Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Formação universitária deficiente
A raiz dos males educacionais brasileiros

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“Revista Veja - Sua pesquisa mostra que as faculdades de pedagogia estão na raiz do mau ensino nas escolas brasileiras. Como?
Eunice Durham - As faculdades de pedagogia formam professores incapazes de fazer o básico, entrar na sala de aula e ensinar a matéria. Mais grave ainda, muitos desses profissionais revelam limitações elementares: não conseguem escrever sem cometer erros de ortografia simples nem expor conceitos científicos de média complexidade. Chegam aos cursos de pedagogia com deficiências pedestres e saem de lá sem ter se livrado delas. Minha pesquisa aponta as causas. A primeira, sem dúvida, é a mentalidade da universidade, que supervaloriza a teoria e menospreza a prática. Segundo essa corrente acadêmica em vigor, o trabalho concreto em sala de aula é inferior a reflexões supostamente mais nobres.” [Fábricas de maus professores. Entrevista da Antropóloga e Pesquisadora em Educação Eunice Durham, a Revista Veja – Edição 2088 – 26/11/08]

        Para os céticos que imediatamente irão argumentar que mais um profissional de outra área está falando de educação sem conhecimento de causa, é bom saber que a antropóloga Eunice Durham atuou como Secretária de Política Educacional do MEC na administração de Fernando Henrique Cardoso, é professora da Universidade de São Paulo há 50 anos e realiza pesquisas na área de educação e políticas públicas.

        Na busca por uma educação de qualidade tem focado seus esforços na análise de dados e informações coletados cientificamente que, de forma objetiva, permitam clareza quanto a real situação da educação no país. Nesse sentido suas apreciações quanto à formação do professor brasileiro são mais do que bem-vindas, no atual estágio da educação nacional, são deveras importantes.

        A formação focada em teoria e pouco preocupada com a prática, constatada pela professora Eunice Durham não é fruto de ações recentes do MEC e das universidades e faculdades que formam professores pelo Brasil afora. Historicamente falando, é importante lembrarmos que as bases operacionais dos cursos de graduação em nosso país, em especial na área de humanidades, têm forte ligação com o ideário europeu, mais especificamente francês. Os primeiros profissionais que trabalharam na Universidade de São Paulo [USP], por exemplo, eram originários de instituições francesas de estudo e pesquisa em nível universitário.

        Nada de errado até aí, afinal de contas eram profissionais de altíssimo gabarito daquela que é considerada uma das nações culturalmente mais avançadas. O problema reside no fato de que desde o princípio – não no caso específico da USP, que sempre foi e contínua sendo a mais prestigiosa instituição universitária do país – prezou-se o estudo das teorias, a criação de dissertações e teses que analisavam e interpretavam obras européias, a adaptação de fórmulas e idéias dos grandes pensadores europeus ao nosso contexto e, pouco ou nada se fez de concreto quanto à necessidade de tornar o que era apenas teoria em prática nas escolas brasileiras.

        Se não bastasse isso, também somos herdeiros de uma tradição cultural, a portuguesa, nobiliárquica e pouco afeita ao trabalho físico, prático – que entre nós ficou durante séculos nas mãos de serviçais – inicialmente os escravos negros e/ou indígenas e, posteriormente, tornou-se responsabilidade da parcela da população excluída, pobre e não escolarizada.

Entre nós, principalmente a partir da chegada da Família Real Portuguesa ao país em 1808, a elite pautou sua vida a partir dos modelos da nobreza européia luso-francesa e, quando demonstrou alguma ação dissonante desse padrão - como nos casos do Marquês de Pombal [mais afinado com a dinâmica de ação e trabalho dos ingleses, já inseridos numa lógica capitalista-industrialista] ou do Visconde de Mauá [que em pleno século XVIII tornou-se um dos mais ricos cidadãos do planeta e depois, em virtude da falta de incentivo governamental acabou falindo], não teve apoio para realizar suas empreitadas.

