Planeta Educação

Filosofando

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Sobre o Pensar...
Em busca do livre pensar, da altivez e da capacidade de intervir

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“Quando eu ainda era professor universitário, fui nomeado presidente de uma comissão que iria examinar os candidatos ao doutoramento. Uma longa lista de livros havia sido preparada com antecedência, livros que os candidatos deveriam estudar. Aí no dia do exame tive uma idéia que submeti aos meus colegas e eles concordaram. Em vez de inquirir os candidatos sobre as idéias de outros escritas nos livros, idéias que nós já conhecíamos, por que não pedir a eles que nos falassem sobre suas próprias idéias? Falando sobre suas próprias idéias teríamos condições de conhecê-los melhor.” (Trecho de “Exame de admissão ao doutoramento”, texto de Rubem Alves, contido no livro “Ostra feliz não faz pérola”, da editora Planeta).

Quando li as palavras acima transcritas, do mestre Rubem Alves, lembrei-me imediatamente de algumas circunstâncias, todas elas bastante pertinentes e de interesse quanto ao tema. Para iniciar a conversa, como bom cinéfilo, me veio à mente um trecho do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, em que o professor John Keating (Robin Williams) é inquirido por um colega quanto a sua didática pouco peculiar e, também, acerca dos propósitos de seu trabalho.

O professor que fazia os questionamentos se surpreendera ao ver Keating pedindo aos alunos que rasgassem a introdução do livro “Entendendo Poesia”, escrita por um renomado especialista. Ao promover tal ação, Keating queria dar especial ênfase aos conteúdos que julgava merecerem a atenção e dedicação dos alunos, ou seja, as poesias. Almejava também dar aos pupilos a oportunidade de pensar tais obras sem que suas mentes fossem direcionadas pelo olhar prático e, a seu ver, reducionista, do especialista que escrevera a introdução do livro.

Acima de tudo, o propósito do professor Keating era permitir que seus alunos se tornassem livres pensadores, como acabou explicando ao colega que o questionou. Sua atitude inusitada foi ironizada pelo outro professor, que demonstrou não acreditar nesta possibilidade, em virtude da pouca idade dos alunos que atendiam na escola, todos ainda adolescentes. Keating não apenas demonstrou confiança ao responder-lhe como, ao longo de sua permanência na escola, sempre procurou incutir entre os estudantes o livre pensar...

Lembrei-me também de meu exame de admissão no mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no ano 2000. Estava na sala de espera, ao lado de minha esposa, aguardando minha chamada, acompanhado também de outros postulantes ao curso. Notei que estávamos todos nervosos diante da situação. A ansiedade e a expectativa eram grandes. Era possível escutar, já que a porta ficava entreaberta, um pouco daquilo que estava rolando nas entrevistas com os candidatos. Tínhamos como pré-requisitos para o exame, como na história do doutoramento de Rubem Alves, também o conhecimento de algumas obras e o encaminhamento de alguma proposta ou projeto preliminar.

Pouco antes de minha vez, quando outra pessoa terminou sua entrevista, vi que entrou uma professora no recinto em que se realizava este processo seletivo. Ao adentrar a sala, percebi que os examinadores brincaram com ela, utilizando o nervosismo dos candidatos como elemento de troça... Disseram a ela que “começasse a tremer”, pois a “arguição ou entrevista estava prestes a começar” e que, certamente seria “duríssima”, ao que todos riram. Era claramente um momento de descontração do grupo, mas para mim, que aguardava ansioso, pareceu um pouco de provocação...

Alguns segundos se passaram e fui chamado. Entrei e, movido por um sentimento claro de força e autoconfiança, superei qualquer nervosismo e encarei a banca, formada por três professores doutores daquela prestigiada universidade, entre os quais aquele que me orientaria durante a produção de minha dissertação, o professor Arnaldo Contier, por quem tenho profunda estima, respeito e consideração. Saí de lá bastante tranquilo e consciente de que havia feito um bom trabalho, uma bela apresentação. O que realmente foi constatado pelo fato de ter sido aprovado para o curso.

Realizei o mestrado e, depois de cumpridas as disciplinas obrigatórias e completada a carga de trabalhos e produções que precedem os meses dedicados quase que exclusivamente à produção da dissertação, tive que mudar de orientador. Meu primeiro conselheiro e mestre, o professor Carlos Guilherme Motta, notório historiador, não pôde mais acompanhar seus pupilos, entre os quais me encontrava e, logo após a banca de qualificação, comunicou seu desligamento do curso e dos alunos que ali orientava. Foi então que passei a trabalhar com o professor Contier.

