A Semana - Opiniões
1/9/2003 - ENEM 2003
Investimento para o Futuro
Ontem,
31 de Agosto de 2003, foi dia de ENEM. Aproximadamente
um milhão e novecentos mil estudantes estavam
inscritos e, ao que parece, a quantidade de faltosos
foi muito reduzida. O dia não parecia dos
melhores para sair de casa, no entanto a esmagadora
maioria dos estudantes do Ensino Média não
deixou para trás o compromisso, foram aos
locais estipulados e tentaram fazer a sua parte.
A despeito das críticas que são regularmente feitas por opositores ao sistema de avaliação proposto no ENEM, ainda na gestão do ministro Paulo Renato de Souza, durante a administração do presidente Fernando Henrique Cardoso, os estudantes tem dado firmes comprovações de que o Exame Nacional do Ensino Médio veio para ficar.
Não se trata apenas de falar em termos de número de inscritos e de estudantes que compareceram. É lógico que essas estatísticas são, também, expressivas e significativas para uma compreensão contextualizada do ENEM.
Vale ressaltar, entretanto, que as avaliações realizadas regularmente, já conseguiram promover uma notável mudança na educação brasileira, particularmente nos exames de admissão para as universidades. Além de contabilizarem pontos para os alunos poderem agregar aos resultados dos vestibulares, o ENEM tem proposto, a partir de suas provas, uma reavaliação da forma como as provas de vestibulares são compostas e, necessariamente, propondo que as escolas de Ensino Médio reestruturem o seu planejamento e o seu funcionamento.
Os exercícios do ENEM não pedem ao aluno apenas que demonstre que seu conhecimento adquirido e guardado em arquivos no cérebro (conhecimento bancário; memorização), acumulado ao longo dos 3 anos do Ensino Médio (e que, de certa forma parece desprezar o trabalho de mais de uma década feito na Educação Infantil e no Ensino Fundamental); propõem que o avaliado seja obrigado a refletir a respeito das questões apresentadas utilizando-se de reminiscências relacionadas ao conteúdo trabalhado em aulas das diversas disciplinas (focando no Ensino Médio e, utilizando-se também do que foi estudado e assimilado nas etapas anteriores); além disso, faz paralelos com informações divulgadas pela mídia; pede comparações ou aproximações com contextos diferenciados; explora outras linguagens como os gráficos, as artes plásticas, músicas, histórias em quadrinhos, infográficos de revistas e jornais, etc; faz com que em suas questões seja comum e freqüente o uso de conhecimentos adquiridos em áreas diversas (matemática e geografia, literatura e biologia, física e história,...); discute temas de relevância social nas propostas de redação; enfim, procura fazer com que o estudante seja obrigado a pensar e não apenas reproduzir dados trabalhados pelos professores em sala de aula.
O mais interessante é perceber que através da prova do ENEM, o MEC (Ministério da Educação e Cultura) procura ser coerente com o que tem proposto na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação e, mais especificamente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ressalta que não devemos nos ater a considerar apenas o acúmulo ou volume de informações adquiridas pelos alunos ao longo do Ensino Médio.
Nem tampouco, espera que o aluno utilize-se do Ensino Médio como um preparatório para o vestibular e ponto final. Pelo contrário, pede a ampliação da importância dos estudos nessa etapa de formação de nossos adolescentes e jovens, para um nível de preparação para a cidadania, a ética, a capacidade de interação social, a consciência crítica e uma adaptação mais fácil ao mundo do adulto (no qual se insere, com grande importância, o mundo do trabalho).
Infográfico da Revista
Época usado na Redação do ENEM
2003.
Na prova desse ano, por exemplo, o tema da redação, relacionado à questão dos investimentos (cada vez maiores) em segurança pública, contou com a disponibilização para os estudantes, de um infográfico publicado pela revista Época (em edição de Junho de 2003); além disso, teve como elementos de argumentação e análise os comentários produzidos por uma jornalista da Folha de São Paulo (Maria Rita Kehl) e por Jurandir Freire Costa, estudioso dos efeitos que a violência urbana e a corrupção têm causado no imaginário do brasileiro, em seu texto "O Medo Social".
Os enunciados pediam, claramente que os estudantes desenvolvessem um texto "dissertativo-argumentativo" e que, se pautassem nos "conhecimentos adquiridos e (n)as reflexões feitas ao longo de sua formação". Definia ainda que os estudantes deveriam selecionar, organizar e relacionar argumentos "para defender o seu ponto de vista". Estabelecia ainda que o texto deveria ser escrito dentro das normas da língua portuguesa culta e que, não seria aceito se fosse redigido como poema ou narrativa.
Fica patente, a partir do exemplo da redação, que há uma preocupação grande do ENEM, de verificar se o aluno consegue ultrapassar os limites ínfimos definidos pela educação bancária (que se preocupa apenas com os simples acumulo de informações) e ser capaz de deduzir, criticar, analisar e compor textos enriquecidos e sustentados por boa argumentação e por uma sólida formação cultural.
Nas questões há a mesma preocupação. Vejam, por exemplo, o caso da questão de número 62, na qual é apresentada uma tira da personagem Mafalda, do cartunista argentino Quino. Faz-se necessário que o estudante analise o uso da palavra "indicador" ao longo do Cartum. Não se trata apenas de uma averiguação do sentido da palavra nos conformes da língua portuguesa (também isso), mas sua compreensão dentro do universo das idéias, especificamente, da questão social, relacionada ao desemprego.
Quadrinhos
da personagem Mafalda, do cartunista
Argentino Quino, utilizados na questão 62
do ENEM 2003.
Para responder a questão de número 51, na qual são disponibilizadas imagens da antropofagia indígena (pintura de Theodor De Bry) e de Tiradentes esquartejado (pintura de Pedro Américo), o estudante teria que perceber que as duas retratavam períodos históricos diferenciados, ser capaz de entender o significado dos termos "Selvagem" e "Civilizado", lembrar-se que a antropofagia era refutada e condenada pelos portugueses e que, esses mesmos europeus se utilizavam das punições exemplares para impedir os brasileiros de se revoltarem contra o domínio metropolitano (isso me faz lembrar que, também seria necessário sintonizar-se quanto ao Pacto Colonial). Parece pouco? Certamente que não.
O fato de trabalhar com imagens remonta a uma máxima dos tempos atuais, cuja compreensão é fundamental para os educadores, segundo a qual nossos estudantes (e a sociedade de forma generalizada também) têm uma relação muito mais intensa com as imagens do que com os textos. Isso não significa que devamos abandonar as palavras (por favor, sou totalmente contrário e advogo constantemente a necessidade da leitura como mais efetivo entre todos os meios de aprendizagem e divulgação de conhecimentos), pelo contrário, mas que devemos, por outro lado, integrar as diferentes linguagens e mídias.
Esq. (Pedro Américo - Tiradentes
esquartejado, 1893)
Dir. (Theodor de Bry - Século XVI)
Imagens
utilizadas na prova do Enem 2003 para a composição
da questão 51.
É claro que os resultados obtidos nesses primeiros anos de aplicação da prova do ENEM ainda não são aqueles que gostaríamos de ver. Diga-se de passagem, que as médias obtidas no ano passado mostraram uma queda de rendimento geral. O que se espera é que, o aperfeiçoamento do Exame Nacional do Ensino Médio seja acompanhado de uma melhoria considerável na qualidade da educação de Ensino Médio no país. E que os objetivos de estímulo a criação de uma clientela mais esclarecida e atuante, se tornem a realidade do amanhã.