A Semana - Opiniões
8/9/2003 - Juventude Extraviada...
O Perfil da Juventude Paulistana (Um retrato do Brasil)
Há algumas semanas atrás, para ser mais preciso no dia 24 de Agosto, a Folha de São Paulo publicou em sua Revista da Folha, uma matéria intitulada "O Mapa da Juventude" através da qual procurava traçar um perfil da juventude paulistana¹. Esse trabalho foi feito a partir de uma pesquisa da Coordenadoria da Juventude e desenvolvido pelo Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea); foram percorridos os bairros da capital paulista e feitos levantamentos nas escolas, nas áreas de lazer e em casas de família; as perguntas padronizadas foram feitas para jovens de 15 a 24 anos, de ambos os sexos; a base para o levantamento foi o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU (Organização das Nações Unidas) e tinha como objetivo perceber as condições de vida da juventude paulistana quanto aos quesitos escolaridade, trabalho, inclusão digital, hábitos de lazer e situação familiar.
Os resultados?
Auferidos todos os dados, foi constatado que apenas 1/3 dos jovens seriam "aprovados". Mesmo assim, a maioria desses felizardos teria passado "na casca" ou "raspando". Ser aprovado significaria ter educação de boa qualidade, praticar esportes com uma certa regularidade, poder ir ao cinema com alguma freqüência, ler livros, interagir com outros jovens e com adultos, ter acesso a áreas de lazer, não sofrer os efeitos da violência, e por aí afora. Na prática significa ter acesso a direitos consagrados internacionalmente desde a Revolução Francesa e, aperfeiçoados muito mais recentemente, com o advento da Declaração dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas.
E o que constatamos com essa "aprovação" ínfima ou com essa reprovação em massa?
Se estivéssemos numa sala de aula, com certeza seriam feitos muitos questionamentos quanto ao trabalho dos professores ou em relação à metodologia aplicada. Uma das alternativas viáveis para resolver o problema (adotada por algumas Secretarias de Educação) seria criar um mecanismo de "aprovação automática" ou "progressão continuada"².
Isso serviria, sem sombra de dúvidas, para evitar a evasão e a repetência em níveis elevados, o que permitiria aos políticos apresentarem índices satisfatórios de eficiência na educação em sua prestação de contas a sociedade (e que poderiam garantir, posteriormente, bons resultados nas urnas).
Que garantias teríamos, entretanto, de que nossos alunos estariam (verdadeiramente) aprendendo alguma coisa?
Há vários registros de estudantes que concluíram o ensino fundamental com enormes dificuldades para se expressar corretamente, para escrever um texto, ler com fluência e plena compreensão ou fazer cálculos elementares.
E o que ocorre com nossa juventude quando os planos para a educação, a cultura, o lazer e os esportes tem como finalidade real apenas garantir aos políticos uma aprovação popular e não, verdadeiramente, permitir aos adolescentes e jovens que tenham a possibilidade de aprender, interagir, preparar-se adequadamente para o mundo adulto, educar-se para uma profissão, exercer sua cidadania (conhecer seus direitos e deveres), partilhar experiências, trabalhar em grupos,...
Tudo indica, em situações como aquelas descritas na reportagem, que estamos tentando matar a sede de uma pessoa dando a ela água salgada. Ou ainda que nossos doentes sofrem de uma moléstia aguda e tentamos socorrê-los com aspirinas...
As reclamações dos jovens e o cruzamento dos dados permitiram aos pesquisadores perceber que as políticas sociais não tem sido efetivas na sua disposição de permitir ao jovem uma integração tranqüila, gradativa e plena a sociedade (e mais especificamente ao mercado de trabalho).
Se prestarmos atenção nos indicadores resultantes da pesquisa com os jovens, perceberemos que um dos maiores problemas indicados pelos entrevistados foi a violência³ e que, além disso, as escolas em que estudam estão, em muitos casos, sucateadas; a qualidade do trabalho desenvolvido não atende as expectativas por conta da falta de atualização dos professores a partir de novos cursos; os investimentos em projetos esportivos são praticamente nulos; não existem oficinas culturais (artesanato, artes plásticas, música, teatro),...
Tudo, talvez pudesse ser evitado se existissem atividades programadas para as áreas da educação, cultura, lazer e esportes, nas quais esses jovens participassem e nas quais se envolvessem.
E que tipo de atividades?
Apesar de parecer tão simples, de ser uma resposta certamente banalizada, o ideal é que fossem feitos investimentos efetivos em escolinhas de esporte, oficinas culturais, grupos de teatro amador, ateliês de artes plásticas, aulas de artesanato, escolas de música e muitas outras, a serem pensadas ou mesmo copiadas de projetos bem-sucedidos, desenvolvidos em algumas cidades e estados, pela iniciativa privada (ONGs, Associações de Amigos de Bairros, Igrejas, Escolas,...) ou pelos governos estaduais e municipais.
Se funciona?
Tive a oportunidade de ler, na revista Veja dessa semana, um artigo escrito ("Itabirito não tem Fome Zero") pelo economista Cláudio Moura Castro sobre a cidade mineira de Itabirito4. Trata-se de um relato sobre os fatores que permitiram a essa pequena cidade ter um alto Índice de Desenvolvimento Humano, coincidentemente, as causas desse sucesso...
¹ A reportagem da Revista da Folha, de 24 de Agosto de 2003, pode ser encontrada no link http://www1.folha.uol.com.br/revista/inde24082003.shl.
² Sobre a aprovação automática ou progressão continuada dê uma olhada na reportagem da revista Educação, no link http://www.revistaeducacao.com.br/apresenta2.php?pag_id=169&edicao=41.
³ Quanto a violência, leia matéria da revista Educação disponível no link http://www.revistaeducacao.com.br/apresenta2.php?pag_id=422&edicao=266.
4 Disponível no site da Revista Veja, no link http://veja.abril.com.br/100903/ponto_de_vista.html, somente para pessoas cadastradas.