Aprender com as Diferenças
Trabalhando com a Jéssica
Relato enviado por Jô Nunes, a mãe de Jéssica
Após passar um tempo em outra cidade retornei a São Paulo e também para lecionar na escola que sempre trabalhei.
Ao conhecer a sala de aula me deparei com uma menina muito meiga e carinhosa, extremamente afetiva e às vezes muito "grudenta". Era a Jéssica, que fazia de tudo para chamar minha atenção, pois queria exclusividade.
Apesar de ter Síndrome de Williams que a "impossibilitava" de ter o mesmo retorno das demais crianças, Jéssica era muito especial, já era alfabetizada e tinha um vocabulário muito rico além de sua idade cronológica. Sua maior dificuldade era transcrever sua oralidade para a escrita e principalmente a matemática.
Antes de assumir a sala de aula, segundo relatos, soube que Jéssica dormia quase que diariamente na sala de aula. Com a ajuda dos alunos da sala passei a estimulá-la e a cobrar as atividades iguais aos outros alunos, respeitando as suas limitações. Ela começou a produzir muito mais. Participava oralmente de todas as atividades propostas e começou a ler os mesmos textos que os demais; dava opiniões e escrevia, dentro de sua capacidade.
Algumas atividades eram específicas para ela, outras eram adaptadas para a medida que ela conseguia fazer. Porém, a matemática continuava sendo um desafio: as dificuldades eram muitas e ela não conseguia entender o mecanismo do sistema de numeração decimal. Ficava quase impossível resolver situações de matemática, o que causava muita angústia e depressão.
Após muitas tentativas com materiais concretos, desenhos e outros, resolvi introduzir o material dourado. Para tentar fazer com que ela entendesse, passei a usá-lo como um dos recursos, para que ela pudesse manusear, substituir e efetuar operações matemáticas com sucesso.
Ela se apaixonou pelo o material e começou a manuseá-lo com muita agilidade. Sua empolgação e sua vontade de aprender me impressionaram muito. Foi numa tarde de quarta-feira (nunca vou esquecer este dia, que me emocionou muito), que ela conseguiu formar um número com o uso do material. A alegria dela era tanta que parecia que ela ia explodir, os alunos gritavam o seu nome em coro, acompanhado de palmas e ela, chorando, falava:
- Professora, eu consegui, eu aprendi, te amo, muito obrigada!
Após este dia ela queria todos os dias fazer matemática e até montou um material dourado em sua casa usando sucata. A cada dia eu ia aumentando gradualmente o grau de dificuldade e ela respondia bem. Suas produções de textos se ampliaram e ela passou a fazer o uso de recursos como diálogos, suspenses e clímax na narração. Seus textos passaram a ter sequência nos fatos e significados. E nunca mais dormiu na sala de aula.
Nesta época eu estava passando por um momento muito difícil na minha vida, tanto emocionalmente como financeiramente, estava sem esperança, enxergava o mundo em preto e branco, vivia um dia de cada vez.
A Jéssica foi para mim uma pessoa muito especial, não no sentido da deficiência, mas como pessoa, pois aprendi muito com ela. Com seu jeito alegre e extrovertido de ser, cheia de esperanças e sonhos, não desanimava diante de um desafio, não via maldade nas pessoas, era espontânea, natural e acreditava no ser humano. Ela era solidária e se preocupava com o outro. Jamais em toda minha vida vi alguém expressar tão intensamente o amor, felicidade, gratidão em apenas um sorriso, um sorriso puro, sincero. Ela me ensinou o valor de um sorriso, a refletir sobre a minha vida, a enxergar o mundo colorido e de outra forma, me ensinou a ver as coisas boas que a vida oferece, a viver intensamente o dia como se fosse o último, a não desanimar diante dos desafios que a vida nos oferece, me ensinou que existem várias maneiras de ver, sentir, ouvir e principalmente de expressar.
Jéssica, hoje sei o significado da palavra "educar", sei romper barreiras, ser um ser humano melhor. Você veio ao mundo com a missão de transformar as pessoas. Aproveite cada instante que a vida lhe proporcionar, continue sendo assim como você é, levando vida, esperança e alegria às pessoas. Você é a luz que brilha em momentos de escuridão para as pessoas.
Este tempo que estivemos juntas tivemos muitas trocas aprendemos uma com a outra.
Continue sendo você, sorria sempre.
Professora Tânia Bazzani.