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Brás Cubas e a origem das denúncias Machadianas
Liane Goia de Araújo Marson

No ano em que se comemora o centenário da morte de Machado de Assis, muito se fala sobre o grande escritor, o bruxo do Cosme Velho, que não escreveu para solucionar, mas para complicar. Preocupado em retratar as mazelas, mergulhou no interior das personagens como um psicanalista, trazendo a tona os complexos, dúvidas e ressentimentos do homem: o mínimo e o escondido. Com um olhar profundo e uma capacidade extrema de observação e análise da alma humana, Machado soube, como poucos, retratar a sociedade de sua época, apresentando, de forma universal, o indivíduo que, sendo brasileiro ou estrangeiro, daquela ou desta época, não muda muito o seu comportamento em uma sociedade capitalista.

Em sua obra de estréia do Realismo no Brasil, Memórias póstumas de Brás Cubas, apresenta Brás - um ser riquíssimo psicológico e socialmente que, às vésperas da morte, delira e encontra Pandora, que lhe mostra em desfile os sentimentos humanos por todos os séculos – a inveja, a cobiça, a ambição, a cólera, a raiva e o ciúme, entre tantos outros genuinamente humanos. Conscientizando-se disso é que Brás resolve virar defunto autor, quando se dá conta da mediocridade da vida que levou, flor do esterco que era, e revelar o meio em que viveu. Criado numa atmosfera rutilante de aparências, tendo aprendido que o homem vale pelo modo como as pessoas o vêem, não poderia ser diferente ou superior. Egoísta e acostumado a ter todas as vontades satisfeitas, não hesita em prejudicar relações familiares e, por um simples capricho, ou movido pelos sentimentos dominantes na sociedade medíocre em que viveu, desentende-se com a irmã por causa da herança.

Se o capítulo O Delírio é de extrema importância para compreendermos a obra em que ele se insere, não o é menos para compreendermos a proposta de Machado: a denúncia à sociedade que vive de aparências não vai aparecer somente em Brás Cubas, mas em muitos de seus contos que trazem em seu íntimo uma profunda e acurada análise da alma humana. Histórias como Apólogo, Teoria do Medalhão, O segredo do Bonzo, O espelho, Verba testamentária e muitos outros apresentarão o homem e seu modo de vida aparente, preocupando-se e deixando-se levar pela opinião da sociedade sobre si e suas atitudes, conforme afirmou o pai de Brás Cubas “Olhe que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens”.

Nesse sentido o leitor vai se deparar com um desfile de seres que defendem a teoria acima acreditando veementemente que isso é o mais importante a se fazer em vida, pois, “o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência...”. Entretanto, o escritor redime seu personagem quando, antes de morrer, apresenta um narrador consciente da inutilidade da vida que levou, usando isso como ponto a seu favor uma vez que não tendo se casado, não teve filhos e, conseqüentemente, não transmitiu a nenhuma criatura o legado da miséria humana.

Não é à-toa que Machado é lido em muitos países, pois a universalidade de sua obra transcende os limites temporais, regionais e lingüísticos e mostram ao homem de qualquer lugar e qualquer época como ele é e sempre será, a menos que resolvamos mudar essa visão pessimista do grande pessimista social.

Liane Goia de Araújo Marson é professora de Literatura brasileira e portuguesa do Curso Pré-Vestibular Anglo Cassiano Ricardo de Taubaté, SP.

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