Carpe Diem
O Homem Etiqueta
Os Sem-Identidade...
“Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.”Carlos Drummond de Andrade
(Trecho do poema “Eu Etiqueta”, publicado no livro “O Corpo”, Editora Record)Li o poema e me vi etiquetado. Dos pés à cabeça. E até nas roupas íntimas, invisíveis aos olhos alheios, também vem grudada uma marca... Não sou mais eu? Deixei de ser quem sou? Assumi outra(s) identidade(s)? E que novas formas de me apresentar perante aos outros passei a utilizar a partir das etiquetas que uso?
Se sou aquilo que visto então sou o jeans da moda ou o genérico vendido na feira ou no saldão do grande magazine? Meu odor é de perfume francês, recomendado por uma bela modelo ou por um famoso atleta? Ou então minha fragrância é somente aquela do desodorante vendido em grande quantidade em qualquer supermercado de bairro? Uso calçados esportivos dos grandes campeões? Ou calço as sandálias que não soltam as tiras, não deformam e não tem cheiro – que até pouco tempo atrás eram populares e hoje são internacionais?
Em meu pulso, a ditar o ritmo de minha vida tenho um original relógio suíço, daqueles que valem um automóvel? O que estou bebendo é anunciado com pompa e cerimônia na TV como a bebida da juventude ou do sucesso? Ando de ônibus ou já me dou ao luxo de ter um belo sedan daquela multinacional poderosa?
Quem sou eu? Homem livre ou escravo da moda e das tendências? Para onde vou e como penso dependem de influências externas, de itens de mercado, de posses e bens? Sou filho de minha mãe e de meu pai ou um rebento do mercado, da publicidade, do consumismo que não apenas consome meu dinheiro, minha grana, mas principalmente minha alma, meu ser?
Num mundo de marcas alhures é difícil perceber-se e, mais complicado ainda, ver os outros por detrás de tantos logotipos, marcas, propagandas e comerciais. O que se vê não é alguém, com RG e Certidão de Nascimento que definem origens, paternidade e dão indícios de identidade... O que vemos, a olho nu, como nos diz do alto de toda a sua sabedoria e alma de poeta o mestre Carlos Drummond de Andrade, é somente o homem etiqueta...