Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Nós e o Google
Repensando nossa relação com o site mais influente do mundo

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Primeiro Ato: Virtual x Real

Deu na imprensa em maio de 2009: “Chefe do Google diz a jovens para saírem do virtual e viverem o mundo real". Delírio? Arrependimento? Surto de Consciência? Afinal de contas, o que Eric Schmidt, o CEO da Google, um dos mais importantes nomes do segmento de tecnologia no mundo de hoje queria dizer com esta afirmação?

Se olharmos um pouco mais para trás no tempo, veremos que outros importantes nomes relacionados às Tecnologias de Informação e Comunicação já haviam expressado semelhante raciocínio. O mais notório deles foi, sem dúvida alguma, Bill Gates, que além de já ter destacado esta necessidade observada por Schmidt, sempre foi categórico com seus filhos quanto à necessidade de se "desplugarem" dos computadores e viverem um pouco daquilo que há fora dos limites, aparentemente, tão amplos da web.

Parta do seguinte princípio quando refletir sobre a afirmação de Schmidt ou relembrar Gates: Tudo o que há no virtual descende daquilo que através do contato sensorial (físico, a saber: visual, auditivo, olfativo, através do tato ou ainda do paladar) com a natureza nos permite perceber, tentar compreender, decodificar, criar imagens que ficam em nossos cérebros, definir, utilizar...

Se compreendermos isto, perceberemos que, a médio ou longo prazo, da forma como as coisas estão indo, logo seremos incapazes de renovar o mundo virtual porque não teremos novas referências do mundo real. Estaremos apenas reproduzindo ou relendo aquilo que já conhecemos ou sabemos. Não existirão novas matérias-primas que criem condições para a construção não só do virtual, mas também do real.

Falaremos apenas daquilo que já existe na rede, ainda que multiplicado por milhões ou bilhões de cabeças pensantes, restritos estaremos pelo simples fato de que não há alimento novo sendo colocado em nossos pratos, diante de nossos sentidos...

Temos que colocar a mochila nas costas, encher o pneu das bikes, abrir novas trilhas, conhecer pessoas, conversar sobre o que lemos, assistir novos filmes, jogar bola com amigos, namorar, ir à praia ou à montanha, experimentar um novo alimento, descobrir culturas que ainda desconhecemos, lavar o rosto com a água gélida de um lago à beira do caminho...

E não falo aqui de um sonho ou de um ideal. Trago a tona as palavras de Schmidt para deixar claro que, entre os manda-chuvas da indústria de tecnologia, já há clareza quanto ao fato de que estamos nos limitando se ficarmos somente ligados à internet. A despeito de interesses próprios, ligados à necessidade de renovação da própria web com novos conteúdos, ideias, recursos e matérias-primas, como a princípio nos é permitido pensar ser o alvo do CEO da Google com estes dizeres, há muito mais além disto...

Talvez ainda resida um sonhador, um poeta, um filósofo ou uma criança por debaixo do executivo poderoso e milionário... E que a partir deste menino ou artista, Schmidt tenha percebido que se nós nos ativermos somente aos computadores estaremos matando o que há de mais precioso em todos nós, a nossa humanidade. Quem sabe Schmidt (e antes dele Gates) não estava protagonizando o papel de Morfeu e nos oferecendo a pílula vermelha...

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Segundo Ato: Inteligência Artificial

“Eric Schmidt disse que o produto supremo da companhia [Google], aquele que ele ‘sempre quis fabricar’, não esperaria para responder suas perguntas; ele ‘me diria o que digitar’. Em outras palavras, ele daria uma resposta sem ouvir a pergunta. O produto seria uma inteligência artificial. Poderia ser até, citando Sergey Brin mais uma vez, ‘um cérebro artificial mais inteligente que o nosso’.” [A Grande Mudança – Reconectando o mundo, de Thomas Edison ao Google. Livro de Nicholas Carr. Publicado no Brasil pela Landscape]

Você se lembra de Hal, o computador que endoidece e tenta matar os astronautas na obra-prima de Stanley Kubrick, “2001, Uma Odisseia no Espaço”? Ou ainda, quem consegue esquecer “A. I. – Inteligência Artifical”, filme feito por Steven Spielberg? Bem, o que parecia ser algo distante de nós está sendo pensado pelo Google e por outras companhias da área de Tecnologia como o futuro. A ideia é criar algo tão grandioso que seja capaz de prever o que queremos, pensamos, desejamos... E isto, de certa forma, já está acontecendo… na Web…

