Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Luís Campos - Blind Joker Salvador - Bahia – Brasil

A história da minha cegueira
Luís Campos (Blind Joker)

Fiquei totalmente cego em janeiro de 1990, após ter sofrido quatro intervenções cirúrgicas para reverter um "descolamento da retina". Antes que você me pergunte, só existe transplante de córnea.

Eu era míope desde criança e os óculos sempre fizeram parte da minha fisionomia (e por isso era metido a intelectual, lendo sobre tudo!). Em 1986 perdi a visão do olho direito após uma infecção (uveíte) quando tomei muito remédio, coisa da qual nunca gostei (tomar remédios).

Na verdade, estava sofrendo um descolamento da retina. Havia visitado sete oftalmologistas (ô palavrinha, sô!). Falando nisso, lembrei de otorrinolaringologista e o nome daquele ácido, ADN - que não sei escrever (isso pode dar uma crônica). Voltando aos oftalm... ah, vocês já sabem, profissionais que, no meu tempo de menino eram chamados apenas de "oculistas". Só após visitar o oitavo, Dr. Luís (tinha que ser, né?), foi que soube que estar sofrendo um descolamento da retina. Ele me disse para ir a Campinas, São Paulo, no Instituto Penido Burnier que, para ele, era o melhor da época nestes tratamentos. Por ainda enxergar com a vista esquerda, fui sozinho até lá, na esperança de fazer a cirurgia e recuperar a visão desse olho. Já na consulta, fui desenganado. O oftalm... - vocês não decoraram ainda essa palavrinha?

Não vou repeti-la mais! O dito cujo aí, disse que não havia nada a fazer: eu já havia perdido aquela vista de vista! Voltei a Salvador e continuei levando minha vidinha. Agora que nem Camões - caolho! Pela lógica, deveria fazer as coisas pela metade, né?

Mas não foi bem assim. Pouca coisa mudou! Dirigia, viajava, bebia, escrevia, jogava (palitinho)... Continuei a fazer tudo que fazia antes (até repetir palavras no texto). Fiquei três anos afastado do TRT. Que vidão! Tá com inveja? Se quiser eu furo seus olhos! Brincadeirinha... é só um pouquinho de humor negro!

Em julho de 89, comecei a sentir os mesmos sintomas na vista esquerda! Pondo meu bigode de molho (Na época usava um bigodão que me dava um ar de homem sério!), voltei a visitar alguns daqueles - já disse que não iria repetir a tal palavrinha - daqui. Fui aconselhado a ir a Belo Horizonte (Instituto Hilton Rocha). Lá, o - isso mesmo - indicado, após me examinar, disse que havia um princípio de descolamento da retina (Grande novidade!); que ele iria operar minha vista e que eu ficaria aos cuidados do seu assistente, pois ele iria a um congresso no Rio de Janeiro. Disse também que não garantia a recuperação da retina, isto é, que eu poderia ficar cego!

Achei que era muito descaso dele, além disso, sua frieza me assustou. Pensei: Se eu operar com esse cara, estarei obtendo um atestado de burro, afinal, iria pagar cerca de seis mil dólares (na época) para, possivelmente, ficar cego! Com muita dificuldade, peguei um avião (vocês já tentaram pegar um? O bicho corre que nem cabrito! É melhor esperar ele ficar quietinho e abrir aquela portinha em riba da escada. Aí você faz como o pessoal fazia à época: sai correndo e entra antes que ele arribe e vá embora!) e fui até Campinas, de volta ao Penido Burnier.

Na consulta ao... (não repito!), não relatei o sucedido em Belô.

Após um exame, o... (ele mesmo!), disse que logo eu estaria bom; que a cirurgia seria tranquila e que, dentro de um mês, eu estaria vendo tudo, completamente recuperado. Havia uma esperança - pensei! Ao pagar a fatura, me cobraram cerca de três mil dólares (à época!), mas não me ressarciram o valor de um par de sapatos que eu nunca havia usado e que um enfermeiro roubara! Deixei isso pra lá, afinal, vão-se os sapatos e ficam as meias, né? Na cirurgia, colocaram um aro de silicone para segurar a retina.

Voltei para casa, mas, com menos de trinta dias, o olho amanhecia fechado, com umas pequenas placas cristalizadas, talvez devido ao uso dos colírios... e deixei de enxergar com o olho que operara! Até aqui, eu viajara sozinho, sem acompanhante, visto ainda enxergar!

Voltei ao Penido Burnier para "desfazer" a cirurgia e retirar o tal "aro de silicone", já que, além de não resolver, passara a causar muita dor! Voltei para a casa definitivamente cego...e de bolso quase vazio!Viram como sou inteligente? Fiquei cego pela metade do preço!

Um mês depois fui convencido a ir a Goiânia, pois lá havia um cara que estudara em Boston (EUA) e que estava fazendo miséria (no bom sentido) na área de retina... e eu acreditei! Esperançoso e graças ao dinheiro, ao trabalho e ao amor da minha esposa à época, Sulamita, mãe do Vinícius, que ficou gerenciando nossa Empresa, fui pra lá... e haja dólares!

Na primeira cirurgia recuperei a visão e estava feliz da vida! No trajeto de Goiânia para Brasília, onde ficaria hospedado, conseguia ler os outdoor da beira da estrada, coisa que não faria sem os óculos, pois, como já disse, desde criança era míope e, na época, antes da cegueira, usava lentes com 8,50 graus. Fiquei cerca de cinquenta dias na casa de um casal amigo, Raimundo e Neusa, hoje meus irmãos por amor e gratidão, pois teria que retornar a Goiânia para duas aplicações de laser e mais uma cirurgia para inserção de um "óleo de silicone" que, segundo o "cobra", seria para "empurrar" a retina para trás e que ele estava experimentando em algumas pessoas com algum sucesso... e, mais uma vez, eu acreditei!

