Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Pobres professores...
Quem são as pessoas que ensinam no Brasil?

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Que futuro tem um país no qual não há educação de qualidade? Não basta mais apenas oferecer às crianças e adolescentes o acesso às escolas. Isso é de conhecimento geral. A ampliação da oferta de vagas que permitiu ao Brasil ter aproximadamente 98% de suas crianças na escola é uma conquista de considerável dimensão, ainda mais se levarmos em conta o tamanho do país, mas é apenas o primeiro passo...

Educação de qualidade, o essencial caminho a ser trilhado rumo a uma sociedade mais justa, harmoniosa e digna – na qual as oportunidades existam para todos – é o principal desafio para o Brasil. Sua efetivação carece, no entanto, de investimentos que garantam planos e ações em todas as instâncias, da Educação Infantil a Universidade. Mas não são apenas investimentos que são demandados e urgentes para que cheguemos a níveis de excelência em nossas salas de aula.

Qualidade como desejamos passa também e, principalmente, por inadiáveis mudanças de comportamento e do modo de pensar e agir em educação. A questão é, certamente, cultural, além de política e econômica.

Sabemos que é política porque entendemos a necessidade de participação e vontade de reformulação da educação a partir tanto das instâncias governamentais que regulam, regulamentam, fiscalizam, orientam as ações e efetivam a prática pedagógica no cotidiano das escolas quanto da própria sociedade civil, dos alunos aos pais e a comunidade em geral.

Neste aspecto, em especial a partir das ações governamentais, ainda que muitas sejam ainda questionáveis ou polêmicas, há medidas sendo tomadas. A criação de parâmetros e instrumentos de avaliação, a definição de políticas gerais que devem nortear o ensino público (e que também orientam as ações privadas em educação), a revisão de práticas pedagógicas e a tentativa de reformulação de materiais didáticos e da própria infraestrutura das redes de ensino estaduais e municipais, entre outras ações, servem como amostragem do empenho que está sendo feito na área pelos governos em diferentes âmbitos e áreas de alcance.

A sociedade civil, por sua vez, ainda acostumada e culturalmente atrelada a práticas que a levam a cobrar as autoridades muito mais do que agir em prol de mudanças de forma mais concreta e efetiva, também ensaia passos rumo a uma presença e ação que realmente contribuam para esta melhor educação em nosso país. É ainda bastante incipiente quanto a isto a sociedade civil. A maior parte das pessoas ainda a tudo assiste - espectadora da realidade e passiva quanto ao processo - não sendo realmente ativa e reformuladora. As ações que surgem são, portanto esporádicas, dispersas e restritas quanto as suas origens, estando em muitos casos atrelada a Organizações Não Governamentais (ONGs).

Porém, as principais mudanças a serem efetivadas, aquelas que devem ser implementadas em sala de aula, ainda são as que mais tempo demoram a acontecer. Neste sentido, pesquisa divulgada recentemente pelo Ministério da Educação ajuda a compreender os motivos desta lentidão em nossas escolas ao revelar o perfil dos professores que estão em sala de aula com os alunos brasileiros.

Não que com isto queiramos atribuir responsabilidades e culpas ao professorado brasileiro, como se somente esta categoria profissional pudesse ser considerada como o grande entrave à qualidade que se espera para nossa educação. As considerações a seguir referem-se a dificuldades de percurso e erros que, infelizmente, tornam muito difícil o trabalho em educação e que, certamente, demandam mudanças tanto dos educadores quanto das autoridades que regulam e controlam as políticas públicas na área e da sociedade civil, a fiscalizar, cobrar e também participar destas ações.

De acordo com as pesquisas do MEC, por exemplo, a demanda por cursos universitários no Brasil ao longo dos últimos anos tem aumentado em todas as áreas do conhecimento e ação profissional. Cresceu a busca tanto pela graduação como pelas especializações (pós-graduação). A única exceção à regra são as graduações em Pedagogia e as licenciaturas para lecionar matemática, história, física, química, geografia, português...

