futuro profissional e pessoal dos alunos) em ambientes diferenciados, como o acadêmico, preparatório para o amanhã, para o mercado de trabalho, para a vida em sociedade...

Ao invés disto, a universidade se complica ainda mais ao anunciar em jornais e outros meios de comunicação, a expulsão da aluna, que de agredida e apupada, vítima de assédio moral, ainda que errada quanto aos trajes inadequados que utiliza nas instalações da escola, tornou-se, aos olhos da comunidade educacional em que estava inserida, a grande responsável e única culpada por tudo...

O MEC já declarou que irá notificar e buscar explicações da Uniban, mas o prejuízo já foi causado. Grupos que defendem os direitos das mulheres já estão se manifestando através da internet e dos jornais, demonstrando sua enorme insatisfação com o que declaram ser uma enorme injustiça. A ação da Uniban está sendo qualificada como discriminatória e ofensiva aos direitos individuais. Especialistas em educação e direito, em depoimentos nos jornais, consideraram muito grave a ação da universidade, opinando que em casos como este, e levando-se em consideração que a aluna não era reincidente, o máximo a fazer seria adverti-la (pena aplicada a alguns estudantes envolvidos no assédio moral, que demonstraria, ainda, que se utiliza “dois pesos, duas medidas”) ou suspendê-la das aulas por alguns dias.

De qualquer modo, creio que a continuidade da estudante na Uniban seria desde já impossível, mas a sua desistência consciente e espontânea, e não a expulsão, seria o caminho natural neste caso. O que não pode acontecer é a prevalência de um modo de pensar tão arcaico, preconceituoso e discriminatório como o que deu origem ao assédio moral e, tampouco, que tão falso moralismo tenha espaço no ambiente acadêmico e educacional...

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