Aprender com as Diferenças
Violência Sexual & Deficiência
Anahi Guedes de Mello
"A
situação de escape frente à
violência sexual vai depender do grau de comprometimento de
cada deficiência, seja ela física, cognitiva ou
sensorial."
Anahi
Guedes de Mello
Investigar o abuso sexual de crianças, adolescentes, homens e mulheres com deficiência é um dos mais complexos, controversos e perturbadores desafios que estão à frente dos muitos profissionais da reabilitação.
Esse tema eleva uma combinação de muitos assuntos não resolvidos nos estudos de violência doméstica, a questão da deficiência e, articularmente, o caso dos menores de idade e o status de mulher.
Como uma dimensão do estudo geral de abuso e violência, ser pessoa com deficiência só tende a aumentar ainda mais a vulnerabilidade desta em relação àquela sem deficiência.
Como uma dimensão do estudo geral de deficiência,
o tema da violência sexual só apareceu
recentemente como um problema sério e ainda
deverá ser assunto de rigorosa
investigação científica.
Por que é importante trazermos à tona a
situação das crianças, adolescentes,
homens e mulheres com deficiência que sofrem/sofreram
violência sexual?
A importância que devemos dar a essa problemática não é para menos, uma vez que não existe nenhum estudo sério no Brasil tratando da violência sexual contra essas minorias, simplesmente porque as oportunidades de tratamento para o problema da violência sexual contra elas são, geralmente, mais restritas.
São
restritas uma vez que exige conscientização para
a abordagem conjunta de dois fenômenos: a
Deficiência e a Violência.
Crianças, adolescentes, homens e mulheres com
deficiência são de longe muito mais
vulneráveis do que as sem deficiência, devido ao
resultado do fato de serem vistas como diferentes e, portanto, tratadas
de forma também diversa no que diz respeito às
suas freqüentes hospitalizações,
educação em escolas especiais etc.
Para
cada tipo de deficiência, há um grau diferente de
vulnerabilidade e de escape à situação
de abuso sexual ocorrido e, conseqüentemente,
dinâmicas diferentes de abuso sexual entram em jogo.
Essa vulnerabilidade das pessoas com deficiência frente
à violência sexual intra e interfamiliar
também é, em si, o resultado das
deteriorações físicas, sensoriais ou
mentais ou ainda uma combinação delas,
congênitas ou adquiridas: a incapacidade física
por dano (por exemplo, dano de medula espinhal,
amputação), por doença
crônica (por exemplo, esclerose múltipla, artrite
reumática), ou por condições
congênitas (por exemplo, paralisia cerebral, distrofia
muscular, síndrome de down); a incapacidade sensorial que
consiste em deteriorações auditivas e/ou visuais
e, ainda, as incapacidades mentais que incluem
condições desenvolventes (por exemplo,
retardamento mental), incapacidade cognitiva (por exemplo, dano de
cérebro traumático), ou enfermidade mental.
Pessoas com dificuldades de mobilidade física, isto
é, em situação de paraplegia ou
tetraplegia ou, ainda, amputação de membros,
têm inabilidade para a defesa pessoal por falta de
locomoção.
O mesmo se espera das pessoas surdas que, por não ouvirem e apresentarem problemas perceptíveis na fala, não podem se defender de eminentes ataques sexuais uma vez que não conseguem nem uma comunicação satisfatória tanto para sua defesa frente ao ataque quanto para denunciarem os fatos às autoridades.
Além do mais, pessoas com deficiências que têm seriamente afetadas a área lingüístico-cognitiva (por exemplo, aqui citando mais uma vez a deficiência auditiva e, particularmente, a deficiência mental) são mais facilmente enganadas pelo agressor nas suas tentativas de seduzi-las, uma vez que quanto maior o vazio no domínio de linguagem, menor é a consciência que essas pessoas com deficiência têm acerca da realidade do mundo, das noções do certo e errado, e principalmente, do despertar de sua sexualidade.
Então, nesses casos, a situação de
escape frente à violência sexual vai depender do
grau de comprometimento de cada deficiência, seja ela
física, cognitiva ou sensorial.
Segundo estudos que li numa monografia do curso de Direito, estupro
é constranger mulher à
conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça.
A pena é de reclusão de seis a dez anos. É um crime hediondo. A pena é acrescida da metade, respeitando o limite de 30 anos (ver art. 9º da lei de crimes hediondos - 8.078/90), se for menor de quatorze anos, débil mental ou alienada, ou que não pode oferecer resistência.
O aumento de pena só se dá nesses casos, quando houver lesão corporal ou morte, pois se justifica que o agente já está sendo punido em virtude da presunção da violência prevista no 224 do CP.
Note-se
mais uma vez: a pena aumenta quando se tratar de menor de 14 anos,
*débil mental ou alienada*, estes últimos termos,
embora politicamente incorretos, diz respeito às pessoas com
deficiência mental, na minha opinião a mais
estigmatizada de todas as deficiências.
Leve-se em consideração que o CP
(Código Penal) considera apenas os crimes de atentado
violento ao pudor e estupro como ediondos (lei 8072/90, artigo
1º, incisos V e VI).
Essa lei foi feita, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, que os caracteriza como crimes inafiançáveis e insusceptíveis.
Para
encerrar, o artigo 6º da Constituição
Federal de 1988 diz que são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e
*à infância*, a assistência aos
desamparados.
Anahi
Guedes de Mello é
acadêmica de Química da UFSC, pessoa com
deficiência auditiva bilateral profunda, membro-integrante
desde 2000 do Fórum Catarinense pelo Fim da
Violência e Exploração Sexual
Infanto-Juvenil.