No hospital conheci Nelita, cuja prima sofrera um acidente de carro e tinha vidro nos olhos (hoje ela está sem problemas) e ficamos amigos. Devo muito a esta menina e nunca houve nada entre nós (não que eu não quisesse, mas ela não queria, pois eu era casado). Apesar dos ciúmes da minha mulher, o que era compreensível, nunca houve nada entre nós! Nas vezes que retornei a Goiânia, esta amiga me deu suporte, pois eu ficava hospedado num hotel próximo ao hospital e quando ela saía do trabalho, ao meio dia, me levava para almoçar e depois íamos "bater pernas" no centro da cidade, que era pertinho de onde eu estava. Ela ficava comigo até às oito horas da noite, quando retornava para sua casa e eu passava a noite e a manhã sozinho...

Após minha separação ficamos juntos algumas vezes: eu ia à Goiânia ou ela vinha a Salvador! Há seis anos que ela mora nos Estados Unidos e ainda somos amigos. Fui e sou seu conselheiro e sempre conversamos através do Skype. Na época, claro que eu percebia seu interesse por mim, afinal, sei me fazer querido.

Em Brasília fiquei amigo dos amigos da Neusa e do Raimundo e eles me levavam para tudo que era festa e passeio. Suas meninas, Fabiana e Carina me consideram um tio e isso é muito gratificante. Eles estavam sempre por aqui e adoram tanto nossa Terrinha que, assim que foi possível, compraram um apartamento por cá. Estamos sempre em contato e mesmo depois que separei, a amizade conosco continuou. São pessoas excelentes, de bom coração e amigos sinceros! Sou separado de Sulamita desde 2000, mas o respeito continua, afinal, temos um filho maravilhoso!

Voltei para Salvador com aquele óleo de silicone dentro do olho e que seria retirado no final de janeiro de 1990. Mesmo enxergando um pouco, e agora, por causa do óleo, nublado (como estivesse usando óculos escuros), sentia fortes dores neste olho, sendo obrigado a ingerir quatro analgésicos, um a cada seis horas, pois não suportava a dor. Falei com o... é isso mesmo, e ele insistiu em só retirar o tal óleo na data prevista... não doía nele, né? Para ele, "Silicone nos olhos do paciente é colírio!" No reveillon de 1989/1990, já não enxergava mais nada e, antes da data marcada pelo offtal... vocês sabem, voltei para retirar o óleo!

Mais uma vez estava cego!

Após a retirada do óleo de silicone, ele disse que não poderia fazer mais nada... só Deus! (Quase que lhe sugiro devolver-me os dólares que paguei...). É engraçada essa vida... a gente faz as coisas e depois entrega nas mãos de Deus! Isso é que é ter fé! Neste dia, se não me engano, em 13 de janeiro de 1990, sozinho no quarto do hotel, entre lágrimas, escrevi aquele poema, "Senhor!" Mas, na tarde seguinte estava dançando com Nelita no interior da "Lojas Americanas"!

Voltei para casa, conformado com a minha realidade, mesmo que, neste período de viagens e cirurgias, não tenha deixado de brincar e sorrir! Creio que minha mulher, meus filhos, irmãos, amigos e as pessoas que me cercavam sofreram mais do que eu! Como sempre fui um cara dinâmico e nunca gostei de pedir a ninguém que fizesse as coisas por mim, senti um pouco ter que depender, mesmo que em parte, dos outros... mas nunca pensei que minha vida se acabara! Sempre fui um cara forte e dera tanta força às pessoas, então como não ser forte comigo? Agradeci a Deus por "apenas" ter ficado cego!

Assim, continuei fazendo quase tudo que fazia antes. Contratei uma secretária exclusivamente para ler e escrever algumas coisas, embora, depois de ficar cego, escrevesse que nem Deus: certo por linhas tortas! Também contratei um motorista para levar-me ao escritório e o Vinícius à escola, ao curso de inglês e à natação!
Em 1992 Sulamita passa a ser juíza do trabalho e eu retomei a direção da nossa Empresa. Como está no texto do Vinícius, "Meu pai, meu herói", pouca coisa mudou. Continuei viajando, dançando, brincando, cantando e... namorando!

Aborrece-me, hoje, quando alguém reclama da própria vida, tendo todos os sentidos perfeitos, andando sobre seus próprios pés e sem qualquer deficiência física, mesmo que sofra de alguma doença, quero dizer, alguma insuficiência de qualquer dos seus órgãos e que possa ser controlada com remédios ou de uma outra maneira qualquer. Embora reconheça que as pessoas não são iguais e que devemos respeitar essa desigualdade, digo-lhes que, quando estiverem com qualquer problema, seja de que monta for, pensem que poderia ser pior... olhem a sua volta!

Aquele ali está paraplégico, o outro é tetraplégico, um outro é surdo-mudo, acolá um cego, um outro não tem as pernas ou os braços, aquele lá anda se arrastando... quer mais? Agradeça todos os dias por sua "doença" ser apenas "uma" doença! Sorria, o mais que puder... as "forças negativas" têm medo do sorriso! E para que você possa sorrir um pouquinho, deixe eu lhe dizer a que conclusão cheguei depois destas cirurgias: Sou alérgico ao silicone!

Não me considero "lição de vida", apenas encaro minha realidade!

Abraços e beijos.

Luís Campos (Blind Joker)

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas