Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

17/11/2003 - Livros, Sedução e prazer garantidos
O prazer da leitura


Mulher-sentada-lendo
“Leitura” (1892), de Almeida Jr. Óleo sobre tela (95x141 cm).
Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Comecei a ler muito cedo, para ser mais exato, logo que aprendi, na transição entre a educação infantil e a 1ª série. Desde então, não consegui mais parar. De vez em quando olho as estatísticas que apontam a média de livros lidos por habitante em várias partes do planeta e fico decepcionado com os resultados brasileiros. Não consigo imaginar que o país possa melhorar sem que um número cada vez maior de pessoas tenha acesso a bibliotecas, a literatura, ao sabor dos livros, as possibilidades do saber contido em cada uma das páginas...

Mas como estimular a leitura numa época tão marcada pela presença da tecnologia? O que fazer para que nossos jovens troquem os computadores por livros ao menos durante algumas horas? Com todos os seus encantos, o cinema pode em algum momento ceder espaço para a leitura?

A Folha de São Paulo, em seu caderno especial “Folhateen”, no último dia 17 de novembro, resgatou o tema, no artigo “Como seduzir usando apenas livros”.

Estive envolvido no último final de semana num seminário de educação, onde organizei e desenvolvi um workshop intitulado “Escolhendo a pílula vermelha ou a pílula azul”. Como se pode perceber, há uma relação entre o título da oficina e o filme dos irmãos Wachowski, “Matrix”. Apesar de falar sobre tecnologia e educação deixei bem claro aos participantes que sem leitura, não há trabalho bem feito, não há realização efetiva.

Alguns leitores, cientes de minha coluna “Cinema e Escola”, atualizada semanalmente, assim como, do meu envolvimento com internet, mais especificamente com o Planeta Educação, devem estar receosos de minhas afirmações e posicionamentos nesse artigo sobre leitura. Um workshop como o que foi mencionado anteriormente também deve gerar desconfiança...

Talvez por isso mesmo, abro esse texto alertando para o fato de que, muito antes de me envolver com computadores e mesmo com cinema, já era um leitor voraz.

Livros-infantis
Povoar a infância com bons livros e autores como “A arara e o guaraná” de Ana
Maria Machado, “O Mágico de Óz” de L. Frank Baum ou “A Reforma da Natureza”
de Monteiro Lobato é essencial para cultivar a leitura entre as crianças desde cedo.

Percorri um trajeto nas letras que se iniciou com as histórias em quadrinhos e com os livros infantis de Ana Maria Machado e Maria Claro Machado. Passei pelos contos de Grimm, as fábulas de Esopo, “O Mágico de Óz” e tantas outras pérolas, companheiros inseparáveis de horas inesquecíveis...

Na adolescência passei pelo suspense de Conan Doyle e seu fantástico Sherlock Holmes, pelos casos aparentemente insolúveis dos detetives Hercule Poirot e Miss Marple da inesquecível Agatha Christie. Júlio Verne foi outro ícone dessa época, com “A volta ao mundo em 80 dias”, “Viagem ao centro da terra” e “Vinte mil léguas submarinas”.

Paralelamente aos clássicos internacionais (“As Viagens de Gulliver”, “Os três mosqueteiros”, “Oliver Twist”, “Huckleberry Finn”,...), a escola me colocava em contato com Machado de Assis, Monteiro Lobato, Clarisse Lispector, Rachel de Queiróz, José de Alencar,...

Ao entrar na faculdade, vieram os livros relacionados à área em que me graduei, a história. Filósofos, economistas, historiadores, sociólogos, antropólogos e tantos outros especialistas das ciências humanas se tornaram leitura de cabeceira. Eric Hobsbawn, Gilberto Freyre, Karl Marx, Rousseau, Claude Levi-Strauss, Umberto Eco e muitos outros grandes autores e pensadores foram fundamentais para minha formação intelectual e acadêmica.

Minha pós-graduação e meu mestrado me levaram as leituras relacionadas à educação. Novas leituras, novas referências. Paulo Freire, Matthew Lippman, Phillipe Perrenoud, Daniel Goleman, Edgar Morin, Jean Piaget e Lev Vigotsky passaram a povoar meu imaginário, a incentivar minha ação pedagógica, a renovar minha prática de aula,...

desenho-de-biblioteca-cheia
Visitas freqüentes a bibliotecas promovem a aproximação entre
as crianças e os livros e consolidam a prática da leitura.

Se hoje posso e consigo escrever, sem dúvida devo muito a todos esses grandes colaboradores com os quais em vários momentos de minha vida pude trocar idéias.

Escuto regularmente de muitas pessoas que lidam com tecnologia e educação que, a despeito de todas as qualidades dos computadores e da internet, incluindo as possibilidades dos e-books, nada substitui a leitura tranqüila, corriqueira e atenta de um bom livro. Os puristas falam da textura do papel, do cheiro das páginas dos livros, das eventuais imagens que componham as obras, da cadeira confortável onde podemos nos instalar para degustar uma boa leitura,...

Aonde quero chegar com esse texto?

Quero incutir no educador a necessidade latente de iniciarmos nossas crianças na leitura o mais cedo possível.

Pretendo que leitura e prazer se tornem sinônimos para todas as pessoas como se tornaram para mim.

Sonho que crianças, jovens, adultos e idosos também tenham a possibilidade de encontrar Borges, Shakespeare, Dante, Cervantes, Machado, Sun Tzu, Rosseau e tantos outros.

Imagino que a justiça, o equilíbrio e a harmonia existam muito mais facilmente num mundo de leitores, gente crítica, argumentativa, analítica e transformadora...

Obs.: O artigo da Folhateen sobre leitura está disponível no link http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm1711200305.htm.

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