Sempre que você deixa algum rastro [na internet], isto está sendo utilizado para alimentar um supercomputador como uma informação sobre você, para ser usada na web e em outros mundos, inclusive no real. Todos os sites que você visita e, ao passar por eles, deixa comentários, informações pessoais ou ainda compra produtos estão sendo utilizados neste exato momento para fazer com que outras pessoas, em qualquer lugar do mundo, descubram quem você é, onde vive, seu trabalho e profissão, os gostos que tem, esportes que pratica, filmes que ama ou odeia, músicas instaladas em seu computador...

Esse gigantesco supercomputador, que é responsável por um cada vez maior uso de energia em todas as partes do mundo, está fazendo com que percamos completamente nossa privacidade [entre outras coisas...]. O mais impressionante nisso é que nós nem estamos prestando atenção ao fato ou, ainda, que bilhões de usuários de computadores do mundo inteiro nem mesmo imaginam que essa apropriação indébita está ocorrendo... Nós devemos abrir os nossos olhos o máximo que pudermos, somente para lembrar outro filme de Stanley Kubrick...

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Terceiro Ato: Inteligentes ou idiotas?

"Nos últimos anos eu tive uma sensação desconfortável de que alguém, ou algo assim, dilapidou o meu cérebro, fez um remapeamento dos circuitos neurais, a reprogramação da memória. Minha mente não está parando, pode-se dizer, mas está mudando. eu não estou pensando da maneira como costumava pensar. Posso sentir isso mais fortemente quando eu estou lendo. Debulhar um livro ou um vasto artigo costumava ser fácil. Minha mente se concentraria na narrativa ou nas voltas do argumento e eu passaria horas passeando por longos trechos de prosa. Esse caso é cada vez mais raro. Agora a minha concentração começa a dissipar-se após duas ou três páginas. Eu fico nervoso, perco o fio da meada, começo a procurar algo mais para fazer. Eu me sinto como se eu estivesse exausto, sempre arrastando o meu cérebro de volta ao texto. A leitura profunda que costumava vir naturalmente tornou-se uma luta." [Is Google making us stupid? Artigo de Nicholas Carr. Publicado pela Atlantic Monthly. Agosto /Setembro 2008] 

Eu me sinto da mesma maneira. Nicholas Carr descreve algo que está se espalhando por todo o mundo. Aqui no Brasil, por exemplo, está tudo indo na mesma direção. As pessoas leem menos livros, jornais ou revistas. Artigos científicos são lidos apenas até o ponto que interessa. Mais e mais daquilo que lemos chega a partir da web. Algumas pesquisas no Google e muita gente pensa que o trabalho já está feito. E, ainda assim, estamos trilhando apenas metade do caminho que nós devíamos percorrer... A maioria das pessoas simplesmente lê alguns parágrafos ou linhas e pensa já ter em mãos todas as informações que precisavam... 

Além do que prevalece uma constante troca de páginas da web. Claro que este ir e vir na web é bastante rápido. As pessoas não gastam mais do que um, dois ou três minutos em uma página da web. 

As implicações afetam não só os textos escritos... A ascensão do YouTube e similares está fazendo nosso cérebro se habituar a vídeos curtos. A paciência de assistir a um filme de duas horas de duração é cada vez menor... Esta é igualmente uma grande preocupação porque, afinal, um filme não deve ser apenas uma possibilidade de crescimento cultural, mas em primeira mão é um entretenimento... Se não estivermos dispostos a desfrutar de algo tão popular e divertido, como um filme, o que é que vai acontecer com atividades como a leitura, ouvir música, ir ao teatro e assim por diante? Como é que a nossa relação com todos esses elementos culturais vai ser construída, num futuro muito próximo? 

No tocante a pergunta de Carr, em seu artigo, devo dizer que como primeira consequência quanto ao uso excessivo do Google e de outros recursos da internet, estamos ficando mais preguiçosos que nunca. Mas assim como ele acredita nisso como um fato que está ocorrendo nesse exato momento, com as pessoas se tornarndo mais idiotas, eu penso que isso se configura em base diária, construído dia após dia e que terá maiores consequências nos anos vindouros, quando as gerações nascidas depois do boom da internet se tornarem maioria no mercado de trabalho...

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