Cinema na Educação
Cartas da Mãe
Porta Curtas Petrobras - Direção de Fernando Kinas e Marina Willer
São José dos Campos, 06 de Novembro de 2008
Mãe,
Já faz tempo que li “Henfil na China”, mas parece que foi ontem. Acabei de ver um curta-metragem cujo título é “Cartas da Mãe” e conta um pouco da história deste brasileiro, o Henfil, que foi embora muito cedo e que, apesar disso, deixou para trás uma lição de otimismo, de alegria e de luta. Eram outros tempos. Era outro Brasil. As pessoas pareciam ter motivos para lutar, viver, acreditar, amar, rir e chorar...
Hoje, estamos vivendo uma globalização que nos faz esquecer quem somos, quais são nossas raízes, quem são nossos amigos e parentes, para onde queremos realmente ir... Perdemos o rumo em algum lugar do caminho, em algum momento da história... Percebi isso ouvindo as declarações que intercalam as belas e engraçadas cartas lidas pelo Abujamra e que nos colocam em contato com o Henfil que não conhecemos, aquele que é mais que humorista - é filho, é irmão, é brasileiro, é esquerdista, é cartunista, é marido, é pai...
Gente como Luís Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura, Angeli, Laerte e até o Lula falam do Henfil como amigos, com carinho e reconhecimento. Revelam uma pessoa preocupada com os rumos de um país abalado pela ditadura, no qual as greves eram proibidas, em que os amigos iam para a cadeia simplesmente porque teimavam em expressar livremente seus pensamentos...
Mas preocupação não era somente o que vivia esse brasileiro, falecido prematuramente aos 43 anos... Henfil queria mais do que simplesmente se mostrar solidário, dando o ombro amigo ou concedendo tempo para escutar quem quer que fosse... Ele queria que fôssemos à luta, que arregaçássemos as mangas, que fizéssemos passeatas e greves, que pelejássemos pela nossa liberdade e felicidade...
Emocionou-me ouvir as palavras de carinho do cartunista sobre os irmãos - especialmente o Betinho - a devoção pelos pais, amigos, esposa e filhos. E isto não foi só impressão, todos os que se referiram a ele reiteraram esta e outras qualidades. Também sinto saudades de todos e dos encontros que nos fazem rir, trocar, crescer, chorar, pedir colo, falar sobre os sonhos e as realizações... Tenho vocês todos, assim como cada amigo, em minhas orações.
Os tempos são outros e, se já não vivemos com a aparente mordaça da ditadura, não deixamos de ser silenciados e anestesiados... Henfil nos diz em uma de suas cartas à mãe que o pessimismo tinha tomado conta do país, conforme pesquisa divulgada nos jornais da época e que, este sentimento acabava nocauteando os brasileiros e os tornando inertes e incapazes de se rebelar, de amar, de viver, de rir ou de chorar...
Se naquela época todos percebíamos o quanto o “cálice” [para lembrar o Chico] era nefasto e nocivo, hoje nem parecemos perceber que existem mordaças e, se não sabemos que elas estão sendo colocadas sobre nossas bocas, como reagir? Como lutar? No começo do curta-metragem, ele diz na carta para mãe que os dubladores estavam em greve e que este fato era mais que justo, mas que depois que os filmes começaram a ser dublados no país, nunca mais pudemos saber ao certo qual era a voz do Kojak, do Baretta ou das Panteras... E arremata o raciocínio nos alertando para o fato de que a ditadura também não nos permitia soltar a voz, nos fazer reconhecer pelos outros, pelo Brasil ou pelo mundo... Não é também isto que está acontecendo agora, só que de forma mais sutil?
É, todas essas memórias só me fizeram lembrar o quanto era afiado o humor do Henfil e, mais que suas tiras ou textos, me fez ter orgulho de alguém que não era só um profissional fora de série, mas um brasileiro para ser sempre lembrado, curtido, lido...
Obs.: Mãe, assista o filme, é imperdível e, assim fazendo, poderá comprovar o que lhe disse nesta carta. O documentário está no Porta-Curtas e há um link para ele no Planeta Educação, logo depois do que eu acabei de escrever...
Por João Luís de Almeida Machado, que ainda garoto leu e se deliciou com “Henfil na China [Antes da Coca-Cola]” e escutou os deliciosos versos da música “O Bêbado e a Equilibrista” em que se falava da “volta do irmão do Henfil”, na esperança de dias melhores...