Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

Educação Inclusiva no Canadá
Traduzido por Norma Araujo

Meu marido Raffath e eu já tínhamos um filho quando nosso segundo filho, Rashaad, nasceu em 1982. Eu era uma educadora treinada, com um grande interesse em educação infantil. Meu marido Raffath é médico e temos uma visão definida quanto à importância da educação. 

Rashaad teve necessidades especiais numerosas e o mundo da instrução para ele que nós encontramos como pais estava sendo recém-descoberto por nós. Decidimos, então, que Rashaad iria estudar na mesma escola que nosso filho mais velho - a escola do bairro, logo abaixo na mesma rua em que moramos. Mas não foi tão simples quanto esperávamos. 

Nossa cidadezinha tinha uma escola segregadora para estudantes com necessidades educacionais especiais. Esta escola funcionava há muito tempo e, consequentemente, os educadores locais acreditavam que nós devíamos simplesmente mandar nosso filhinho pra lá.

Entretanto, aquela não era uma opção para nós. Nunca! Nós sabíamos, sem sombra de dúvida que nosso filho teria uma vida medíocre se nós permitíssemos que aquilo acontecesse. Nós sabíamos que as crianças aprendem com outras crianças e nós queríamos que nosso filho estivesse cercado de seus pares naturais, as crianças de nossa vizinhança com quem ele brincava em nossa rua. 

Ele precisava se envolver, interagir com muitas crianças e não apenas com aqueles com limitações durante seus anos de escola. Para nós, a segregação em uma escola especial simplesmente não era algo que passasse pela nossa cabeça.

Quando Rashaad estava com 1 ano e 1 mês, nós recebemos ajuda de um Programa de Intervenção Precoce. Nós éramos pais dedicados – íamos a consultas médicas, viajávamos para o Centro Infantil de Reabilitação em Saskatoon – a umas 3 horas de distância com uma criança no assento traseiro do carro. Nós fizemos tudo o que nos foi solicitado.

Eram discussões infinitas sobre o programa de intervenção precoce, até que nós descobrimos a Associação para a Vida em Comunidade (ACL). Era uma organização de intervenção precoce de pais. 

Como nós vivíamos em Lloydminster, uma cidade que faz fronteira entre Alberta e Saskatchewan, nós não poderíamos escolher onde nós receberíamos o serviço; nós tivemos que frequentar o serviço da província onde nós morávamos. Na época, o serviço de intervenção precoce estava disponível em Saskatchewan e não em Alberta...

Foi com o apoio da ACL que nós gradualmente fizemos pressão sobre a questão da divisão da escola e para o fechamento da escola segregadora. A princípio eles concordaram. Entretanto, nós ficamos indignados quando foi tomada a decisão de construir uma escola infantil nova que servisse a TODOS OS estudantes da escola segregadora –sim – até os de 15 anos de idade. 

Haveria um "aquário" de vidro e dentro dele seriam colocados os alunos com deficiência. Esta não era a mesma visão de inclusão que eu e Raffath tínhamos em mente. Nós não estávamos sozinhos.

As famílias em nosso grupo do ACL ficaram furiosas. Algumas chegaram a se mudar para não ter seus filhos de 15/16 anos em uma escola infantil. Resumindo, Rashaad não frequentou esta nova escola e transformou-se na primeira criança em nossa cidade a receber recursos do sistema educacional a frequentar uma escola da comunidade vizinha, onde ele poderia estar em uma classe apropriada para a sua idade. 

Quando completou cinco anos mudou-se para o jardim de infância na escola infantil do bairro, a mesma que seu irmão mais velho frequentou. Quando isso aconteceu, ele se tornou a primeira criança em educação regular com a ajuda de um professor e, certamente, a primeira criança especial a estar em uma escola regular em nossa cidade.

Em seguida vieram os esforços para um programa apropriado para Rashaad. Nós descobrimos que a escola interpretou o que seria em seu melhor interesse, diferente de nós. Ao todo, foram 7 anos para nós chegarmos ao que queríamos - dos 2 até 9 anos de idade. 

Não foi fácil, pois os educadores nesse tempo eram muito relutantes para fazer algo diferente, algo que eles não conheciam. E mais, muitas pessoas na escola tinham medo de conversar conosco, na verdade por estarem receosos de pensar "fora da caixa", ou seja, de mudar os paradigmas, de mudar para um caminho novo e melhor.

Nós também tivemos que enfrentar batalhas legais. Lembrem que nós vivíamos em uma cidade na fronteira. A escola é mantida por Saskatchewan - a escola de Rashaad estava em Saskatchewan e nós somos residentes de Alberta.

