Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Pais que tudo permitem...
Que futuro estão legando para seus filhos?

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O personagem de Antônio Calloni na novela “Caminho das Índias”, de autoria de Glória Perez, apresentada no horário nobre da Rede Globo é um exemplo vivo criado pela dramaturgia daquilo que vem acontecendo no país há pelo menos 20 anos com sensível piora ao longo da última década. Não há mais limites para os filhos de inúmeras famílias de classe média [principalmente] no Brasil. E os responsáveis por este fato lamentável são os pais. Sei que isso irá gerar muitas reclamações e e-mails condenando a veemência com que trago a tona esta afirmação, mas é mais que urgente não só uma reflexão séria sobre o fenômeno como também ações no sentido de trabalhos que permitam chegarmos a respostas práticas quanto a este.

Antônio Calloni, mais uma vez desempenhando com maestria o seu papel, interpreta um advogado de classe média, casado pela segunda vez, pai de três jovens [duas garotas e um jovem] que, a despeito das inúmeras ocorrências praticadas pelo filho e denunciadas por diferentes pessoas e instituições, teima em lhe passar a mão na cabeça em todas elas e defender-lhe ainda que o ocorrido realmente se revele uma falta de média ou séria implicação.

Utiliza da prerrogativa de bacharel em direito, num país em que os advogados ainda se julgam doutores mesmo que não tenham complementado os estudos em tal nível, para adentrar delegacias e escolas e intimidar sob a ameaça de processo qualquer pessoa que em algum momento ponha em risco todas as liberdades por ele concedidas a seu filho.

Para o personagem a lei existe para garantir-lhes direitos individuais mesmo que em detrimento de outras pessoas, agredidas ou vilipendiadas por seu filho e também por seu comportamento arrogante, impulsivo e agressivo. É claro que por se tratar de uma peça de ficção televisiva o que se espera é que com o decorrer da trama de Glória Perez a justiça seja feita e tanto o jovem infrator quanto seu pai venham a pagar por seus erros tão evidentes...

Mas e na vida real? E se pensarmos em casos e mais casos que se avolumam nos arquivos das escolas a demonstrar o descaso, o desrespeito, o desacato e a violência perpetrada por um crescente número de estudantes contra colegas, professores, funcionários e até mesmo contra o patrimônio público ou privado? O que fazer? Que caminhos tomar se os principais parceiros no combate a fenômenos como o bullying ou a depredação de bens, no caso os próprios pais, se tornam coniventes e em defesa dos filhos resolvem virar as costas para a justiça?

A escola por si só é capaz de solucionar tais problemas? Que encargos devem ser assumidos pelos educadores e até que ponto podem atuar se os pais se mostram ausentes ou coniventes com tudo isto?

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Certa vez ouvi o depoimento de um delegado de polícia para um grupo de pais em que o representante da lei ao abordar o assunto assim orientava os pais:

“Se seus filhos cometem erros e vocês não os repreendem e orientam quando ainda crianças a tendência é que eles se sintam cada vez mais livres para novas empreitadas, tentativas e ações em idades mais avançadas, como na adolescência, só que com implicações mais graves. Se também nesta fase os pais fecham os olhos a tudo ou mostram-se coniventes a proteger seus rebentos, a perspectiva futura é ainda pior. Caso nada tenha sido feito nestas faixas etárias, quando jovens e maiores de idade, os corretivos tendem a ser aplicados pela lei, com implicações graves tanto para os filhos quanto para os pais”.

Os termos utilizados pelo delegado não foram tão suaves e nem tampouco o discurso foi exatamente este que apresentei, mas em linhas gerais, a ideia trabalhada neste encontro foi que, caso os pais não participem as necessárias orientações, reprimendas, corretivos e mesmo castigos [obviamente não me refiro neste espaço a agressões físicas] aos filhos no decorrer de seu processo de maturação, iniciando esta prática ainda na infância, a tendência é que tais ações não ocorram de forma suave ou sublimada como seria se feita pelos pais...

