Cinema na Educação
Casa de Máquinas
Porta Curtas Petrobras - Direção de Daniel Herthel e Maria Leite
Relógios suíços... É... a vida por vezes parece repetir a lógica daqueles que são considerados os melhores instrumentos de leitura do tempo criados pelos homens... Há um ritmo, uma constância, a permanência e a infindável repetição de movimentos. Acontece uma irritante perfeição de movimentos, consonantes e mecânicos que nos fazem articulados e desarticulados ao mesmo tempo...
Articulados porquanto sejamos capazes de realizar, com maestria, as mesmas ações por tempo infindável... sem que nem ao menos percebamos isso, continuamos como as engrenagens do melhor relógio suíço...
Desarticulados, por outro lado, como seres humanos sem alma, consciência ou ideologia definida, nos enrolamos em bandeiras ou defendemos causas sem que tenhamos real clareza quanto a quais interesses ou ideias se escondem por trás daquilo que é aparente, do que está no palco, aos olhos de todos...
E a Casa de Máquinas cada vez mais se expande e se transforma em articulação desarticuladora em nível global. Mais e mais seres humanos se transformam em engrenagens de formas praticamente perfeitas, que se encaixam num vai e vem constante, movendo o mundo e gerando resultados que, afinal, é o que interessa mesmo (ao menos é o que cada vez mais se define como verdade).
E assim acontece com o movimento repetitivo do operário, com a dança harmoniosa da bailarina, com as palavras tão (aparentemente) cheias de sabedoria dos professores, com as jogadas perfeitas dos atletas mais que perfeitos...
E quando alguma peça quebra ou a corda estoura, surge o desequilíbrio e o relógio para, é o caos... O tempo congela... A produção cessa... Os resultados ficam comprometidos... A peça defeituosa precisa de reposição... E aquela com problemas é encostada, esquecida, substituída e cai num ostracismo sem igual... Nem é preciso estragar, basta tornar-se velha ou desgastada demais pelo movimento dos ponteiros do relógio...
E aqueles que se levantam e erguem a voz, para contestar... São os loucos de plantão... E a loucura desmedida não pode imperar jamais, portanto, a eles cabe um único fim, o manicômio, a casa de insanos, separada por muros altos da normalidade que impera na Casa de Máquinas, totalmente articulada, perfeita como um relógio suíço, daqueles tão bons que custam tanto que não cabem no bolso de quem os produz...
“Casa de Máquinas”, curta-metragem de Maria Leite e Daniel Herthel, de forma poética, consonate com uma sonoridade que dá bem o ritmo articulado daquilo que é mecânico, resgata em breves minutos a sagacidade e ainteligência do inesquecível “Tempos Modernos” do genial Charles Chaplin.
Provoca e estimula, busca contrapor-se de forma nem um pouco convencional à própria “Casa de Máquinas”, em que o mundo globalizado se tornou. Busca os loucos que preferem viver a desarticulação e a insanidade a se submeterem a uma sociedade doentia de tão perfeita, harmoniosa e articulada e dissimulada, falsa e fria... Desumanizada...
Por João Luís de Almeida Machado, que cada vez mais se sente insano, deslocado e desarticulado, mas com alma, consciência e ideologia definida... Nem um pouco engrenagem que alimenta a tal Casa de Máquinas...