Eu compartilho estes detalhes com vocês por duas razões. Primeiramente, eu quero que vocês saibam - que se estiverem tendo problemas com sua escola local ou autoridades educacionais, vocês não estão sozinhos. Muitos pais continuam enfrentando este desafio. Aqueles que têm crianças na idade de Rashaad (vinte e poucos) fizeram grandes esforços e viveram para contar a história. 

É uma história de muitas discussões, muitas situações de crise, dores de cabeça, batalhas, alguns ganhos, algumas perdas. Certamente, os dias pareceram longos e a dor de desperdiçar o tempo precioso nas vidas de nossas crianças é difícil de carregar.

Entretanto, as coisas mudaram para melhor. A Educação Inclusiva é melhor compreendida e apoiada nos dias atuais. Nós temos muitos outros exemplos de escolas que seguiram este modelo.

Há mais de 25 anos de experiências que agora são documentadas e que fizeram uma grande diferença nas vidas das milhares de crianças canadenses. Nós reconhecemos que as salas de aula e as comunidades estão repletas de diversidade, os estudiosos aprendem muitas estratégias diferentes e trazem presentes únicos e capacitação às escolas e à comunidade.

Nós temos agora uma série de pesquisas conclusivas e surpreendentes sobre o impacto positivo da educação inclusiva para crianças com deficiência. Nós sabemos também que a inclusão traz benefícios para as outras crianças, as chamadas normais, os professores, a escola e finalmente a comunidade. 

Nós sabemos, também, que a cultura escolar foi melhorada pela filosofia e pelas práticas que vieram com a educação inclusiva. As estratégias que foram desenvolvidas ao longo dos anos para nossas crianças provaram ser muito poderosas para todas as crianças também.

Se eu tivesse que oferecer um conselho da experiência em minha família, eu diria que o que nós realizamos para nosso filho está ligado diretamente à força, ao conhecimento e à pratica que nós ganhamos de ser membros da Associação para a Vida em Comunidade, no nível local, provincial e nacional. 

Trabalhar com outros pais e famílias, com os voluntários, a equipe de funcionários e os profissionais que trabalham conosco, fez toda a diferença para nossa família.

Com nossa visão compartilhada e a sustentação que nós recebemos, meu filho foi incluído durante toda a sua vida escolar - na escola infantil, na escola fundamental e no ensino médio; no treinamento pós-secundário e na faculdade; e agora em um emprego onde ele está trabalhando e seguindo seu caminho.

Contudo, o que nós realizamos ainda não é o bastante!

Nós ainda ouvimos sobre crianças que enfrentam a exclusão e a segregação no sistema de educação do Canadá. Nossas crianças continuam a sofrer por causa do pensamento limitado das equipes de funcionários e pelos diretores das escolas em muitos lugares. As práticas retrógradas e as ideias arcaicas continuam a ser usadas em nossas escolas.

É desnecessário e vergonhoso que isto esteja acontecendo nos dias de hoje. Há poucas desculpas que expliquem o motivo de uma escola escolher segregar crianças por que têm necessidades de aprendizagem distintas.

Às vezes a questão financeira é usada como desculpa. Nós sabemos também que a dificuldade é devido à falta de treinamento para professores e os dirigentes da escola. É também o resultado de uma visão linear e da falta de oportunidade de aprender o conhecimento disponível das pesquisas. 

Pode também estar ligado ao foco para levantar padrões e ver que as crianças melhoram em testes. Em alguns casos as crianças com desafios de aprendizagem são vistas como um obstáculo neste esforço.

Mas, sejamos honestos. Pode também ser apenas discriminação. Crianças com dificuldades de aprendizagem, particularmente aquelas com deficiências intelectuais e deficiências múltiplas, não têm seus direitos de igualdade respeitados em nossas escolas.

O que nós precisamos para fazer a diferença?

Nós precisamos trazer o conhecimento crítico e os recursos especializados para mudar o sistema. Nós necessitamos desenvolver e usar a pressão política e legal em todos os níveis. E como famílias, nós precisamos trabalhar juntos através de grupos de pais e coletivamente com muitas de nossas associações. 

Muitas delas desenvolveram o know-how para trabalhar com o sistema de educação. Com o ACL ou através de outras famílias nós temos as informações e as estratégias para caminharmos para frente. Os pais não precisam esforçar-se sozinhos pela educação inclusiva. Nós devemos estar juntos e, dessa forma, ninguém será obrigado a escolher outra coisa a não ser a inclusão plena na escola.

A segregação na escola simplesmente não é aceitável e não é só arcaico, como está errado e é perigoso para o futuro da criança. A inclusão social é vital para as crianças com necessidades especiais e eles precisam interagir com colegas para ter um bom desenvolvimento. Ignorar a pesquisa que nós necessitamos para promover a diversidade que existe em nossas comunidades é negar a possibilidade de nossas crianças serem tratadas com humanidade.

