A Semana - Opiniões
Sobre o roubo da prova do ENEM
Prejuízo considerável para o MEC e para o próprio Exame...
É, tudo no Brasil acaba (ou começa!) em Pizza... Descobrir que as pessoas que estavam tentando vender a prova do ENEM para o Jornal “O Estado de São Paulo” eram um dos seguranças da empresa contratada para produzir a prova, um DJ de clubes noturnos paulistanos e, ainda, como intermediário, o dono de uma pizzaria facilita a compreensão da fraude...
Só faltava dizer que a gráfica responsável pela impressão do ENEM era a do Senado... Aí ficaria mais fácil de entender como vazou ou ainda por que estavam pedindo 500 mil por ela (talvez por causa deste valor o ministro da educação tenha considerado os responsáveis pelo roubo amadores... deviam certamente ter pedido mais para parecerem profissionais da extorsão, como autoridades que cometem os famosos crimes do colarinho branco, nunca por merrecas assim...).
E o mais interessante é que depois de tentar negociar este documento oficial do MEC, em primeira mão, alguns dos acusados disseram que estavam na realidade querendo apenas “denunciar” o vazamento e cumprir com seu dever cívico... E por que então pediram os tais 500 mil reais?
De qualquer modo, amadores ficaram parecendo as autoridades da educação brasileira, ao perceberem que foram surrupiadas tão facilmente e, ainda, que a prova do ENEM está valendo tão pouco no mercado... Brincadeiras à parte, o caso foi muito sério e merece, certamente, apuração por parte da polícia federal. Penso que o ENEM deste ano deveria ter ficado a cargo de instituições experientes na impressão e envio de tais documentos aos seus locais de aplicação e que, primam por não terem passado por situação semelhante, como a Cesgranrio, a própria Fuvest ou a Fundação Carlos Chagas.
Foi, inclusive, nefasto para esta primeira edição "bombada" do ENEM, ou seja, para este momento específico de sua história, quando passou a ser a principal referência para a admissão na maioria das universidades brasileiras. Vi o ministro Haddad se perguntando por que só agora isso teria acontecido se o ENEM já existe há mais de 10 anos... E precisa dizer muito para explicar? O ano passado ou retrasado, se isto acontecesse, ao invés de 500 mil, o "resgate" seria de 50 ou quem sabe 5 mil no máximo...
A prova do ENEM deste ano é inovadora no sentido de propor uma reformulação grandiosa no sistema de admissão às universidades e aposentar, de vez, o vestibular "decoreba", aquele que leva o aluno a memorizar nomes de rios, fórmulas de física, equações de matemática, datas históricas, regras gramaticais, autores de livros... E que, há tempos, é muito criticado por gente do porte de Rubem Alves, opinião de peso com a qual concordo... Os vestibulares tornaram o Ensino Médio, etapa decisiva para a formação de adolescentes, em cursinho de preparação para o vestibular e perderam no horizonte o bonde da história, ou seja, deixaram de lado a formação integral destes alunos...
Que formação integral? Aquela que se dispõe a entregar não apenas conteúdos, mas a legar conhecimentos a partir de uma construção proposta e realizada a várias mãos, em que o professor não despeja saberes, mas instiga os alunos e os levam a buscar tais frutos saborosos... Aquela que se propõe a auxiliar o aluno a compreender o mundo em que vive, se tornando cidadão ético, ativo, politizado, solidário, responsável por si e por outras pessoas, comprometido com a natureza, a cultura...
De qualquer modo, este novo ENEM, mesmo que sendo aparentemente apenas uma avaliação que dá acesso a universidades importantes, já estava causando rebuliço e reorientando as escolas privadas e as redes públicas a repensarem suas ações e a própria filosofia a ser adotada daqui para a frente para o Ensino Médio...
Este embaraço, se é que assim posso simplificá-lo, arranha a imagem do ministério, impacienta os alunos que haviam se preparado arduamente para a prova do ENEM, atrapalha o calendário de exames de admissão no vestibular de outras instituições, causa rupturas com algumas escolas (algumas universidades como a USP e a Unicamp que utilizariam o ENEM como elemento de cálculo adicional aos seus processos de admissão já estão revendo esta posição), gera desconfiança quanto ao que pode acontecer quanto às futuras avaliações e dá coro aos defensores do antigo vestibular, que ainda existem e tentam exorcizar esta nova modalidade de acesso ao 3° grau...
De qualquer forma, antes tenha ocorrido tal fato previamente à aplicação da prova do que depois, o prejuízo seria ainda maior se milhões de estudantes já tivessem feito a avaliação... Neste ponto, o ministro Haddad tem razão... E, de qualquer forma, temos que torcer para que no próximo round desta batalha tudo dê certo... Que a prova do ENEM possa, enfim, ser aplicada sem que a ninguém possa ser oferecida antes de sua aplicação, como pizza quente que saiu do forno e que os demais teriam, então, que comer fria e dura...
Obs.: Entre as questões que serviram de amostra para a reportagem do Estadão, da prova de Códigos e Linguagens, estavam duas que demonstram o quanto o trabalho que realizamos no Planeta Educação está atualizado... Uma delas era sobre a personagem Mafalda, do argentino Quino, quadrinhos clássicos dos anos 1960 e 1970, retratados por mim no artigo Toda Mafalda, na coluna Planeta Literatura... Outra era sobre o filme "Touro Indomável", de Martin Scorsese, com Robert De Niro, obra sobre a qual ainda não tive a oportunidade de escrever, mas que demonstra que o trabalho Cinema e Educação, que pessoalmente desenvolvo há mais de 20 anos e que tornou-se coluna no Planeta e referência em meu outro blog, o Cinema de Primeira, tem real valor e pertinência...