        Pode-se dizer que tanto num caso [surgimento das universidades brasileiras no século XX] como no outro [Chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil], o país avançou, ou seja, melhorou consideravelmente em relação ao que era anteriormente. Isto é fato, mas não é o ponto que estamos apreciando no presente editorial. É notório o crescimento do país após a abertura dos portos, a vinda da missão francesa, os investimentos em cultura, o surgimento da imprensa régia, a elevação da colônia a reino e as demais ações políticas empreendidas por D. João durante sua estadia em território brasileiro. Igualmente relevante é saber que depois da USP surgiram outras instituições universitárias de notórios trabalhos para a nação, tanto na formação de profissionais quanto na elaboração de inúmeros projetos de destaque no Brasil e também fora do país.
       
        O que a pesquisa de Eunice Durham revela é o traço oculto de uma cultura estabelecida desde os tempos de D. João VI e, mais recentemente, a partir do surgimento das primeiras universidades brasileiras – em especial em humanidades, ou seja, o fato de que o brasileiro que estuda, se forma e atua profissionalmente na área, pensa o seu trabalho como sendo “intelectual” e não se preocupa em aperfeiçoar suas práticas e dinâmicas ou ainda que despreza ou faz pouco caso da necessidade de se apropriar e utilizar de outros meios e recursos para ensinar.

        Mais grave ainda é a constatação de Durham quanto ao fato de que nem ao menos o trabalho “intelectual” está sendo realizado de forma adequada. Os cursos de formação de professores não abrem o leque, ou seja, concentram seus esforços em linhas de pensamento esquerdistas e permitem que se carreguem ao longo da graduação os erros e problemas provenientes das etapas anteriores de formação [Ensino Fundamental e Médio] ocasionando o surgimento de profissionais que escrevem mal, lêem pouco e, no final das contas, em sala de aula, apenas reproduzem discursos...

        Para piorar, ainda de acordo com o depoimento de Eunice Durham, depois de formados, estes profissionais atuam de forma corporativista, utilizando-se dos sindicatos, para justificar os pífios resultados da educação brasileira como responsabilidade de outrem. Culpam o governo [que, segundo este discurso corporativista, lhes paga pouco, não dá formação adequada, não oferece condições adequadas de trabalho...], as famílias [que não educam os filhos em casa para o estudo, o comprometimento, a responsabilidade e a disciplina] ou ainda os próprios alunos [descomprometidos, indisciplinados, alienados].

        Não há, portanto, nem a necessária mea culpa... Não se pretende com isso atribuir aos professores à responsabilidade única e exclusiva pelo sistema educacional precário do Brasil. Apenas alertar para o fato de que também os profissionais da educação são responsáveis e que, por isso, devem realizar um exame crítico das condições de seu trabalho, inclusive das suas atribuições, cobrar melhorias por parte dos governos, incentivar maior participação das famílias, motivar os alunos...

        E que, é imprescindível entre estas ações, que os professores e os estudantes de pedagogia e licenciaturas se mobilizem para fazer com que os cursos de formação na área, consigam conciliar o estudo das teorias com ações relacionadas diretamente à prática de ensino, ao cotidiano das escolas, ao funcionamento de toda a estrutura de ensino. Cabe aos professores e ao MEC tal responsabilidade, inclusive no que tange ao compromisso de invalidar e inviabilizar o surgimento de cursos na área que não tenham esse compromisso. Caso isso não aconteça, é pouco provável que a educação no país melhore de fato.

        Não é tarefa fácil, na realidade é bastante espinhosa e diz respeito a mudança não apenas da estrutura e do currículo dos cursos de formação de professores o que se almeja... O que é necessário é uma alteração no modo de pensar e agir, o que infere modificações na cultura dominante e nos colocam em confronto com formas de pensar estabelecidas no país desde D. João VI ou até mesmo antes disso...

        O que se pretende é a concretização de um processo formativo em graduação dos novos pedagogos e licenciados em história, matemática, física, letras e demais cursos que lhes permitam maior objetividade, capacidade de ação, compreensão das bases práticas operacionais de sua atividade profissional, amplitude quanto aos conteúdos que irão trabalhar, conhecimento da legislação educacional, plena condição de comunicação oral e escrita, entendimento e possibilidade de escolha e aplicação das diferentes teorias educacionais, abertura para a incorporação de novas técnicas e recursos para o trabalho em educação e o espírito do eterno aprendente, ou seja, aquele que sempre sabe ter algo mais para conhecer, entender, incorporar aos seus saberes...

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