Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

MAQ – Marco Antonio de Queiroz  Profissional do SERPRO - Serviço Federal de Processamento de Dados, como Programador de Computadores, de Novembro de 1981 a Novembro de 2003. Consultor especialista em acessibilidade digital, tem 23 anos de experiência em programação de sistemas de informação e 6 anos no desenvolvimento de acessibilidade nas páginas da Web. Ministra cursos de HTML e acessibilidade Web para empresas no Brasil; Editor de artigos, desenvolvedor da versão portuguesa das Diretrizes Irlandesas de Acessibilidade, criador e conteudista do site:www.bengalalegal.com Membro do grupo Acesso Digital: estudos, pesquisa e desenvolvimento de acessibilidade em páginas web; Consultor do Centro de Vida Independente Araci Nallin (CVI AN) SP; Consultor em acessibilidade web da "Click Maujor" -www.clickmaujor.com Autor do livro: "Sopro no Corpo - Vive-se de Sonhos, Rima Editora, 2005, onde escreve sobre a perda de visão aos 21 anos e sua reabilitação. Cego, divulgador e incentivador da inclusão social e digital para pessoas com deficiência.

Somos todos deficientes intelectuais?
MAQ

O argumento de que todos somos deficientes é muito comum e tem o intuito de igualar as pessoas com deficiência a todas as outras. 

No entanto, igualar as deficiências sensorial, física e intelectual às deficiências humanas e pessoais como os defeitos de personalidade (egoísmo, agressividade, impaciência etc.) é o mesmo que negar as deficiências como as conhecemos e são vistas socialmente.

Pessoas com deficiência são iguais a todos como pessoas humanas, porém dentro das suas diferenças específicas e nessas se distinguem suas deficiências.

Se as pessoas querem aceitar as pessoas com deficiência, que as aceitem além de suas deficiências comuns e pessoais, mas com consciência plena de suas deficiências específicas que as impedem de enxergar, andar, ouvir ou pensar com rapidez.

As pessoas com deficiência só se sentirão plenamente aceitas se forem vistas em todas as suas características pessoais. 

Quando alguém diz que "afinal, todos temos nossas deficiências", começa a negar, na verdade, a mais social e pessoal das características das pessoas com deficiência que é a sua diferença e que por ela se denominam." *

Talvez nem todos saibam que eu sou pai de um menino com síndrome de Down (e de uma menina com síndrome de capataz - quer mandar em todo mundo) e, por esse motivo, já há alguns anos estou envolvido com as questões relativas à deficiência intelectual (isso mesmo, não se usa mais deficiência mental desde a Declaração de Montreal de 2004), especialmente a inclusão de todas as pessoas em todos contextos.

Desde que o Samuel nasceu tentam me provar (ainda não me convenceram e, à medida que ele cresce, me convenço menos ainda) que existem algumas áreas do raciocínio que são problemáticas nas pessoas com deficiência intelectual: percepção, memória, abstração e capacidade de interpretação. 

Lendo e escrevendo eu descobri que não são as pessoas com deficiência que tem essa dificuldade. Somos todos nós. Temos sérios problemas de percepção. Poucas vezes conseguimos notar que algo diferente está acontendo ao nosso redor. 

Quando percebemos o fato, não conseguimos ler suas entrelinhas, quando lemos as entrelinhas distorcemos tudo. Dizem que o brasileiro é um povo sem memória. Tenho a impressão que essa não é uma exclusividade nacional. 

Com a desculpa da nostalgia voltamos a cometer os mesmos erros do passado. De um lado valorizamos a forma de viver do "nosso tempo" (nesse caso sempre algo da nossa infância e juventude) como se esse tempo não fosse o agora. 

Ressucitamos anacronismos e ainda achamos bonito. Do outro lado, esquecemos totalmente a história, geralmente naquilo que ela teve de pior, até que seja tarde demais e o estrago já tenha sido feito...de novo.

Também descobri que o uso de metáforas, analogias, metonímias e outras figuras de linguagem são inviáveis. Ironia, então, nem pensar. Não sabemos ou não queremos exercitar nossa abstração. Isso dá trabalho e exige que se pare para pensar. 

Só conseguimos conviver com o que é concreto, visível, palpável ou compreensível de forma direta. Precisamos personificar conceitos, ou melhor, só personificar sem conceituar nada. Deve ser por isso que os reality-shows fazem tanto sucesso, uma vez que não exigem nenhum esforço intelectual.

Sempre que eu digo que o Samuel está alfabetizado desde os 6 anos, alguém me pergunta : "mas ele sabe ler (i.e. decifrar o código) ou consegue interpretar o que está escrito ?". Sou obrigado a responder que ele interpreta perfeitamente. 

Deve ser porque ele se limita a interpretar o que está escrito. Muitas das discussões que vejo nos grupos acontecem simplemente porque as pessoas começam a responder antes de ler o que está escrito. Não têm nenhuma capacidade de interpretação, não por incompetência, mas por displicência. 

Um fala bola e o outro responde a respeito das condições meteorológicas. Volta-se e explica-se o que é a bola e dizem que você não gosta de chuva. No que que isso vai dar no futuro? Não sei, acho que não tenho a percepção do todo e, de qualquer forma, quando o futuro chegar ninguém vai se lembrar mesmo.

Talvez os seres do porvir apenas nos interpretem como uma abstração qualquer. Os seres do porvir serão justamente esses que hoje chamamos de deficientes intelectuais, que prestam mais atenção, guardam nas suas memórias o que lhes é relevante, conseguem abstrair e interpretam corretamente o que é escrito porque, conscientes de suas limitações, estão preocupados em acertar.

*Esse trecho do texto é uma adaptação de uma mensagem do MAQ (Marco Antonio Queiroz), da Bengala Legal e do Acessibilidade Legal, sobre o pseudodiscurso da generalização da deficiência.

Fonte: http://xiitadainclusao.blogspot.com/2008/09/somos-todos-deficientes-intelectuais.html

Avaliação deste Artigo: 5 estrelas