Planeta Educação

Diário de Classe

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Sobre o Internetês...
Entrevista do professor João Luís para a Revista Língua Portuguesa [Na íntegra]

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Em entrevista à revista Língua Portuguesa, em edição publicada no mês de fevereiro de 2009, como parte de reportagem sobre um novo “idioma” que se configura no horizonte em virtude do crescimento da Internet no Brasil e no mundo, o editor do portal Planeta Educação, professor doutor João Luís de Almeida Machado, foi questionado a respeito do “Internetês”. Foram encaminhadas ao educador três questões, complementadas por mais uma pergunta elaborada pela nossa equipe visando ampliar a compreensão sobre o tema. Apresentamos a seguir, na íntegra, as respostas do professor João Luís, pesquisador e especialista em educação e tecnologias.

1. As novas mídias e a comunicação via web têm alterado nosso uso do idioma, o que chamam, a grosso modo, de internetês. Essa nova "linguagem", se é que pode ser considerada como tal, é uma mudança necessariamente para pior? Não houve um amadurecimento, uma cristalização dessa linguagem, de modo que a pessoa saiba discernir quando está escrevendo uma redação e quando está simplesmente mandando um SMS? Pode-se dizer que o internetês atingiu a maturidade? 

JL – Entre os adultos, já formados, capazes de discernir e produzir textos em diferentes formatos é possível crer que sim, ou seja, que há suficiente maturidade para lidar com o “internetês”. No que se refere às novas gerações, ainda em formação, é certo, por outro lado, que a confusão que se estabelece é grande entre a norma culta da língua portuguesa e a linguagem de uso coloquial na web. Explica-se isto partindo-se de fatos como a exposição demasiada desta garotada [crianças e adolescentes] à Internet, aos baixos índices de leitura auferidos no país [conforme dados da pesquisa do Instituto ProLivro, publicada neste ano de 2008] ou, ainda, a prática constante de digitação rápida e produção de mensagens instantâneas através dos comunicadores mais usados no mundo virtual em contraste com a pouca produção de textos e materiais escritos em papel [prática que se restringe, a contragosto, às atividades escolares]. Sabemos que não há como retroceder quanto ao uso das tecnologias e que, a curto e médio prazo, a inserção de novas ferramentas de comunicação via web tendem a tornar ainda mais presente e marcante o efeito que estes recursos têm sobre a cultura como um todo e sobre a linguagem em particular. Creio, pessoalmente, que o trabalho educacional quanto à língua portuguesa precisa admitir esta transformação, mas não sucumbir a ela, ou seja, deve-se intensificar um trabalho em prol da preservação e utilização mais constante das normas cultas sem se desprezar este fenômeno relativo à linguagem que surge na Internet.

2. Esse fenômeno criou novas palavras? Ampliou as fronteiras do idioma? Ou apenas deu espaço ao estrangeirismo? Existem estatísticas ou um estudo sobre a relação idioma vs internet? Algo se pode depreender dessa relação?

JL – O que se percebe, a princípio, são as abreviações de palavras de uso corrente na língua portuguesa [flw, ñ, blz e vc, por exemplo, equivalem a falou, não, beleza e você] que, devido a velocidade dos comunicadores instantâneos como o Messenger, são cada vez mais repetidas no mundo virtual e já se estabelecem como padrões. Não entendo, particularmente, que isso constitua um ganho real, uma ampliação das fronteiras do idioma nem, tampouco, que revele uma adaptação ou transição da língua portuguesa a estrangeirismos. Não se pode negar, contudo, que as ferramentas das Tecnologias de Informação e Comunicação [TICs] estão, por outro lado, fomentando entre as novas gerações uma maior prática e familiarização quanto à escrita, a produção regular de materiais escritos. E isto pode e deve fazer com que os professores utilizem este acontecimento a seu favor, o que, em linhas gerais deve significar benefícios para o processo de ensino-‑aprendizagem. A criação de blogs de disciplinas, por exemplo, pode estimular os estudantes por se tratar de prática em desenvolvimento no mundo virtual ao mesmo tempo em que cria compromissos de produção, estudo e maior preocupação com a qualidade daquilo que se escreve.

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3. Você sabe citar exemplos concretos de mau uso do internetês? Ou quando este interfere num campo onde deveria ser privilegiado o uso da norma culta do idioma?

JL – O maior problema percebido pelos educadores desde o advento da Internet está relacionado à transposição da grafia das palavras utilizada na web para a produção realizada pelos estudantes em sala de aula. E enquanto os educadores não se prepararem para adequar e utilizar as tecnologias em benefício do processo de ensino-aprendizagem e, literalmente, virarem o jogo, a tendência parece ser cada vez mais no sentido da perpetuação desta realidade constatada ao invés da superação desta com a incorporação destes recursos em benefício do uso mais consciente e inteligente da língua.

4. Como seria possível trabalhar a língua portuguesa tanto dentro quanto fora da Internet a fim de implementar a qualidade e o domínio do idioma nos dias de hoje?

JL – A Internet é um recurso poderoso inclusive para o trabalho com línguas, tanto para o português quanto para os idiomas estrangeiros. Suas possibilidades incluem, por exemplo, o acesso a sites e portais especializados em línguas ou literatura e constituem porta de entrada para endereços na web onde predominam o inglês, o espanhol, o francês, o alemão... Tudo isto constitui material de leitura e estudos que nunca antes tivemos para as escolas. Certamente é necessário ter critério para escolher por onde devemos navegar e, neste sentido, sites de instituições estabelecidas e credenciadas como universidades, jornais, estudiosos, empresas, ONGs ou governos são searas mais convenientes. Mas além do estímulo a leitura, o grande trunfo da web é possibilitar aos seus usuários a criação de textos e materiais em áudio ou vídeo que podem ser postados em sites, blogs, fotoblogs, wikis... As escolas, por exemplo, poderiam utilizar estes espaços virtuais para que seus alunos viessem a produzir materiais como pesquisas, poesias, roteiros, descrições, narrativas ou relatos. Estas produções poderiam ser postadas em blogs individuais ou coletivos – das escolas ou das disciplinas – e iriam compor parte do material do curso a ser analisado como bagagem cultural produzida pelos estudantes. Já tive a oportunidade de fazer isto com alunos na universidade e os materiais por eles produzidos se tornaram material que utilizei para a avaliação final dos mesmos [caso queiram conhecer, este trabalho ainda está online no blog Vida em Projetohttp://vidaemprojeto.blogspot.com]. Quanto à leitura extra internet seria imprescindível continuar a desenvolver projetos nas escolas em que os livros fossem disponibilizados e explorados não apenas em disciplinas como português ou literatura, mas também em história, geografia, filosofia, matemática... Estas leituras poderiam virar tema de fóruns virtuais, blogs, enquetes na web, postagens como respostas a atividades propostas nos sites dos professores e das escolas... Seria possível até mesmo criar projetos envolvendo o uso de telefones celulares, tão comuns entre os estudantes, usando como recurso os torpedos... E uma das preocupações dos mestres que passaria a ser cobrada juntamente aos alunos seria a de que não se utilizassem abreviações ou linguagem típica dos comunicadores [MSN, ICQ].

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Obs.: Para saber mais e ter acesso a informações e dados obtidos a partir do contato com outros profissionais, aconselhamos a leitura da revista Língua Portuguesa, edição de fevereiro de 2009, mais informações visite o site da publicação no link http://revistalingua.uol.com.br/.

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