A Semana - Opiniões
22/9/2003 - Ler e Escrever...
E as taxas de Evasão e Reprovação continuam altas...
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Um exame rápido das manchetes publicadas
pela Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/)
e uma comparação desses dados com
as tabelas de produtividade do Fluxo Escolar
dos Ensinos Fundamental e Médio entre
os anos de 1995 e 2000 (disponíveis no
site do INEP, www.inep.gov.br)
nos colocam diante de um dilema: Mesmo com todos
os investimentos e reformas promovidas no sistema
educacional ao longo dos últimos anos
de governo, as taxas de reprovação
continuam elevadas, assim como as de evasão
escolar. O que mais precisa ser feito para que
possamos superar as persistentes mazelas que
corroem a formação educacional
de nossas crianças e jovens?
- Os artigos publicados pela Folha de São
Paulo destacam justamente o crescimento das taxas
de reprovação no país ("Repetência
volta a crescer no Ensino Médio no país"),
a dúvida quanto à eficácia
do sistema de ciclos ("Escolas que adotam
os ciclos no Brasil são minoria"),
a insatisfação da clientela servida
pelas redes que adotam o sistema de ciclos nos
estados de São Paulo e Minas Gerais ("Mães
criticam formação insuficiente")
e o aumento da evasão escolar ("Evasão
escolar aumenta em quatro anos").
- Coincidentemente, o crítico da Revista Veja, Diogo Mainardi, aborda a questão da qualidade da educação no Brasil no artigo "Escola é perda de tempo". Destaca que, de acordo com os dados do governo, "...60% dos alunos da 4ª série não sabem ler nem efetuar as quatro operações"; critica o governo em sua pretensão de erradicar o analfabetismo oferecendo cursos de 6 meses; e arremata dizendo que os problemas avolumam-se em virtude da política governamental, do despreparo dos professores e da pretensão de nossos educadores ao propor um currículo tão extenso quanto o que possuímos.
- Na mesma edição da revista Veja (ed. 1821, nº 38, de 24 de Setembro de 2003), há uma matéria importante relacionada aos problemas que vivemos na educação. Intitulada "O endereço é que está errado", trata da dificuldade existente no Brasil de direcionar os recursos coletados através da captação de impostos (uma das mais altas cargas tributárias do mundo) para as pessoas que mais precisam desses recursos, aqueles que possuem renda per capita inferior a 100 reais mensais.
- Apesar dos evidentes aumentos de investimentos na área social perpetrados pela administração de Fernando Henrique Cardoso e, da preocupação com os pobres que norteia os trabalhos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, é necessário que o uso do dinheiro público seja feito de forma racionalizada, destinando mais a quem mais necessita.
- Isso significa, no que se refere à educação, um investimento numa sólida e bem edificada alfabetização, calcada em fórmulas bem sucedidas das melhores escolas de nosso país e em propostas educacionais aplicadas em nações estrangeiras que estejam desenvolvendo respostas adequadas e eficientes aos dilemas do 3º milênio.
- Pode-se argumentar que as reformas promovidas na educação nos anos passados tinham essa intenção e conseguiram reverter resultados negativos e, ao mesmo tempo, permitir ao Brasil um notável progresso na área educacional que veio a ser reconhecido internacionalmente com prêmios e láureas da própria Organização das Nações Unidas (ONU).
- Com certeza afirmações serão feitas de que já estamos estudando os casos bem-sucedidos das melhores escolas brasileiras e que, a vanguarda da educação mundial (Perrenoud, Coll, Emília Ferrero,...) já é estudada por nossos professores e tema de congressos, cursos, graduações e pós-graduações...
- Há de se dizer que as condições materiais das escolas têm melhorado, mesmo que ainda distantes das condições ideais; que o salário dos professores melhorou (ainda que os educadores não percebam isso claramente, ao menos como os governos desejam); que os cursos de atualização são cada vez mais freqüentes para todos aqueles que trabalham com educação,...
- Sem dúvida que todas essas ponderações são válidas e refletem muito do que tem acontecido em nosso país. Entretanto, ainda estamos distantes daquilo que esperávamos ter atingido depois de mais de 8 anos de estudos, investimentos e transformações na educação. É nesse ponto que passamos a ficar preocupados e temos que, necessariamente, rever posturas e práticas.
Em livro publicado pela
Editora Brasiliense na década de 1980,
Paulo Freire e outros educadores já demonstravam
suas
preocupações quanto aos investimentos
públicos na educação.
- O endereçamento do dinheiro público destinado aos projetos de caráter social é um dos mais prementes ajustes a serem feitos. Medidas como a que será tomada pelo governo Lula nos próximos dias, fundindo no Bolsa-Família os recursos destinados a alimentação, a compra de gás e a educação, permitindo a chegada desses recursos de uma só vez para as famílias pobres pode ser uma boa resposta.
- Por outro lado, tentar erradicar o analfabetismo a um custo mensal de R$ 15,00 não parece política das mais sérias. O mais irônico é saber que para o projeto de alfabetização o governo destinou 95 milhões de reais enquanto para as linhas de crédito para a compra de eletrodomésticos da "linha branca" foram liberados mais de 200 milhões...
- Talvez seja hora de colocar os planos e projetos em prática. Quem sabe tenhamos que, nesse momento, tornar todos os ensinamentos, cursos, planejamentos, investimentos e estratégias aprendidas nos últimos anos em ações que revertam em benefícios reais. Em educação isso significaria, simplesmente, evitar que nossos alunos cheguem a 4ª ou 5ª séries do Ensino Fundamental, sem saber ler ou escrever...
- E, mais que isso, que esse ler ou escrever, não se limite a um mero reconhecimento das palavras; que lhes permita entender o que é evasão, repetência, ciclos; que lhes possibilite questionar onde é aplicado o dinheiro público e participar sua opinião a respeito quanto a como e onde deve ser investido; que lhes dê a condições de viver com dignidade e ter chances reais de se suster sem depender da malha de proteção social do governo...