A Semana - Opiniões
10/11/2003 - Vamos brincar no museu?
Pelo resgate da infância
A Folha de São Paulo de ontem, dia 9 de novembro, publicou artigo em que noticia a criação do Museu do Brinquedo na capital paulista (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0911200318.htm). Já deram inclusive nome ao rebento que deve nascer em breve, irá se chamar Quintal da Luz, ficará numa área de 7.500 m², próximo ao Jardim da Luz, no centro de São Paulo.
Pretende-se com o surgimento desse espaço que as brincadeiras e os brinquedos simples e comuns de outrora sejam preservados, senão no cotidiano das crianças, ao menos no espaço sacramentado de um museu. Atitude mais que louvável do Ministério da Cultura e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o museu nos chama a atenção para algo que é irremediável, a mudança dos hábitos e costumes.
Olhamos saudosos para o passado em busca dos campinhos de “terrão” onde podíamos jogar bola com nossos amigos, instalado precariamente num terreno baldio, inutilizado por seus proprietários (ao menos temporariamente), onde traves de madeira desmontavam ao serem sacudidas por um potente petardo desferido por um dos “craques” de plantão.
Procuramos marcas no chão a indicar o lugar onde nossas irmãs brincavam animadamente de amarelinha ou onde jogávamos bafo (tentávamos “rapelar” a coleção de figurinhas de nossos amigos/oponentes) e pião. Empinar pipas e brincar de bonecas (ou de casinha) também eram freqüentes e animados motivos para as reuniões da criançada.
Esses tempos passaram e, infelizmente para nós, que nos divertimos muito as custas dessas brincadeiras e de muitas outras (jogo de taco, queimada, pega-pega, esconde-esconde, siga o mestre, cabra cega,...), não irão retornar.
Nesse caso a idéia de preservar todas essas práticas em um museu torna-se pertinente e nos parece muito boa. Entretanto, se olharmos para nossos filhos, sobrinhos ou mesmo netos, veremos que possuem mais brinquedos do que pudemos ter ao longo de toda a nossa infância; são reféns da babá eletrônica (a televisão) durante 3 ou 4 horas por dia; gastam uma boa parcela de seu tempo plugados na internet ou jogando em seus videogames; lêem muito pouco e, o pior, desconhecem praticamente todas as brincadeiras e muitos dos jogos que fizeram parte de nossas infâncias...
Logo que nossos filhos nasceram, minha esposa e eu, que já trabalhávamos com tecnologia na educação, decidimos que não deveríamos dar videogames a nossos filhos e, nem tampouco permitir que utilizassem computadores antes de aprenderem a brincar, a jogar jogos de tabuleiro, a montar quebra-cabeças, a pintar e desenhar, a ler histórias em quadrinhos,...
Deu certo. Nosso casal de filhos, que atualmente tem 6 e 7 anos de idade, começaram a brincar com videogames e computadores a partir dos 5 anos. Antes disso, curtiram bolas, bonecas, jogos, massinhas, pinturas, quadrinhos e tantas outras coisas importantes para estimular um crescimento saudável e criativo. Sofremos algumas “pressões” de amigos ou mesmo da mídia (TV, revistas, jornais,...) que a todo o momento bombardeavam informações e diziam que as crianças tinham que ser inseridas nesse universo “internético” o quanto antes possível.
Resistimos bravamente. Tenho orgulho em dizer que nossos filhos gostam de brincar. Apreciam jogar bola ou montar quebra-cabeças. Ensinam alguns coleguinhas a brincar de casinha ou criar histórias em que seus personagens (bonecos em miniatura) enfrentam dragões, apostam corridas, fazem viagens espaciais ou voltam no tempo e encontram os dinossauros.
Culpamos constantemente o progresso, o crescimento das cidades, a quantidade de compromissos e projetos com os quais nos envolvemos, a falta de tempo e tantas outras coisas (meras justificativas) para explicar por que nossas crianças desaprenderam a brincar. Esperamos que a escola, muitas vezes, possa suprir nossa ausência e falta de paciência para brincar com nossos filhos, sobrinhos, netos...
Esquecemos como foi bom ser criança e poder brincar. Perdemos em algum lugar do caminho o espírito de Peter Pan. Deixamos de ser crianças para atender a demanda acelerada de reuniões, consultas, aulas, vendas e tantos outros compromissos. Temos menos filhos por que eles atrapalham o desenvolvimento de nossas carreiras (a coluna de Gilberto Dimenstein, publicada também na Folha de ontem fala sobre “A geração dos filhos únicos”, vale a pena conferir)...
O que nos restará depois de toda essa correria?
Já temos que conviver com um enorme stress diariamente. São comuns e constantes as dores de cabeça, as úlceras, os problemas de coluna,...
Quem sabe depois de aposentados possamos dar algum tempo a nossos filhos. Resta saber se eles estarão interessados em aprender todas essas brincadeiras depois de terem completado 18 ou 21 anos...
Que memórias teremos do tempo em que nossas crianças tinham menos de 10 anos de idade? Sentaremos com eles e lembraremos os mais “transados” jogos de videogame? Falaremos sobre os seriados e desenhos da televisão? Lembraremos de toda a diversão de navegar na internet? Que brincadeiras iremos resgatar? Quanto tempo teremos perdido? Quantas oportunidades teremos desperdiçado?
Bato palmas para o projeto do Museu do Brinquedo, mas ele me faz lembrar de uma lição importante contida no desenho animado “Toy Story 2”. Um dos brinquedos, o cowboy Woody, é roubado por um vendedor de brinquedos antigos e vai ser mandado para um museu de brinquedos no Japão. Ele faz parte de uma coleção e, como peça mais importante, era fundamental para que a venda do conjunto se efetivasse.
Numa determinada passagem do diálogo entre o cowboy de brinquedo e os outros bonecos dessa coleção, ele diz que o mais importante é fazer a alegria de alguma criança. Muito mais que ficar atrás de uma vitrine, sendo admirado a distância por milhares de pessoas, o fundamental é que as crianças possam brincar com seus brinquedos...
O primordial, portanto, é que voltemos a pular amarelinha, jogar bola, brincar de pião, jogar jogos de tabuleiros, empinar pipa, brincar de bonecas, criar os mais malucos seres com massinhas ou desenhar e pintar. O essencial é que nossas crianças reaprendam a brincar (para que isso aconteça é necessário que nós, adultos, façamos nossa parte e possamos ensinar-lhes), e não só viajem na internet, assistam tv ou joguem videogames. Não gostaria de pensar que meus netos descobrirão as brincadeiras ao visitarem o Museu do Brinquedo sem jamais terem brincado...