A resposta da justiça seria o encarceramento, a abertura de processos judiciais, a inserção de dados no histórico que poderiam afetar o futuro pessoal e profissional do implicado ou ainda outras medidas de tal natureza...

O recente caso envolvendo o megacampeão olímpico da natação, o norte-americano Michael Phelps, flagrado em uma festa universitária a consumir maconha e a divulgação de foto em jornais e na Internet levou a uma retração pública do atleta e ilustra a questão dos limites que temos que estabelecer para que possamos ter o devido reconhecimento e respeito. Ninguém está acima da lei ou do direito individual alheio e, portanto, ao não traçar claras fronteiras entre o que é possível ou não fazer, os pais criam e estimulam a prevalência da ideia de que tudo no mundo é possível, até atos ilícitos que prejudicam outrem.

A situação de Phelps, por exemplo, a despeito de sua retratação, ficou ainda pior com a divulgação da informação de que alguns de seus “representantes” tentaram impedir a publicação da foto dando dinheiro ao jornal que trouxe a notícia a público. Tal ação reforça a ideia de que os erros, quando não conhecidos, não inferem a pessoa que os cometeu nenhum prejuízo [ainda que outros tenham sofrido consequências relativamente a estes]. Enfatiza ainda que o dinheiro pode apagar tais rastros e, literalmente, purificar a pessoa implicada em tais “pecadilhos”...

Para atenuar a responsabilidade dos pais há artigos que retratam comportamentos semelhantes ao do pai personificado por Antônio Calloni em “Caminho das Índias” como resultado de uma liberalização excessiva vivida por estes progenitores que teriam, em suas infâncias ou adolescências, vivido sob a égide de famílias patriarcais tradicionais, daquelas em que tudo o que o pai diz é lei. Outros argumentam que tais ações são respostas a opressão e a coerção vivida no Brasil durante a ditadura militar... As pessoas tenderiam então a radicalizar suas próprias vidas rumo a uma liberdade irresponsável e sem fronteiras...

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Pessoalmente acredito que estas afirmações podem até ter, no fundo [bem lá no fundo] algum fundamento, mas não creio que possamos continuar nos apoiando nestas desculpas esfarrapadas por mais tempo enquanto vemos membros da atual geração de adolescentes e jovens a destruir suas vidas futuras por conta de ações desmedidas e sem limites.

Alguns estudiosos afirmam que o fato dos pais [tanto o pai quanto a mãe] estarem envolvidos com suas carreiras e, portanto, ausentes na formação dos filhos os levam a compensar seus rebentos com benefícios materiais e liberdade extremada. Tendo a pensar que tal afirmação tem mais lógica. Entretanto ainda assim creio que não podemos mais procurar subterfúgios e sim que ao invés de justificativas devemos emendar ações conjuntas.

Neste sentido as escolas podem ajudar e muito. Devem desde o princípio, por exemplo, definir suas regras de funcionamento interno em comum acordo com a comunidade e deixar todos cientes delas. Outra medida de grande valor e utilidade é esclarecer a todos que o papel que compete à escola inclui noções de cidadania, ética e civilidade – porém que estes saberes são complementares ao processo de instrução e escolarização e dependem essencialmente de um trabalho em conjunto com as famílias.

A própria participação dos pais na escola e no acompanhamento dos filhos – não só no que se refere ao rendimento escolar de seus filhos [também isto] – acompanhando o seu processo de inserção social e participação em ações culturais é de grande importância. Outra questão primordial para as escolas é a revisão de seus métodos e processos para que as aulas se tornem mais palatáveis e motivadoras para os educandos. Desta forma podem também ser atenuadas e minoradas situações de conflito ou depredação no ambiente escolar.

Tais ações são prementes e, penso que o debate deve ser ampliado para que todos possam participar opiniões e ações que efetivamente permitam aos membros desta nova geração uma inserção respeitosa, útil e solidária no seio da sociedade.

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