Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Caso Renault: Briattore x Nelsinho Piquet
Retratos do Mundo Contemporâneo...

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A Fórmula 1 parece um universo distante demais para realizarmos paralelos com a vida de cada um de nós, simples mortais. Patrocínios milionários, circuitos espalhados pelos quatro cantos do mundo, pilotos com supersalários, dirigentes relacionados com poderosos empresários, competição de alto nível...

Tudo é superlativo nos grids, paddocks e boxes da categoria mais importante do automobilismo mundial, daí as dificuldades de transferirmos ou entendermos como situações específicas deste universo podem espelhar o mundo em que vivemos, nós que estamos na periferia desta realidade platinada...

Mas, lá como aqui, há seres humanos, dinheiro, interesses, empregos em jogo... Neste sentido, a ética que deveria reger nossas existências pessoais e profissionais também é artigo a ser observado e entendido nas altas esferas, seja do esporte ou de qualquer outra área de atuação humana, como a política, a economia, a cultura, a educação...

O recente affair Renault, por exemplo, caso que está dando mais manchetes do que as próprias corridas organizadas pela Fórmula 1, envolvendo a escuderia francesa, seu ex-chefe Flavio Briattore e o piloto brasileiro Nelsinho Piquet, merece atenção e pede reflexão para que possamos ir além dos guardrails em que o filho de Nelson Piquet bateu propositalmente...

Como o próprio pai do piloto brasileiro afirmou em entrevista à TV Globo, ação deliberada como esta, pensada para criar a possibilidade da vitória para o outro piloto da escuderia, o espanhol Fernando Alonso, constitui crime e, como tal, é passível de punições severas. Além de entender tal ação como criminosa, Piquet também falou em ética no esporte e de como fatos semelhantes podem ferir e manchar a dignidade e a decência tanto na Fórmula 1 quanto em outras categorias do automobilismo e no esporte.

Vitórias éticas... É o que se espera. Ao menos, é o que o público que aprecia este e outros esportes gostaria de ver nos autódromos, quadras, gramados, piscinas ou na tela da televisão... Ninguém, em sã consciência, imagina que em qualquer esporte possa surgir, existir ou, ainda que esporadicamente, agir algum clone do “Dick Vigarista”, clássico personagem de desenhos animados que em companhia de seu cachorro Mutley, trapaceava as “corridas malucas” que disputava para poder vencê-las...

Não me lembro, mesmo, de algum episódio desta animação que passava na TV, em que Dick Vigarista e Mutley tivessem chegado a seu objetivo, à vitória... Creio que isto, para minha infância (e de tantas crianças) foi bastante animador, pois de certo modo se estabelecia, ao menos na ficção dos desenhos animados, que a trapaça, a desonestidade, o comportamento antiético e todos os termos sinônimos da falta de lisura, jamais triunfariam...

Não é o que vemos no mundo real. A Fórmula 1 é apenas um retrato do mundo contemporâneo. Um breve instantâneo de casos de corrupção e desonestidade vistos igualmente na política, na economia, na sociedade, no esporte...

Os recentes casos de doping flagrados entre atletas brasileiros do atletismo é outro exemplo triste de como o esporte abandonou os belos princípios que o orientam desde o surgimento das Olimpíadas, cantados a verso e prosa por gerações de esportistas amadores, que entoavam a máxima do Barão de Coubertin: “O importante é competir”.

Ganhar nos dias de hoje significa muito mais do que o lugar mais alto no pódio... Troféus e medalhas são apenas para as fotos e para prateleiras das casas de esportistas, nas quais acumulam poeira depois de algum tempo... Muito mais significativo é o espaço na mídia, a exposição nos jornais, o nome em letras garrafais em cadernos de esporte do mundo todo... Com este destaque vêm os patrocinadores, os contratos polpudos, o sonante entrando nas contas bancárias, a independência financeira, o conforto material para sempre...

Não é a toa que alguns atletas de elite (os quais não citarei, mas que certamente poderão ser pensados por cada um dos leitores, em especial no que tange ao futebol brasileiro e suas estrelas) entram em declínio de forma precoce, praticamente “esquecendo” suas habilidades e descuidando-se de suas preparações físicas...

O fastio, ou seja, o tédio lhes tolhe a disposição; o excesso de benesses e facilidades os minam em suas determinações e vontade de se dedicar mais, de conquistar melhores resultados em suas carreiras... Continuam a receber muito dinheiro ainda que em baixa, trocam de clubes e dão um novo alento a todos (fãs, patrocinadores, equipes, jornalistas...) que imaginam que estes grandes atletas irão ressurgir das cinzas, como autênticas fênix...

Continuam desejando o triunfo, mas não o conseguem mais e, em alguns casos, por fastio ou mesmo impossibilidade de ir além daqueles limites já atingidos, resolvem burlar as regras, dopando-se ou submetendo-se a armações para garantirem-se novos contratos e possibilidades na carreira. Há, também, a pressão dos patrocinadores e das equipes que, necessitados de espaço na mídia e vitórias para consolidar suas marcas como vencedoras, acabam pressionando seus atletas para que ajam de acordo com conveniências e situações específicas, como acreditamos, seja o caso Renault...

São as marcas que ocasionam tal situação? Não, claro que não. As marcas por si só não existem. Seu sucesso ou fracasso depende das pessoas que as representam, seja nos escritórios e gabinetes, fechando contratos e tomando decisões, ou ainda nos boxes e cockpits dos carros, quando decidem que uma batida pode ser providencial para garantir à vitória de um companheiro de equipe...

Briattore foi punido, assim como o engenheiro-chefe da Renault, considerados os arquitetos desta farsa. Nelsinho Piquet, que ao que tudo indica participou do fato para garantir um novo contrato em 2009, por ter denunciado o ocorrido, ainda que algum tempo depois do fato e pressionado pela demissão da escuderia francesa, não sofreu sanções imediatas, mas certamente arcará ao longo do restante de sua carreira com o ônus de ter aceitado e compactuado com o acidente, sendo seu principal pivô, pois guiava o veículo.

O pior de tudo é constatar que a lisura, o trabalho pesado, a dignidade e a decência – atestados de caráter e personalidade das pessoas – parecem não ter tão grande valor hoje em dia... A lógica capitalista que estipula que tudo no mundo tem preço parece muito mais presente e viva do que pensamos... Afinal de contas, quantas pessoas não estão acobertando fatos e situações diariamente porque isso lhes garante algum benefício, como empregos, salários, bônus, conforto, comodidade, status? É hora de repensarmos tudo isto...

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