Vejam, por exemplo, o que destaca o jornal “O Estado de São Paulo” quanto aos dados divulgados pelo MEC:

Em 2007, último dado disponível no Ministério da Educação (MEC), 70.507 brasileiros se formaram em cursos de licenciatura, o que representa 4,5% menos do que no ano anterior. De 2005 a 2006, a redução foi de 9,3%. E a situação é mais complicada em áreas como Letras (queda de 10%), Geografia (menos 9%) e Química (menos 7%). Em alguns Estados, faltam professores de Física, Matemática, Química e Biologia. (Menos jovens buscam cursos de licenciatura e pedagogia no país, Artigo de Márcia Vieira, para o Estadão, 31/05/09)

Este primeiro dado já é, por si só, alarmante. Contribuem para isto considerações como: salários inadequados e baixos para tão grande responsabilidade; violência nas escolas; desprestígio profissional; falta de apoio das famílias; condições inadequadas de trabalho (jornadas extensas, migração de uma escola para a outra); poucos ou inexistentes benefícios (seguro-saúde, vale-alimentação, transporte...).

Outra informação pertinente diz respeito ao fato de que o perfil sócio-econômico de quem faz pedagogia ou licenciaturas mudou nos últimos anos. Quem cursava estas especialidades nas faculdades e universidades brasileiras pertencia a substratos sociais mais robustos financeiramente (classes A e B) e passou, ao longo das duas últimas décadas, a pertencer a camadas sócio-econômicas mais carentes (classes C e D).

Este dado é importante, pois revela que o professor que está nas salas de aula do país nos dias de hoje teve muito mais dificuldades para chegar lá e, certamente, como parte das barreiras que lhes foram impostas pelas restrições financeiras, teve sempre menos recursos para investir em ações que lhe permitissem maior riqueza cultural. Estes profissionais - por carência de recursos - leram menos, não foram a cinemas ou teatros, participaram de poucos eventos culturais, não puderam frequentar museus ou exposições e, é claro, tiveram muito menos chances de viajar e conhecer outras realidades e culturas.

Se não bastassem estes dados, as salas de aula frequentadas por estes profissionais da educação nos dias de hoje têm, em média, 35 alunos. Não é um contingente tão assustador assim, podem pensar alguns, mas este número representa apenas uma média e, ainda assim, supera as quantidades mais adequadas de acordo com os especialistas, de 25 alunos por classe. Há muitas turmas de alunos com 40, 45 ou até mais estudantes reunidos. É certo que entre as unidades públicas de ensino também existem aquelas com 28, 30 ou 32 alunos, mas a quantidade ideal de estudantes preconizada pelos especialistas é uma realidade ainda distante da maioria das escolas...

Os dados reunidos pelo MEC também nos permitem saber que a formação universitária dos professores brasileiros é bastante deficiente. Muitos cursos de pedagogia e licenciatura ocorrem à noite para que a clientela possa trabalhar durante o dia. As cargas horárias são reduzidas e teóricas demais, sendo pouco comuns ações que coloquem os estudantes em contato com a realidade das escolas antes dos estágios obrigatórios nos anos finais dos cursos. A integração da tecnologia aos currículos de formações relacionadas à educação é muito mais vagarosa do que em todas as outras áreas do conhecimento...

Ainda que os dados do MEC revelem aspectos surpreendentes como o fato de que 68,4% dos professores brasileiros têm curso superior ou que 63,8% dos profissionais da área lecionam em apenas um turno, a formação deficiente e as condições pouco estimulantes e apropriadas de trabalho verificadas em nossas escolas colocam em xeque o valor agregado por estas conquistas.

De qualquer forma, tendo os dados em mãos chegamos ao título do artigo, que pode ser interpretado de diferentes maneiras, é claro, pois pode nos fazer pensar que os professores brasileiros, conforme comprovam as informações do MEC, estão mais pobres por terem menor disponibilidade de recursos; outra possibilidade refere-se ao fato de que pela formação deficiente que lhes é dada em suas graduações, estão pauperizados quanto aos instrumentos que têm em mãos para empreender a nobre e fundamental tarefa de ensinar; ou ainda, para finalizar, podemos pensar que todos estes entraves e dificuldades pelas quais passam os professores brasileiros podem fazer com que sintamos compaixão por estes profissionais e queiramos nos mostrar solidários em relação a eles, por isto, “pobres professores”...

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