Em nossa primeira reunião de orientação, meu novo orientador então me revelou, para minha surpresa, que ao longo de toda a sua carreira e entrevistas de admissão em mestrados e doutorados, não se lembrava de ter realizado tão qualificado embate de ideias como o que tivera comigo. Suas palavras foram: “Foi a melhor entrevista de admissão que já fiz!”. Fiquei, certamente, orgulhoso. Mas acima de tudo, penso que o que prevaleceu foi a possibilidade de falar abertamente, referenciando minhas palavras nas obras e mestres que já havia estudado, mas sem abrir mão, em qualquer momento, de meu próprio modo de pensar, refletir, concatenar ideias...

E por que resgato estas duas histórias como argumentos num texto sobre o pensar e, também, como elemento de articulação com as palavras de Rubem Alves que abrem o presente artigo?

Porque, na continuação do texto de abertura, Rubem Alves conclui dizendo que aos olhos dos estudantes que estavam sendo submetidos ao exame, tal proposta, a de que “deveriam falar sobre aquilo que pensavam”, era apenas um truque, uma pegadinha... Ou ainda que, para eles, o exame de admissão ficou muito mais complexo, porque sobre o que os outros pensavam era até possível falar (ou replicar, repetir) enquanto, sobre o que pensavam... O que havia para dizer?

Era comum ouvir de alunos que trabalharam comigo no Ensino Fundamental (8º e 9º anos), Médio e Universidade que, de algum modo, eu lhes colocava a pensar sobre os temas que estavam em debate em nossas aulas, de disciplinas diversas, relacionadas às humanidades, como história e filosofia. E que, certamente, não era tarefa fácil encarar tal desafio!

Neste sentido, é sempre bom lembrar que a proposta era a de que se tornassem livres pensadores, sem abrir mão de embasamento e argumentos que sustentassem seus posicionamentos. Livros, artigos de jornais e revistas, filmes, músicas e tantos outros recursos foram aliados neste trabalho. Em alguns momentos partíamos para aulas expositivas, mas sempre com espaço para dúvidas, contra-argumentos, apresentação de outras ideias vivenciadas ou estudadas, enfim, sem que os alunos fossem apenas sufocados por um grande manancial de informações por parte de seu professor...

Neste sentido, retorno a Rubem Alves, em outro de seus textos curtos, contidos na mesma coletânea (“Ostra feliz não faz pérola”), cujo título é “Desensinando o amor aos livros”. Neste texto, ele reforça a necessidade da leitura ter como grande objetivo o prazer e que, ler para fazer fichamentos ou relatórios cria entre os alunos a sensação de que a leitura é “tarefa penosa” e, portanto, desagradável. Como resposta a esta leitura errônea do ato de ler, arremata: “Em vez do fichamento, peça que o aluno fale sobre as ideias dele, aluno, que aquele livro o fez pensar. Para que fazer um resumo do livro se o livro inteiro já está escrito?”

E é justamente neste ponto que temos que chegar, ou seja, na ideia do desafio, da proposição, da busca e também do encantamento, da sedução quanto ao conhecimento. Para que isto aconteça é preciso que todo o processo seja significativo aos sentidos (todos, plenos) dos alunos. Daí sim se procede o ato de pensar, se estimula a capacidade de reflexão, se propõe e se realiza o crescimento pessoal e grupal dos estudantes...

Aprendi lendo, observando, trocando ideias, escrevendo sempre sobre o que vivenciara ou estudara, questionando, sabendo ouvir e se pronunciar, utilizando com parcimônia o tempo, definindo as bases necessárias para compor minhas reflexões, me apoiando em autores, mas tendo também autonomia para entender-me como sujeito ativo e construtor de meus saberes.

Enquanto professor, o que tenho tentado fazer é emancipar, permitir voos não apenas panorâmicos pela vida, mas sim viagens através das quais os estudantes se sintam preparados para intervir, opinar, participar, contribuir, promover um mundo melhor... Pensar para causar e demonstrar altivez, capacidade de solucionar problemas e de se relacionar, da forma mais integrada (e sempre com ousadia), com o mundo...

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