Aprender com as Diferenças
O direito à diferença na escola
Entrevista com Maria Tereza Eglér Mantoan
Maria Tereza: "Na política de inclusão total, o Brasil é um dos países mais evoluídos do mundo"
"A escola tem de ser o reflexo da vida do lado de fora. O grande ganho, para todos, é viver a experiência da diferença. Se os estudantes não passam por isso na infância, mais tarde terão muita dificuldade de vencer preconceitos", explica a professora Maria Tereza Eglér Mantoan, autora do livro Inclusão Escolar: O Que É? Por Quê? Como Fazer? (Ed. Moderna).
Referência em educação inclusiva no Brasil, Maria Tereza é uma das participantes da 9ª edição do Congresso e Feira Pensar, promovido pelo POPULAR. O evento está sendo realizado até sábado no Centro de Convenções de Goiânia e tem como tema Inclusão pelo Esporte, Arte e Cultura.
Para Maria Tereza Mantoan, é impossível pensar o tema sem falar em inclusão. "A escola de inclusão é aquela que não está formatada para o grupo, mas aquela que se molda a cada um", defende.
Além de participar de uma mesa-redonda sobre o assunto hoje, às 20h30, a pedagoga, mestre e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ministra um minicurso sobre diferenças na escola para profissionais goianos.
Maria Tereza é conhecida por sua firmeza ideológica. Ela não vê diferença entre o aluno portador de deficiência, o drogado, o violento, o desatento. Ao contrário, reforça que todos aprendem com a diferença. Segundo a educadora, a escola que ainda não se diz incluída é porque ainda não olhou para si mesma. Crítica convicta das chamadas escolas especiais, ela iniciou sua carreira como professora de educação especial e, como muitos, não achava possível educar alunos com deficiência em uma turma regular. A experiência em sala de aula a fez mudar radicalmente sua visão.
Em entrevista ao POPULAR, a especialista falou sobre os desafios, a formação de professores e o estágio atual da educação inclusiva no Brasil.
Confira trechos
O tema do Pensar em 2008 é justamente inclusão. A senhora defende um conceito mais amplo, chamado inclusão total. O que é isso?
Vou a Goiânia falar sobre o direito à diferença na escola. Defendo a inclusão total porque não pode existir inclusão se ela for parcial. Ela estaria dentro de um outro paradigma. Uma escola inclusiva é uma instituição como ela tem de ser, um lugar aberto a todos. O que nos iguala como seres humanos é a diferença. Uma escola inclusiva é uma escola das diferenças e não dos diferentes. Esta última são as escolas especiais que entendem que existem algumas pessoas diferentes e outras "normais", que estão dentro de um padrão. Na inclusão, cada pessoa é singular, não se repete.
Nos últimos anos vimos crianças que antes eram excluídas da escola regular e colocadas em instituições para deficientes terem o direito, garantido por lei, à educação e de freqüentar a mesma escola das crianças tidas como "normais".
Qual é a avaliação que a senhora faz deste processo no Brasil?
Na política de inclusão total, o Brasil é um dos países mais evoluídos do mundo, não só em termos de legislação como de programas que apoiam as escolas para que o processo se concretize. Vou debater em Goiânia exatamente isso. Mas ainda existem muitas resistências a isto. Os críticos da inclusão afirmam que as escolas ainda não estão preparadas para receber estes alunos considerados "especiais". Esta é uma crítica muito comum que se repete há 20 anos, tempo que me dedico ao assunto. Na verdade, as pessoas ainda estão num outro paradigma. Elas não entendem que a diferença está em todos nós e não em determinados grupos. Não entendendo isso, tudo que você quiser construir em termos de pensamento em favor da inclusão cai por terra. Eles não têm a visão de que as pessoas são singulares.
Mas como mudar este paradigma se vivemos numa sociedade tão segregada. A escola não seria apenas um reflexo desta divisão social?
Ao contrário, acredito que a escola é aquela que ensina a olhar as pessoas de uma maneira diferente. A escola não pode ser um espelho de uma sociedade, apesar de ser de certa forma. Ela tem que espelhar para a sociedade novos rumos. Se ela não faz isso, qual é a finalidade dela? Ensinar a ler e escrever? Isto é muito pouco. É reduzir a escola a uma coisa que ela deve fazer, mas dentro de uma outra visão de homem, de mundo e de sociedade. Qual é a diferença desta visão inclusiva nas escolas públicas e particulares?Ambas têm de estar dentro da mesma política. A inclusão está dentro do sistema de políticas brasileiras. Não importa se é uma escola pública ou particular.
E o papel do professor neste processo? Ele está suficientemente bem formado para lidar com esta nova realidade?
Não tanto para os alunos, mas para pais e professores a inclusão ainda assusta. Tenho inúmeros relatos de professores que ficam inseguros. Mas este não é o problema. A questão é formar professores dentro deste novo paradigma. A universidade não tem feito isso. Ela ainda é muito conservadora. O que tem de mudar são as redes de ensino e os cursos de formação continuada para que atuem nos professores na mudança de visão. Acho muito importante eventos como o Congresso Pensar. Temos de estar sempre sensibilizando a opinião pública sobre a inclusão escolar. A ideia é tão simples: se nós somos seres singulares e as diferenças são o que nos iguala, como podemos fazer escolas para os diferentes? As diferenças é que fazem o processo educacional inusitado. A diferença existe. Somos diferentes.
Como a senhora resumiria o conceito de inclusão?
É a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção. É para o estudante com deficiência física, para os que têm comprometimento mental, para os superdotados, para todas as minorias e para a criança que é discriminada por qualquer outro motivo. Costumo dizer que estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até na sala de aula com pessoas que não conhecemos. Já inclusão é estar com, é interagir com o outro. (Renato Queiroz /Matéria publicada no jornal O Popular em 09/10/08)