A Semana - Opiniões
Harry Potter nas escolas brasileiras
Para incentivar a leitura no Brasil
“Dois adolescentes “mágicos” passam a fazer parte do dia a dia de cerca de 3,3 milhões de estudantes da rede estadual de Educação. Harry Potter e Edward, os dois “astros” da literatura infanto-juvenil do mundo são parte da maior troca de acervo literário de escolas realizada pela Secretaria de Estado da Educação. A partir do segundo semestre deste ano as séries Harry Potter e Crepúsculo, com outros 220 títulos, estarão nas salas de leitura de 4.200 escolas de 5ª a 8ª do Ensino Fundamental e de Ensino Médio. Ao todo a Secretaria de Estado da Educação irá comprar cerca de 2 milhões de exemplares de livros, com estimativa de investimento de R$ 19,3 milhões. O novo acervo está dividido em três partes: 1 - Auxílio ao Currículo Escolar, com livros para complementar o ensinado em sala de aula; 2 – Gestão e Avaliação, com clássicos indispensáveis da literatura mundial; 3 - Despertar do Interesse pela Leitura, com os maiores sucessos para adolescentes.” (Harry Potter e Crepúsculo entram na rede estadual de Educação, 09 de março de 2009, Link: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias_2009/2009_09_03_a.asp)
Sou a favor. Cravo logo no início do artigo meu posicionamento para que ninguém pense que estou em cima do muro. Está na hora de mudarmos um pouco a fórmula de trabalho com a leitura em nossas escolas em favor de algo mais ousado, que realmente mexa com os estudantes e que, principalmente, de alguma forma, os incentive a ler com prazer e satisfação.
E Machado de Assis, José de Alencar, Cecília Meirelles, Lygia Fagundes Telles, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e tantos outros mestres da língua portuguesa? O que vai acontecer com a imortal obra “Os Lusíadas”, de Camões? Não devemos apresentar Saramago aos estudantes brasileiros? Estaremos com tal ação condenando a literatura brasileira e portuguesa ao ostracismo, ao ocaso, ao esquecimento?
Ao adotar os livros da série Harry Potter ou da mais nova “coqueluche” entre crianças e adolescentes, os livros da coleção “Crepúsculo”, estamos dizendo adeus aos grandes escritores do Brasil e de Portugal?
Não creio nisso. A proposta da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, sob a coordenação da professora Maria Helena Guimarães de Castro, é realmente ousada e é disso que a educação brasileira precisa, ou seja, de inovação e coragem para superar ideias e projetos que há anos pedem revisão e reestruturação.
Os dados relativos sobre leitura em nosso país, discutidos em outros textos do Planeta Educação (veja, por exemplo, o artigo Brasil, um país em que não se lê..., com dados recentes de pesquisa do Instituto Pró-Livro) demonstram o quanto estamos na contramão daquilo que se preconiza como educação de qualidade nos países mais desenvolvidos na área (como a Coreia, a Finlândia ou o Chile, só para mencionar três casos de grande destaque).
Por mais que importantes ações estejam sendo desenvolvidas na educação brasileira quanto à inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação no âmbito escolar, formação e atualização dos professores, avaliação dos sistemas e redes de ensino público ou preparação dos gestores para uma melhor administração de suas escolas (entre outras), não podemos nos esquecer do que é essencial e básico para todas estas ações, ou seja, o trabalho específico em sala de aula, o aluno e sua formação.
Neste sentido, esforços importantes devem ser feitos para que os alunos tenham incentivo à leitura e também a um crescimento real em matemática, ciências, história, educação física, geografia... Sabemos, é claro, que para a consecução de melhores resultados em todas as demais disciplinas, os saberes a serem primeiramente consolidados são aqueles relacionados ao domínio da língua portuguesa e aos conceitos basilares da matemática (como indutor do conhecimento científico posterior).
Mas até mesmo a matemática precisa, como pré-requisito básico, da compreensão e aprofundamento na língua pátria, o português. Ou seja, prioritários são os projetos e trabalhos a serem desenvolvidos desde a educação infantil e, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental (Ciclo 1) em língua portuguesa, para que realmente capacitemos nossos estudantes, dando-lhes uma formação de qualidade, o que inclui, necessariamente, não apenas a exposição aos livros, mas o incentivo que leva a aproximação gradual, que de repente se transforma em paixão e que logo se torna namoro sério até virar amor eterno...
Em todos os casos de alunos com os quais tive contato, ao longo de mais de 20 anos como professor, tanto no Fundamental quanto no Médio, por experiência posso atestar como fato que alunos que gostam de ler têm, invariavelmente:
- melhor rendimento escolar;
- maior capacidade de expressão e argumentação;
- clareza e pontualidade ao escrever;
- vocabulário enriquecido;
- maior habilidade para traçar paralelos entre os saberes com os quais tem contato;
- criticidade aguçada;
- capacidade de liderar e criar com maior facilidade.
E também tendo como base o contato com estes estudantes-leitores, é possível afirmar que, na maioria dos casos, o incentivo à leitura vem de casa e é reforçado na escola. Estes alunos começam a ler ainda em tenra idade, tendo como primeiras leituras as revistas em quadrinhos ou livros infantis. Ao longo do caminho, em virtude de sua maturação, acabam galgando os degraus da literatura, partindo para quadrinhos do Asterix ou do Tintim, Tiras do Calvin ou da Mafalda, literatura policial da Agatha Christie, livros de aventura e ficção de Júlio Verne, as peripécias de Harry Potter e sua turma, de J. K. Rowling, o “terror” romântico da série Crepúsculo, de Stephenie Meywer...
E os próximos passos, quais são? Desenvolvida essa relação de afeto e proximidade com a leitura, estes estudantes querem sempre mais e acabam chegando, na maioria dos casos, a Jorge Amado, José Saramago, Nelson Rodrigues, Cecília Meirelles, Machado de Assis... Precisa dizer mais?