Aprender com as Diferenças
Cada caso é um caso, cada surdo é um surdo
Sônia M.Ramires de Almeida
Nas conversas cotidianas vamos soltando palavras sem muita preocupação com definições e precisão. Dizemos orientais para um montão de povos diferentes entre si, o mesmo para africanos ou índios, cometendo erros tremendos, atribuindo a uns características de outros.
Com os surdos acontece a mesma coisa. Quem não está diretamente envolvido com o problema imagina o universo dos surdos povoado por irrecuperáveis "surdos-mudos" ou por velhinhos que a familia prefere considerar distraídos. Até explicar para a pessoa comum que ouvir e falar são funções que dependem de órgãos diferentes, que a deficiência de um não significa a falência de outro, que a gente aprende a falar ouvindo e que aprender qualquer coisa leva tempo e trabalho...
Uma criança surda mal diagnosticada pode ser considerada autista ou portadora de problemas mentais, acarretando consequências sérias e dolorosas para si e sua familia, chegando a comprometer o desenvolvimento intelectual se não houver uma atenção correta. Por outro lado, ainda hoje algumas pessoas tentam negar a deficiência auditiva própria ou de familiares pelo simples fato de não ser uma problema visível e palpável. Lamentavelmente nos setores mais pobres e menos escolarizados a situação se torna mais grave.
Voltando à ideia inicial, os surdos não são todos iguais, não são todos
condenados ao silêncio eterno, podem falar, oralmente ou através de sinais, falam e pensam.
Eu pessoalmente tenho um ponto de vista situado no meio do caminho, não nasci surda e comecei a ter dificuldades por volta dos vinte anos, estou entre os surdos definidos como pós-linguais.
Primeiro, quando não entendia o que diziam pensava que era muito distraída. Quando perdia a hora do trabalho por não ouvir o despertador a desculpa era o sono pesado, cansaço etc. Por sorte, tive uma colega de trabalho, a Nílcea, pessoa sensível e amiga, estudante de fonoaudiologia. Ela resolveu fazer uma audiometria e definiu meu problema. Era perda auditiva. Com esse resultado procurei um médico da empresa que me disse que o problema não tinha solução nem remédio.
Por sorte procurei outro profissional que me recomendou tratamento e o uso de aparelhos auditivos. A adaptação aos aparelhos foi rápida e pude seguir estudando e trabalhando. Explicando o problema aos demais conseguia a ajuda de colegas que se tornavam intépretes espontâneos e adquiri o hábito de solicitar ajuda quando necessário evitando constrangimento.
Pude assim estudar música, expressão corporal e idiomas estrangeiros além de concluir Ciências Sociais na USP. Além do meio social mais amplo, muitas vezes a familia se torna um núcleo de negação da surdez ou deficiência. Muitos fonoaudiólogos e médicos descrevem a dificuldade de explicar que o tratamento ou adaptação de aparelhos não tem como finalidade a cura total desejada pelo paciente e pelos pais, mas oferecer instrumentos para melhorar a qualidade de vida e inserção social da pessoa.
A medicina, como a ciência em geral, é dinâmica e o que hoje é conhecimento estabelecido pode ser mudado a partir de novas pesquisas interdisciplinares. Não podemos exigir da sociedade em geral que conheça, respeite e não discrimine. Isso depende da escolaridade, informação, cultura, noções de cidadania e até da sensibilidade de cada um.
Por outro lado, podemos e devemos exigir o conhecimento, respeito e atenção especial dos órgãos públicos, que devem estar aptos a atender a qualquer cidadão, independente de suas características individuais. Na escola, professores e orientadores devem ter conhecimento suficiente para orientar os pais e auxiliar na busca de ajuda profissional se necessária.
Num aspecto mais geral tenho sentido a falta de oferta de produtos e acessórios que facilitem a vida diária: despertadores por vibração, capinhas de silicone para proteger os aparelhos retroauriculares da umidade e transpiração etc. Também faltam salas de aula, de cinema e teatro adaptadas com amplificadores que possam ser captados pelos aparelhos auditivos. Esse tipo de salas existem em Buenos Aires por exemplo, adaptação promovida pela Mutualidad Argentina de Hipoacusicos * que presta uma série de serviços aos deficientes auditivos daquele país.
Outra facilidade seria a incentivar a produção de TV e
cinema legendados promovendo a inclusão de um público interessado em arte, cultura e educação.Procurei descrever a situação de uma pessoa que perdeu a audição já adulta, alfabetizada e integrada à sociedade. Outras vidas e experiências serão necessariamente diferentes, enfatizando outros lados da questão.
Proponho que tenhamos uma visão dinâmica e multifacetada como merecem as questões sociais e humanas.
* Mutualidad Argentina de Hipoacúsicos:
http://www.mah.org.ar