Reflexão sobre o estudo do Promotor no caso de pedido de aborto de Anencéfalo
Patrícia Karst Caminha
É
precioso refletir profundamente sobre os aspectos da vida humana e ter
muito cuidado em julgamentos: não se deve ficar na
superficialidade de temas tão caros a toda vida.
A vida segue e nela vamos depurando, melhorando o nosso viver, as
nossas relações.
Relações com as coisas, mas muito, muito mais com
nossos companheiros de viver.
Pelo menos é o que poderia/deveria ser. Inclusive por
direito. Depurar relações e objetos
necessários ao nosso viver, mas não
"raças".
Ainda é preciso aprender a conviver com quem é
considerado diferente (o que varia muito de acordo com o ponto de
vista) nas ruas, nas escolas, nos transportes, nos cinemas, nos
fóruns...
Estamos por entrar num novo ano e estamos em início de
caminho...
Como na questão de inclusão em que, por exemplo,
algumas instituições posam de vítimas
sendo que outras já entenderam sua grande
contribuição e passam a oferecer o suporte
adequado - ensino escolar é responsabilidade da escola.
Permito-me achar graça: ensino escolar é na
escola, transporte inclusivo é responsabilidade de
secretarias/departamentos de transportes, tratamento médico
em ambientes próprios da saúde e de acordo com a
especificidade, melhoria em ambiente/condições de
trabalho e salário discutidos com companheiros em sindicato
e/ou foro privilegiado e direto com o chefe...
Acho graça porque, ainda, quando se fala em
Inclusão da pessoa com deficiência na escola comum
de ensino, querem discutir tudo isso no mesmo momento.
Em vários exemplos, em nome do "avanço", querem
concentrar tudo (transporte, saúde, ensino) em departamentos
"especiais" com a desculpa de que fica mais fácil...
De que o atendimento será melhor... Mais fácil
é toda a sociedade se adequar, é fácil
sim, porque a gente vê coisas sendo feitas, que têm
um custo e que poderiam ser feitas de outra maneira, com os mesmos
custos e esforços. Mas não, esperam
alguém reclamar. Aí se fala que as pessoas
só reclamam.
É cada um aprender de que o "normal" é termos,
por exemplo, guias das calçadas rebaixadas não
porque mandaram que fosse assim ou porque é centro de
cidade, ou porque é frente de hospital etc., mas porque a
cidade toda é de cidadãos que podem ser idosos,
gestantes, crianças, pessoas que se locomovem com cadeiras
de rodas temporariamente ou permanentemente.
Pessoas praticam a eugenia sim, diariamente, em atitudes e pensamentos,
conscientemente ou não - não interessa, praticam.
E quando leem o que quer dizer ficam horrorizadas.
Gosto muito quando vejo pessoas, principalmente do meio
jurídico, se posicionando com tanta propriedade, com estudo,
sem distorções.
Melhor, identificando-as. Vou amar quando observar uma sociedade que
acolhe não porque vai sair bonito na foto, mas porque
é direito, porque é assim, porque é
simplesmente.
Estou morando temporariamente numa cidade da Austrália.
Aqui o café é caro não pra chuchu,
porque ainda não vi chuchu aqui pra comprar e se tivesse
também seria caro, ainda não encontrei
feijão in natura, não tem feijoada, pra comer
peixe com cerveja na praia só levando a cerveja, a
direção do carro e a mão das ruas
são do outro lado, as pessoas são bastante
receptivas, mas também tem muita gente sem
paciência...
Mas a questão de acessibilidade me deixa com
lágrimas nos olhos.
Como já andei em quase toda a cidade, inclusive periferia
posso afirmar que todas as esquinas têm guias rebaixadas,
todos os faróis são sonoros, todas as
estações de trem têm botão
para avisos falados, todo o transporte público tem
vários acentos e facilidade para entrar, todo
edifício tem rampa.
A gente vê frequentemente pessoas como se diz, com paralisia
cerebral, em cadeiras de rodas motorizadas em lojas, no shopping, na
praia. A praia!
Na praia tem piscina com rampa, mas uma rampa muito ampla, bem feita,
não um pré-projeto... Bom, pelo menos eu
não tinha visto ainda...
Não afirmo que é perfeito, não somente
porque não existe perfeição, mas
também porque a gente encontra gente mal-educada, problemas
políticos, direitos sendo defendidos... Muita gente boa,
como em qualquer país se encontra.
Patrícia
Karst Caminha é
Professora.
Fonte:
http://br.groups.yahoo.com/group/novidadesdodia/message/1473