A Semana - Opiniões
Recuperação Escolar
Qual a efetividade deste procedimento?
Todos os anos, entre o final de novembro e os primeiros dias de dezembro, as escolas brasileiras entram em período de recuperação. Durante aproximadamente 10 dias os alunos que tiveram rendimento abaixo das médias previstas têm um curso intensivo durante o qual devem recordar e estudar novamente os pontos mais importantes das disciplinas nas quais não conseguiram atingir os resultados esperados.
Qual a efetividade deste procedimento? A recuperação escolar propicia ganhos reais para o aprendizado dos alunos? Como os professores operacionalizam o trabalho da recuperação? Em poucos dias é possível rever tantos conteúdos juntamente a alunos que tiveram dificuldades e atingir resultados satisfatórios? O que se ensina e se avalia neste período?
Normalmente os professores procuram privilegiar os conteúdos que consideram mais importantes dentre todos aqueles que foram trabalhados ao longo do ano letivo. Há algumas escolas em que se apregoa que na recuperação toda a matéria do ano letivo será cobrada na recuperação... Considerando-se que o período de tempo previsto para estes estudos é bastante reduzido, é impraticável para qualquer professor conseguir realizar esta proeza.
Além disso, em se considerando as dificuldades apresentadas pelos alunos que estão em recuperação, a adoção de um programa completo, com todos os conteúdos trabalhados ao longo do ano letivo, complicaria em demasia a vida dos estudantes e em nada melhoraria os seus conhecimentos. Aliás, mesmo com os professores privilegiando os conteúdos que consideram mais importantes, ainda assim a efetividade do processo de recuperação continua em xeque...
Algumas redes de ensino públicas e particulares utilizam-se do processo de recuperação bimestral ou semestral. Ao invés de concentrarem toda a carga de estudos [o que acaba acarretando um nível de stress emocional maior sobre os alunos] somente no final do ano, estas escolas adotam o processo de recuperação escolar em duas ou quatro etapas anuais.
Dessa forma acabam diluindo o processo e concentrando os estudos em menor quantidade de conteúdos. Com isso se oferece aos estudantes reais possibilidades de rever, tirar dúvidas e aprender o que ainda não haviam conseguido durante o período letivo regular. Normalmente este procedimento acarreta aulas adicionais em períodos alternativos, ou seja, se o estudante tem aulas à tarde terá a recuperação de manhã, se freqüenta o curso pela manhã terá este reforço à tarde.
É uma alternativa que tem se provado mais eficiente, mas que, mesmo assim, ainda demonstra lacunas e problemas. A questão central não pode ser resolvida simplesmente com a alteração do cronograma do processo de recuperação escolar. Esta modificação auxilia o processo de ensino-aprendizagem ao proporcionar ao aluno mais oportunidades de rever os conteúdos em que apresentou dificuldades e, também, de trabalhá-los mais proximamente aos meses e semanas em que os referidos saberes foram apresentados em sala de aula.
O problema principal então, qual é? Se a reordenação temporal do processo de recuperação escolar não soluciona a questão, onde está o X da questão? A dificuldade maior reside no fato da recuperação ocorrer de forma rápida, sem a necessária preocupação tanto por parte dos educadores [professores e gestores] quanto dos alunos [e de seus pais]. O processo de ensino-aprendizagem não é [normalmente] pensado e adaptado para a situação e contexto da recuperação e sim, apenas um momento em que toda aquela carga de conteúdos é retrabalhada com os alunos que apresentaram dificuldades da mesma forma como haviam sido anteriormente apresentados em sala de aula.
A vantagem teórica residiria no fato de que há menos alunos em sala na recuperação do que no período letivo regular. Isto é fato, no entanto nos últimos anos, com o expressivo aumento de alunos desinteressados ou com problemas de aprendizagem [surgidos a partir da formação deficiente em anos anteriores] tem aumentado a quantidade de estudantes em recuperação. Mesmo sabendo-se que nem todos [felizmente] entram em recuperação, este dado [menor quantidade de alunos em sala de aula] não chega a ser vantagem se os procedimentos didáticos continuam os mesmos de antes ou se, pior ainda, os professores não derem a devida atenção que os processos de recuperação demandam...
E o que quero dizer quando falo da necessidade de alterar os procedimentos didáticos para as aulas da recuperação? Da necessidade de se considerar que os alunos que estão em recuperação não aprenderam ou apresentaram enormes dificuldades quando confrontados com os procedimentos regularmente adotados em sala de aula e que, por conseguinte, é de fundamental importância adotar outros procedimentos.
Mas que procedimentos? Creio que inicialmente os professores devem se colocar à proposta de visualizar os procedimentos que usam de forma cotidiana e buscar alternativas as dinâmicas e estratégias que utilizam. Por exemplo, explicações na lousa, com a apresentação de questionários ou exercícios de fixação e o envio de tarefas para casa constituem o trabalho básico de um determinado professor de português, matemática ou geografia. Perceber os seus procedimentos e entender que eles não estão sendo efetivos para 30 ou 40% dos alunos, justamente estes que irão para a recuperação, é o primeiro passo.
A seguir é preciso buscar juntamente a colegas ou através de pesquisas, outras formas de organizar a explanação, a conceituação e as atividades a serem realizadas com os conteúdos selecionados para a recuperação. Uma forma alternativa de trabalho que poderia ser aplicada não apenas na recuperação seria a utilização de jogos, projetos interativos, atividades que fossem constituídas como disputas, leituras e pesquisas através da Internet.
Isso demandaria, é claro, planejamento e trabalho árduo tanto dos professores quanto dos alunos, mas o fato de se utilizarem plataformas diferenciadas e lúdicas através da web entre os alunos propiciaria maior interesse e disposição a participação. Significa dizer que as aulas presenciais perderiam o sentido e se tornariam desnecessárias? Não, em absoluto. As aulas presenciais serviriam para tirar dúvidas, organizar ações e explicar procedimentos das atividades online, sentar individualmente com cada estudante para orientar e esclarecer conteúdos considerados mais difíceis...
Organizando-se desta forma os professores poderiam igualmente ter os registros de acesso e resposta as atividades propostas online que seriam impressos e anexados ao prontuário de cada aluno que estivesse em recuperação. As proposições na web fariam com que os estudantes necessariamente assumissem o compromisso de estudos fora do âmbito da escola e, dessa forma, as possibilidades de aprendizagem seriam maiores.
Claro que esta é apenas uma sugestão, cabem também inúmeras outras possibilidades que dispensariam o uso das tecnologias. O importante é que a recuperação seja repensada e assumida como um dos grandes desafios da educação. O essencial é que os educadores assumam o compromisso de fazer com que o processo de recuperação seja reorganizado para que se torne ferramenta eficaz no combate as dificuldades e problemas verificados na aprendizagem dos conteúdos previstos para cada ano escolar.
Isto significa, na prática, rever e ampliar os períodos de recuperação previstos no calendário escolar, ao invés de realizá-los apenas no apagar das luzes, em novembro e dezembro, o ideal é que as revisões e o apoio aos alunos com dúvidas e dificuldades sejam feitos ao longo de todo o ano; realizar planejamentos prevendo a alteração de procedimentos didáticos que não se mostraram efetivos [adotando outras estratégias e ferramentas]; e trabalhar em equipe para contar com o apoio dos demais professores no sentido de obter mais informações e dados sobre procedimentos pedagógicos bem-sucedidos utilizados por colegas e também para saber mais sobre os alunos da recuperação em outras disciplinas.