O Canadá é conhecido como um pioneiro na educação inclusiva e como um líder em pensar inclusivo, em direitos humanos e em fazer o que é justo para nossas crianças com necessidades diferentes. Entretanto, nós precisamos fazer mais e melhor, não somente para nossa própria causa, mas para ajustar um modelo digno para outros países.

Muitos países em desenvolvimento estão ajustando suas políticas públicas para a implementação da "educação para todos". Eles estão olhando para países como o Canadá para servir de exemplo de como seguir adiante. A inclusão para crianças com necessidades especiais precisa ser um componente essencial destes esforços.

Em 30 de marco de 2007 o Canadá foi um dos mais de 80 países que assinaram a Convenção das Nações Unidas para os direitos das pessoas com deficiência em Nova York. A seção 24 da Convenção apresenta uma base forte e clara para a educação inclusiva em nosso país. 

Nosso governo nacional e provincial deve agora ser desafiado a cumprir a promessa e viabilizar a inclusão em cada comunidade e jurisdição no país. Nós devemos criar a consciência e a compreensão do que é justo, direito e correto para nossas crianças.

Finalmente o processo legal e os tribunais estão disponíveis para nos assistir em nossos esforços para a igualdade e inclusão de nossas crianças. As mudanças na lei são importantes para que as coisas aconteçam. Entretanto, em alguns momentos nos não temos escolha e precisaremos usar os tribunais e os órgãos de direitos humanos para defender a nossa causa.

Famílias trabalhando juntas podem trazer a visão da diversidade e da inclusão a todos os lugares em que vivemos no Canadá e em todo o mundo. Por mais de 50 anos, foram as famílias e as comunidades que estiveram na raiz de todo o progresso. Nenhum governo criou esta mudança. Fomos nós, juntos e fortes. São as famílias que alcançaram cada canto da sociedade e da comunidade.

Nós, famílias, às vezes não nos damos crédito pela enorme influência que nós promovemos a cada dia. São as vidas inclusivas que nós construímos para nossos filhos que farão diferença e criarão impacto nas vidas de muitas outras crianças em nossas comunidades. 

Nós temos que orientar nossas comunidades para serem membros inclusivos, da mesma forma que nós orientamos nossos filhos para serem membros participantes em nossa família, nas escolas e na comunidade.

O CACL, em nossos quase 50 anos de trabalho e com a pesquisa do Instituto Roeher, tem chegado a algumas conclusões claras a respeito de como desenvolver escolas inclusivas no país. Nós trabalhamos com nossas associações provinciais e territoriais, que trabalham por sua vez com seus membros, famílias e aliados locais para orientar professores e líderes educacionais em nossas escolas.

Assim, em nível nacional, o CACL trabalha com organizações nacionais. Por exemplo, nós temos parceria em iniciativas com a Federação Canadense de Professores, a Associação Canadense de Escolas, o Conselho dos Ministros de Educação e a Associação Canadense da Educação. 

Nós temos trabalhado também na colaboração com nossas associações provinciais e territoriais, uma vez que a educação é uma responsabilidade provincial. O CACL reúne as famílias e os educadores, os responsáveis pelas decisões na educação em uma base regional.

Este Web site é um outro exemplo das numerosas formas de discussão e compartilhamento.

O CACL e suas associações provinciais e territoriais oferecem cursos de verão para famílias e educadores. Nós realizamos conferências e oficinas em cada província e território, trazendo cada vez mais novos parceiros para a discussão para provocar a mudança e compartilhar pesquisas e práticas na educação inclusiva.

Cada vez mais nós nos damos conta de que não se trata somente de influenciar para uma mudança na sala de aula ou uma escola. Nós descobrimos que no Canadá e em torno do mundo, nós devemos começar a mudar a cultura e a pedagogia da escola para criar realmente salas de aula inclusivas e para orientar assim o crescimento de nossas crianças.

A inclusão começa quando é o exemplo vem de casa, da família. Continua na infância e por muitos anos nas escolas, nos cursos de aprendizagem e no trabalho. Nossas crianças terão a oportunidade de ter seus lugares em nossas comunidades quando eles tiverem a garantia de seus lugares em nossas escolas.

Vamos seguir em frente trabalhando juntos para escolas inclusivas em cada comunidade do Canadá e do mundo.

Traduzido por Norma Araujo - Mãe de Joshua Hessler, 1 ano e seis meses-SD

Fonte: Ser Down (http://www.serdown.org.br/serdown/noticias/noticia.php?cod_noticia=116).

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