Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

24/11/2003 - Upgrade humano
Trabalho infantil, exclusão digital, violência promovida por menores e os resultados do ENEM, uma semana desanimadora... Como superá-la?

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A exclusão digital é considerada por muitos
especialistas como o novo analfabetismo.

Os jornais da semana passada estamparam manchetes preocupantes para todos aqueles que imaginam que o Brasil pode ser um país muito mais justo e, especialmente, para todos os que têm acompanhado os esforços feitos pelo país na última década para pagar a enorme dívida social acumulada com sua população mais humilde, mais pobre. Na quarta-feira, por exemplo, divulgou-se que houve um aumento expressivo na quantidade de crianças que estão trabalhando (“Trabalho infantil cresce 50% no ano”, estampou a Folha de São Paulo).

Entre quinta e sexta-feira os jornais publicaram os resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e, novamente pudemos perceber a distância que separa ricos e pobres nesse país. A média obtida pelos estudantes das escolas públicas foi bem inferior àquela conseguida pelos alunos das instituições particulares. A desproporção aumenta na medida em que o nível de rendimentos dos estudantes for menor, ou seja, quanto mais reduzida a renda familiar, pior o resultado obtido no ENEM.

Outro acontecimento que sacudiu o país foi à passeata ocorrida em São Paulo favoravelmente à redução da idade penal no país, dos atuais 18 para 16 anos. Motivada por crimes ocorridos no curto espaço de duas semanas em que assassinatos bárbaros foram cometidos por jovens que tem (ou tinham) aproximadamente 16 anos, teve enorme repercussão e reabriu discussões acerca do trabalho da Febem, da necessidade de se estabelecer à pena de morte no país e da proposta de redução da idade penal.

Aparentemente tão distantes os acontecimentos, mas na realidade tão próximos...

Comentando os acontecimentos que motivaram as manifestações contra a violência e favoráveis a alterações no código penal brasileiro, o colunista Gilberto Dimenstein destacou em sua coluna (no texto “Os seres humanos que viraram lingüiça”) que devemos perceber que toda essa violência por parte de adolescentes poderia ser evitada se tivéssemos programas de cultura, lazer, educação e oportunidades de trabalho.

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Os resultados do Enem refletem as desigualdades sociais marcantes de nosso país.

Análises dos resultados obtidos no ENEM por estudantes de diferentes camadas sociais também servem como indicadores da imensa diferença que faz na vida de uma criança e de um adolescente o acesso a oportunidades tais quais acesso a bibliotecas, aulas interessantes, professores estimulados e em constante atualização, escolinhas de esportes, oficinas culturais (de teatro, dança, música,...).

Sem qualquer sombra de dúvidas podemos afirmar que os alunos que marcaram os melhores resultados na média, provenientes de escolas particulares, contam com opções como essas. Além disso, em geral, dispõem de suporte familiar, se alimentam bem, tem acesso a internet, lêem jornais e revistas,...

Isso me faz recordar que, apenas para referendar a afirmação anterior, a revista Educação publicou em sua edição desse mês reportagem em que destaca que apenas 1% das escolas possuem laboratórios de informática que tem acesso a internet. No que tange a escolas particulares e sua clientela, os dados são completamente diferentes. Fiz um rápido levantamento na escola em que leciono e num universo de aproximadamente 60 alunos, não chega a 5% o número de alunos que não contam com computadores e internet em casa.

Considerando-se que a escola disponibiliza um bem equipado laboratório e computadores conectados a rede, podemos dizer que nem mesmo esses 5% estão à margem do processo de integração ao universo virtual da internet...

Isso faz uma enorme diferença!

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Artes e esportes fazem grande diferença na formação de uma criança e de um jovem, é fundamental que sejam feitos investimentos em atividades relacionadas as duas áreas.

Livros, computadores, internet, laboratórios, quadras, aulas de arte, visitas a exposições, contato freqüente com filmes e tantos outros recursos disponíveis nas boas escolas particulares realizam um autêntico “upgrade” desses estudantes.

Em contrapartida, a rede pública, apesar de todos os esforços, continua tendo enormes dificuldades para promover uma aprendizagem plena e uma total inserção de um enorme contingente de estudantes a cidadania e ao mercado de trabalho.

Como podemos diminuir sensivelmente a quantidade de crianças que estão trabalhando, na zona rural, nas esquinas das grandes cidades, em locais insalubres, sendo exploradas sexualmente e tantas outras situações totalmente irregulares se as escolas não atendem satisfatoriamente as necessidades da sociedade?

De que forma podemos integrar socialmente nossos adolescentes e jovens e dessa forma evitar que caiam na marginalidade se existem poucas oportunidades, as exigências são cada vez maiores e a qualidade da preparação está aquém do que requisita o mercado?

O que fazer para que o fosso que separa os resultados obtidos no ENEM, como um autêntico reflexo da sociedade brasileira, indicador da péssima distribuição de renda nacional, deixe de ser um diagnóstico que cada vez mais nos mostra como um dos países socialmente mais injustos do mundo?

O upgrade humano só atingiu verdadeiramente uma pequena parcela da população, totalmente elitizada, descrita com perfeição na matéria sobre exclusão digital da revista Educação como sendo constituída por brancos, com mais de 12 anos de escolaridade, renda superior a média nacional e moradores do sudeste/sul.

“Esta na hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor...” já nos dizia Moraes Moreira, para isso acontecer, temos que dar oportunidades...

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