Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

"O papel do cinema é gerar uma memória em nós mesmos"
Refletindo sobre Cinema com Walter Salles Jr.

 Foto-de-Walter-Salles

ÉPOCA – Você acha que o cinema brasileiro pode estar voltando a viver uma “crise” com as fracas bilheterias e audiência dos filmes nacionais no último ano?
Walter Salles - Para começar, cinema não é sabão em pó. O papel do cinema é gerar uma memória de nós mesmos, um retrato de uma sociedade num dado momento. Eu não sei quantas pessoas viram Vidas Secas [clássico de 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos], Terra em Transe [de Glauber Rocha, feito em 1967], São Paulo S.A [filme de 1965 do cineasta Luis Sérgio Person] ou Iracema - uma Transa Amazônica [filme de 1976 do diretor Jorge Bodanzky]. Mas sei que esses filmes nos explicam, dizem quem somos, de onde viemos. E mais: podem não terem sido vistos por multidões quando foram lançados, mas continuarão a serem vistos ao longo das décadas, porque são filmes essenciais à nossa compreensão enquanto sociedade. O problema é que estamos julgando hoje o cinema brasileiro com os instrumentos que são utilizados para avaliar o cinema de mercado norte-americano. É um pouco como comparar o público do McDonald’s com daquele restaurante de bairro, que te propõe uma comida autêntica, de um lugar específico. Então, a pergunta que talvez devêssemos fazer é a seguinte: os filmes brasileiros têm tido sucesso em refletir nossos desejos e contradições?  (Fonte: Revista Época, 29/08/08)

Walter Salles respira cinema. Vinte e quatro horas de seu dia são destinados à composição de um trabalho meticuloso, inteligente, único e extremamente qualificado. Quem diz isso? O mercado cinematográfico, os críticos, os técnicos, os atores... Fundamentalmente todas as pessoas que trabalham com a Sétima Arte, dentro e fora do Brasil compreendem ser a obra de Salles uma das melhores e mais viscerais traduções do cinema contemporâneo.  

Por esse motivo, quando esse jovem diretor brasileiro nos diz que “cinema não é sabão em pó” e sim, que “o papel do cinema é gerar uma memória de nós mesmos, um retrato de uma sociedade num dado momento”, temos que prestar atenção e analisar suas palavras.

Não é possível, de acordo com Salles, comparar o cinema, produção cultural que exige “tutano” por parte de um sem-número de profissionais, a itens de consumo rápido, como “sabão em pó” ou sanduíches produzidos em linha. Cinema - com “C” maiúsculo - é feito para pensar, refletir, degustar, apreciar, aprender, entreter, provocar, estimular, discordar, concordar... Não é para consumo rápido, do tipo “Coca-Cola”, tome e sinta o frescor, depois siga a sua vida como se nada mais profundo tivesse acontecido...

Outro ponto importante... O cinema fala de nossas vidas, encontros e desencontros, partidas e chegadas, amores e desamores, amizades e inimizades, aventuras e desventuras, triunfos e fracassos, dores e dissabores, alegrias e realizações... Pelo cinema criam-se imagens que procuram reproduzir um pouco daquilo que são nossas existências, a sociedade, as relações pessoais, o trabalho, o lazer... No cinema nos assistimos, nos percebemos, nos idealizamos...

Revista TAM nas Nuvens - O Brasil é um dos países em que o número de milionários mais cresce no mundo. Além disso, temos um dos maiores índices mundiais de desigualdade social e má distribuição de renda. Como cidadão, você acredita que é possível distribuir melhor a renda e diminuir a desigualdade social?
Walter Salles - Esta é uma questão com a qual me debato constantemente, e que me faz questionar a missão do cinema como agente de transformação social. Há quem acredite que o cinema não tem força para mudar nada. Se eu pensasse assim, já teria abandonado a profissão de cineasta há muito tempo. As desigualdades sociais brasileiras vem de problemas que se desenvolveram ao longo de 500 anos de história, e que precisariam de medidas mais drásticas para serem sanadas do que os paliativos que vêm sendo tomados por governos sucessivos. Enquanto isso não ocorre, a única saída é tentar fazer a parte que nos cabe, seja no trabalho, nas esferas públicas ou nas ações que tomamos de forma privada. No nosso território, o cinema, tentamos democratizar o acesso à imagem e, portanto, à informação, que é base de todo Estado democrático. Fazemos isso produzindo primeiro filmes de cineastas estreantes ou ajudando a feitura de muitos projetos com o empréstimo de equipamento. [Fonte: Revista TAM nas Nuvens]

Salles recentemente lançou outro grande filme, Linha de Passe. Cineasta consagrado, autor de filmes de repercussão mundial - como Central do Brasil, Abril Despedaçado e Diários de Motocicleta - mostra-se na declaração acima um cidadão sintonizado e preocupado com questões nacionais de grande importância como a questão da distribuição de renda injusta e a marcante desigualdade social de nosso país.

Creio, igualmente, que o cinema tem claramente esse objetivo, ou seja, o de esclarecer e comunicar ideias. Como destaca o diretor em sua declaração, ao afirmar que uma das ações empreendidas pelas pessoas que trabalham no ramo é justamente a questão da democratização do acesso à imagem e, consequentemente, a informação.

Nesse sentido é válido acentuar o uso da expressão “acesso à imagem” como sinônimo de acesso à informação. Vivemos numa sociedade em que a imagem é cada vez mais uma das principais formas de comunicação de ideias. O que vai bem ao encontro, a proposição de Paulo Freire, que sempre relembramos, da cidadania estar associada à capacidade de leitura do mundo - leitura essa ampla, geral e irrestrita – que permita a qualquer pessoa perceber-se no universo como ser decisivo, atuante, crítico...

Outra fala muito importante de Salles refere-se à ideia de que o cinema tem força para influenciar pessoas, mudar comportamentos, promover ações. Quando ele diz que se não acreditasse nisso já teria abandonado a profissão, dá uma amostra do engajamento pessoal e profissional que qualquer projeto e área de atuação com a qual estamos envolvidos exigem. O cinema, assim como a educação, tem que ser propositivos, ou seja, devem estar atentos e engajados na busca por uma sociedade mais justa, harmônica, ética...

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