Cinema na Educação
1984
A atualidade do “Grande Irmão” de Orwell
Obra-prima do escritor inglês George Orwell, “1984” tem o claro propósito de chocar ao mesmo tempo em que pretende “abrir os olhos”, se não todos os sentidos, daqueles que leem o livro ou assistem sua versão cinematográfica, dirigida por Michael Radford, estrelada por John Hurt e último filme do astro Richard Burton.
Orwell era declaradamente esquerdista, mas a despeito disso compreendeu o totalitarismo stalinista que eliminava arbitrariamente todos os opositores do regime e, é claro, sabia igualmente da existência de regimes ditatoriais de direita e das atrocidades por eles cometidas.
Apesar deste tema específico, o totalitarismo político que passa a impregnar a vida de todos os cidadãos e ditar o rumo de suas vidas, dizendo a todo o momento, a partir de um onipresente sistema de informação e comunicação de ideias do regime político dominante, “1984” vai muito além disto, e, certamente, se torna um clássico justamente por não ser raso e panfletário.
De certa forma é possível traçar parentesco entre esta obra e algumas outras de ficção que preveem para o amanhã um mundo sombrio, desumanizado, em que imperam as relações produtivas e nada mais. As fórmulas e encaminhamentos encontrados por diferentes escritores e criadores cinematográficos – como, por exemplo, em “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, ou “Matrix”, dos irmãos Andy e Larry Wachowski, não escondem o temor de que de alguma forma sejamos dominados por um sistema político-ideológico que nos massacrem e nos escravizem.
Se na obra de Huxley os seres humanos são adequados ao sistema desde a sua concepção – quando são separados por níveis e destinados desde o nascimento a ocupar determinada função econômica e situação social – e, literalmente, “dopados” (drogados mesmo) para tudo aceitar e achar conveniente aos seus propósitos pessoais e coletivos, “1984” é mais cruel e vil com a humanidade.
A obra de Orwell escancara a ideia de lavagem cerebral coletiva operada pelo sistema a mando do “Grande Irmão” (Big Brother), que tudo vê e tudo sabe (será que ele realmente existe ou é apenas uma imagem criada para tudo justificar?) através do uso das modernas tecnologias, com telas espalhadas por todos os lados a monitorar e “fazer a cabeça” de cada ser humano “integrado” ao seu universo.
Enquanto “Matrix” vê os homens como fonte de energia vital que, como meras pilhas ou baterias recarregáveis, abastecidas com o sonho de uma vida normal injetado em seus neurônios por uma gigantesca rede de computadores que tomou conta do mundo, “1984” nos coloca num cenário em que as máquinas são acessórios e a maldade é humana em sua origem.
E há originalidade e pertinência naquilo que nos é trazido pelo filme baseado na obra de Orwell? Ou será apenas especulação e ficção criadas pelo gênio enlouquecido de um brilhante escritor e militante de esquerda? O quanto ainda é importante para as novas gerações conhecer, ler, discutir e apreciar “1984”?
A obra foi publicada em 1949 e constitui distopia que se propõem a nos colocar no pior dos cenários futuros, aquele em que apenas nos preocuparemos em sobreviver e acabaremos nos submetendo a um sistema político repressor, policialesco e controlador até mesmo de nossos pensamentos.
Uma de suas principais características e, certamente, das mais atuais e importantes para as novas gerações - aquelas plugadas no universo tecnológico e virtual – remete a questão da desumanização. Apesar de as máquinas constituírem apenas meios para a consecução do domínio do “Grande Irmão”, subjacentes como aparecem no livro (e no filme), é através destes recursos que se operacionaliza a lavagem cerebral, construída a partir de constante, emburrecedora e vigilante ladainha.
É ponto de partida para, por exemplo, pensarmos em câmeras espalhadas por todos os cantos, falta de privacidade pela Internet, desvalorização das relações familiares, diminuição dos contatos extravirtuais, mercantilização das relações humanas...
Outro ponto igualmente relevante refere-se à ideia trabalhada na obra que define como uma das metas do sistema a abolição da família e do amor. Na realidade, amor somente deve ser devotado ao “Grande Irmão” e laços familiares desviam o foco do trabalho, definindo que a prioridade deve ser sempre a produção, a eficácia no desempenho de nossas funções.
Numa época em que a globalização nos compele a cada vez mais nos mostrarmos competitivos e aptos a vencer (a qualquer preço) no mercado de trabalho é bastante interessante esta discussão ensejada por “1984”. Salta igualmente aos olhos o crescimento de casos de mulheres que estão abrindo mão da maternidade em função do trabalho ou mesmo de outros interesses/objetivos. O que era considerado natural até poucas décadas atrás, ou seja, ter filhos, virou para muitas mulheres tema dos mais polêmicos e, em muitos casos, causa grande rejeição.
Que mundo é este que estamos constituindo... Guarda outras semelhanças com a visão um tanto quanto apocalíptica do amanhã de Orwell em sua obra “1984”? Será que de forma muito mais sutil, por exemplo, não estamos também sendo submetidos aos desígnios de algum “grande irmão” que nem ao menos percebemos ou compreendemos? Afinal de contas não é necessário viver dentro das nefastas condições preconizadas em “1984” para que sejamos escravos de um sistema... A sujeição e submissão podem acontecer de forma a tal ponto disfarçada que, na maioria dos casos, nem ao menos a perceberemos... E no caso específico de Orwell, não há “pílulas vermelhas” que possam nos fazer acordar de tal pesadelo...
Ficha Técnica
1984
País/Ano de produção: Inglaterra, 1984
Duração/Gênero: 113 min., Drama
Direção de Michael Radford
Roteiro de Michael Radford, baseado em obra de George Orwell
Elenco: John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton, Cyril Cusack, Gregor Fisher, James Walker.
Faixa etária recomendada: 16 anos
Links
http://www.cineplayers.com/filme.php?id=4093
http://www.movieguide.com.br/filme.view.php?id_filme=375
http://www.interfilmes.com/filme_20784_1984-(Nineteen.Eighty.Four).html