A Semana - Opiniões
Alienados somos ou estamos?
Futebol, o ópio do povo...
"Os brasileiros não se revoltam com coisas que acontecem com dinheiro do bolso deles. Agora, quando o time perde em casa, ameaçam os jogadores. Que crime o jogador cometeu? Apenas não ganhou um jogo. Se tivéssemos a mesma bravura para combater político corrupto, teríamos um país melhor.” (frase de Rogério Ceni, goleiro do São Paulo Futebol Clube, ao comentar a invasão ao vestiário da Portuguesa, com direito a homens armados).
“Alienação e humanismo” é o título de livro de autoria de Leôncio Basbaum, lançado pela editora Global, na década de 1980, que de certa forma explica, ou ao menos tenta, o fenômeno ao qual se refere o goleiro Rogério Ceni, jogador do São Paulo Futebol Clube e um dos mais destacados atletas brasileiros em ação nos gramados nacionais.
A frase deste profissional do esporte sintetiza de forma bastante fortuita os rumos da sociedade, cada vez mais voltada para a discussão e preocupação com assuntos e temáticas que pouco ou nada influem em suas vidas e, desta forma, alheia (ou melhor, alienada) no que tange ao que realmente lhe interessaria de forma mais direta...
Antes de mais nada, é importante esclarecer que, como brasileiro, reconheço a história do esporte bretão em nossas terras, desde suaa chegada, com Charles Miller, na virada do século XIX para o XX, o estabelecimento das primeiras ligas, o surgimento das agremiações que hoje arregimentam milhões de fãs, as conquistas brasileiras (Seleção e clubes) e ainda a própria dinâmica econômica relacionada ao futebol (Patrocínios, contratações, contratos com a televisão, ingressos, venda de produtos relacionados aos clubes...).
Também admito que sou torcedor e que, como tal, consumidor de produtos e notícias relacionadas ao mundo do futebol, em especial àquelas ligadas ao meu clube de coração e ao escrete canarinho, tendo inclusive já produzido textos sobre o assunto para blogs e wikis. Mas, em momento algum, ainda que quanto ao futebol por vezes nos exaltemos ou entremos em acaloradas discussões, em rodas de amigos, penso que tal temática podem nos tirar o foco das questões políticas, econômicas, sociais, culturais ou ambientais que realmente merecem nossa total atenção.
Mas o que é o futebol, enquanto extensão daquilo que nos é vendido através dos esportes e da cultura de massa, senão a versão contemporânea da política do “pão e circo” do Império Romano, situado historicamente na Idade Antiga (séculos V a.C. a V d.C.)?
Daí a associação com a já clássica obra do marxista Basbaum, a referida “Alienação e Humanismo”. Alienados estamos ou somos? E o que representa estar ou ser alienado?
De acordo com o Dicionário Aurélio, o vocábulo “Alienação” tem, entre outros sentidos não relacionados ao foco do presente texto, os seguintes significados:
1. Ato ou efeito de alienar (-se).
2. Falta de Consciência dos problemas políticos e sociais.
Neste caso, vale atentar tanto para a primeira quanto para a segunda definição, já que ambas, de alguma forma, contribuem para uma melhor compreensão daquilo que estamos vivendo. Ao definir, primeiramente, que a Alienação consiste no “ato ou efeito de alienar (-se)”, percebemos que tal ação, a princípio, se estabelece a partir do próprio indivíduo, não cabendo tal responsabilidade a terceiros, ao menos não diretamente, como discutiremos a seguir... A questão, nesta definição inicial, é saber se a alienação é consciente ou inconsciente e daí, neste sentido, cabe a percepção da participação de terceiros no processo de alienação...
Quanto à segunda afirmação constante no Aurélio, aquela que destaca a “falta de consciência dos problemas políticos e sociais”, complementar ao primeiro racicínio, já que o explica, é que entra a afirmação do goleiro Rogério Ceni. Enquanto no Senado vemos as falcatruas e conchavos que permitem a continuidade de José Sarney, Renan Calheiros e Fernando Collor de Mello (entre tantos outros) no comando do legislativo nacional, torcedores da Portuguesa (assim como noutros tempos são paulinos, corintianos, palmeirenses, flamenguistas, santistas, vascaínos, atleticanos, gremistas...) invadem vestiários e ameaçam a integridade física de atletas e membros da comissão técnica...
E não paremos no Senado... A censura ao jornal “O Estado de São Paulo”, as questões relativas à saúde pública (como a epidemia de gripe suína), os problemas sérios constatados na educação nacional (como os resultados sucessivos que demonstram o fracasso em testes internacionais), o arquivamento das denúncias contra o ex-ministro Palocci, os rumos do petróleo abaixo da camada pré-sal (e todo o dinheiro relacionado a isto), os desvios de verbas em diferentes instâncias, as obras superfaturadas, as fortunas de políticos em paraísos fiscais... Quantas questões importantes estão sendo colocadas de lado para que, em seu lugar, os inconformados e (excessivamente) apaixonados torcedores se disponham a agredir os atletas e treinadores de seus times?
Neste caso, as palavras de Rogério Ceni se tornam ainda mais claras quando ele diz que "os brasileiros não se revoltam com coisas que acontecem com dinheiro do bolso deles” e, relacionamos tal raciocínio com o complemento de seus dizeres, ao afirmar que “se tivéssemos a mesma bravura para combater político corrupto, teríamos um país melhor.”
Ao encurtar o caminho entre introdução e finalização de pensamento, queremos mostrar que o goleiro pensou e articulou sua fala, enquanto homem público, esportista vencedor e pessoa que tem imagem positiva perante o público (independentemente de qualquer paixão clubística), relacionando aquilo que é realmente importante aos olhos de qualquer cidadão, ou seja, o estrago ou rombo que lhe é causado no bolso e a corrupção que existe no país...
Muitos hão de dizer que já sabiam, que compreendem o sistema e seu funcionamento ou ainda de sua indignação perante toda esta situação, que nos fere e constrange. A questão, no caso, é ir além do embaraço e do reconhecimento do fato e, é neste momento que entra a associação direta com o futebol e as paixões que suscitam atos extremos entre os torcedores... É preciso convir que, se as pessoas são capazes de irem a público, cobrar atletas profissionais, na busca de melhor desempenho e resultado por parte deles em seu campo de jogo, por que nos isentamos (ou ausentamos) de fazer o mesmo quanto à política, economia ou questões sociais?
Quanto à pergunta que originou o título do presente texto, se somos ou estamos alienados e ainda, a sua repercussão ou efeitos imediatos e a ação de terceiros sobre nós para que isto aconteça, valem alguns esclarecimentos:
1- Penso que estamos alienados e não que somos, ou seja, que é possível a qualquer momento superar esta situação e que, para tal, é preciso mais do que informação... Temos de transformar os dados que recebemos em conhecimento e, de posse destes saberes, articularmos posicionamentos e definirmos linhas de ação e reação ao que pensamos ferir direitos e prerrogativas de interesse social e, mesmo, individual.
2- A repercussão e os efeitos imediatos da alienação consistem na perpetuação de ações e práticas perniciosas, como a corrupção, pelo simples fato de que as pessoas não saem às ruas para manifestar suas opiniões, não confrontam aqueles que cometem tal sorte de delitos, não cobram das autoridades competentes medidas que solucionem tais questões... E vale dizer que, como afirmei no texto “REVOLUÇÕES A PARTIR DO MUNDO VIRTUAL? SÓ EMULAÇÃO!!! NADA ALÉM DISTO!”, ficar reclamando ou assumindo posições a partir dos canais de comunicação da web não soluciona nenhum problema e, tampouco, incomoda corruptos...
3- Quanto à influência de terceiros no processo de alienação, vale destacar que isto acontece, de forma suave, oculta, sem que a maioria das pessoas sequer se dê conta, tanto através dos meios de comunicação de massa, como por canais constituídos e considerados vitais para a formação dos indivíduos, como a religião, a família ou a educação. Quando não há formação para a criticidade – em qual instância for – não se pode esperar compreensão real da dimensão e do universo em que estamos inseridos...
Obs.: A propósito, no que tange ao futebol, cobrar mais empenho e dedicação dos atletas é suficiente? E a parcela de responsabilidade dos dirigentes dos clubes?