João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
Pensar para causar...
Articulando-se e realizando
Apure
os sentidos... Sinta a brisa que levemente acaricia seu rosto...
Permita-se escutar os sons ao seu redor... Aprecie o ar que respira...
Veja as pessoas que circulam ao seu redor... Perceba a natureza em todo
o seu esplendor...
Estas seriam as primeiras palavras que iria proferir se tivesse que dar
a um grupo de alunos alguma orientação no sentido
de ensinar-lhes como pensar ou, ainda, de que modo podem se articular e
realizar em suas vidas (ainda que pense, em meu íntimo, que
há vários fatores que conduzem uma pessoa a
atingir à necessária altivez, destemor e
presença de espírito para que possa se pronunciar
ao mundo, dizer por que veio a esta Terra).
Penso ser inconcebível o livre pensar sem a sensibilidade, a
possibilidade de perceber tudo o que está ao nosso redor: a
natureza, as pessoas, as construções, os odores,
os sabores...
Mas o quanto nos permitimos esta sensibilidade nos dias de hoje,
fechados como estamos em nossas casas, casulos protetores que nos
isolam dos pingos da chuva, da corrida em campos de terra, do cheiro do
mato, das árvores em que temos que algum dia subir, das
águas de rios e mares em que devemos nos molhar e nadar?
Nossos filhos, por conta do medo que sentimos de nós mesmos,
seres humanos, vivem diante de monitores (de TV, de computadores, de
videogames), escondidos em seus quartos, criando conexões
pela web, aprendendo com a babá eletrônica e pouco
ou nada se atrevendo a trilhar os caminhos do mundo, singrar os mares,
escalar montanhas...
Alimentar a alma, o corpo e a mente passa por experiências
que não estamos nos permitindo viver, pelo contato direto,
no encontro com a vida. Pode parecer discurso de livros de autoajuda ou
mesmo relacionados a algum tipo de culto ou caminho espiritual...
Não é... Os filósofos antigos
já advogavam a necessidade da experiência
concreta, que é aquilo que realmente elucida, explica,
permite a compreensão inicial e desencadeia os processos
reflexivos.
É claro que não é possível
crescer apenas a partir deste mais do que necessário
pontapé inicial dado com as experiências diversas
que temos que acumular ao longo de nossas vidas. É preciso
também buscar apoio nas pessoas – familiares,
amigos, professores, colegas de trabalho e até mesmo no
contato com desconhecidos (é claro que com algum cuidado e
bom senso para evitar acidentes de percurso!).
Ao vivo e em cores, como costumamos dizer, é certamente
muito mais intenso e passível de gerar saberes do que
mediado pelas tecnologias. Não que com isto possamos abrir
mão de tudo aquilo que estamos compondo como elementos de
comunicação e interação, em
especial as redes concebidas através da Internet.
Também constituem recursos de valor, que certamente
não podem ser deixados de lado e que prestam
serviços que podem repercutir para o nosso pensar.
O que não pode ocorrer é nos tornarmos
cibercidadãos apenas, ou seja, avatares o tempo todo,
interagindo apenas a partir de nossos lares e bases
eletrônicas ou, então, dando mais
espaço e ênfase a este universo do que ao mundo
real. Usemos a tecnologia e seus variados recursos a partir daquilo que
realmente são, única e tão somente,
ferramentas e nada mais.
As tecnologias são meios e não fins em si mesmas,
mas temos nos entregue de tal forma à sua
manipulação e uso que, pessoalmente, temo pelas
novas gerações, não apenas quanto a
sua liberdade de pensamento, quanto a sua altivez, presença
de espírito, capacidade de ação e
reação, sentimentos,
interação, paixão pela vida...
O primordial é sempre o contato com as outras pessoas, sem
intermediários... Como nem sempre é
possível, criaram-se recursos que nos permitem criar
conexão até mesmo com quem já
não está por aqui ou ainda com pessoas que vivem
muito longe (não apenas fisicamente, mas também
social, cultural, política e economicamente).
Mas que as crianças e jovens deste mundo conectado se deem
conta que há vida e recursos extrainternet, como os livros,
as músicas, os filmes, o teatro, a filosofia, as
ciências, as artes plásticas, o esporte, a
dança...
Artistas, escritores, pensadores, dançarinos, atletas,
cineastas e tantas pessoas que realizam produções
culturais e científicas, acadêmicas e
políticas, só para sintetizar, também
nos falam através de suas produções.
Palavras, pinturas, celuloide, movimentos, gols, letras,
lírica e canções podem dizer muito
para nós...
O quanto já aprendi com Monet, Debret, Disney, Chaplin,
Mandela, Gandhi, Pontecorvo, Machado, Cervantes e tantos outros grandes
mestres através de suas ações e
produções? É incomensurável
tal conhecimento.
Assim como é impossível avaliar como alguns
mestres que passaram por minha vida me incutiram não apenas
saberes prontos e acabados, como muitos ainda pensam deve ser o papel
da escola, mas principalmente estimularam a dúvida, a
curiosidade, em trilha infinita pelo saber, por aquilo que ainda
não conhecemos, em busca do que nos intriga e nos faz
refletir...
Sem dúvida alguma, os grandes educadores que conheci tinham
esta postura, de não acomodação e,
ademais, não apenas professores eram, também
exerciam outras profissões e, sempre demonstraram prazer
nesta busca e na socialização de suas
dúvidas e das respostas que foram encontrando...
Pensar para causar passa necessariamente por vários
caminhos, que felizmente não são iguais e sim
diversos, pois a cada um de nós é permitida uma
experiência única, sem igual. É certo,
no entanto, que para chegar às respostas (ainda que
não definitivas) encontradas ao longo de nossas
existências, temos que contar com a nossa sensibilidade, com
o apoio de outras pessoas, com a dúvida e a curiosidade que
alimentam nossos espíritos e nos faz seguir adiante e,
ainda, com as ferramentas que criamos desde que surgimos neste
planeta...
E causar para quê? Por nossa glória pessoal? Por
dinheiro? Por projeção profissional? Por conforto
material? É claro que seria por demais falso deixar de
admitir que tudo isto movimenta as pessoas e as fazem seguir em frente.
Mas não é por estes fatores, de base mais
imediata e materialista, que realmente buscamos o conhecimento,
desenvolvemos a nossa capacidade de pensar... Assim o fazemos porque
somos seres humanos, aptos a tal exercício e
ação, sempre movidos pelo desejo da
superação, da realização e,
em especial, da felicidade (não apenas individual, mas
grupal, coletiva, social!).
Causar, neste caso, por mais dignidade, justiça social,
ética, saúde, liberdade, paz, amor e alegria
(afinal de contas, bom humor é fundamental, não
é mesmo?).