Aprender com as Diferenças
Deficiência Intelectual e Inclusão
Romeu Kazumi Sassaki
Romeu Kazumi Sassaki é consultor e autor de livros de inclusão social, e-mail: romeukf@uol.com.br
Publicado em duas partes na Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 54 (p. 8-11, jan./fev.2007) e n. 55 (p. 8-10, mar./abr.2007)
Com o rápido avanço na implementação de princípios e valores inclusivos em um número cada vez maior de sistemas sociais, como conseqüência direta da mudança de atitudes em relação à diversidade humana, estamos constatando transformações significativas até em nomes de organizações tradicionais mundialmente famosas.
Este é o caso da AAMR, sigla conhecidíssima nos círculos profissionais e familiares que lidam diariamente com pessoas que têm deficiência intelectual. A sigla era da American Association on Mental Retardation, literalmente Associação Americana de Deficiência Mental. Fundada em 1876, a AAMR é a mais antiga organização do mundo no campo da deficiência intelectual.
Pois, oficialmente, a partir do dia 1° de janeiro de 2007, esta sigla deixou de existir e em seu lugar surgiu a nova sigla: AAIDD, significando American Association on Intellectual and Developmental Disabilities. Em tradução livre para o português, o novo nome é: Associação Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento. E pelas normas de grafia de siglas, a nova sigla em português é: AAdid.
A adoção do novo nome e da nova sigla não foi um processo fácil nem breve, num país que tinha em 2006, dentro de sua população, perto de 8 milhões de habitantes com deficiência intelectual. Aproximadamente 30 milhões de pessoas (ou uma em cada 10 famílias americanas) estão e/ou serão diretamente relacionados a uma pessoa com deficiência intelectual.
Quando toda uma cultura centenária, através de falas, filmes, peças teatrais, obras literárias, livros técnicos, revistas especializadas etc., ainda usava o termo “deficiência mental” – tendo já superado outros termos (idiotia, imbecilidade, oligofrenia, subnormalidade, retardo mental, retardamento mental) -, a Medicina, a Psicologia e a Neurociência abriram as fronteiras do conhecimento sobre o fenômeno do déficit cognitivo, permitindo que profissionais e familiares mais bem informados começassem a recomendar a adoção do termo “deficiência intelectual”. O novo entendimento aponta para o fato de que o déficit cognitivo não está na mente como um todo e sim numa parte dela, o intelecto.
A mudança do nome foi aprovada em 2006 após longos debates que culminaram em votações dentro da então AAMR. Em parte, este processo foi pressionado por um movimento mundial em prol da mudança do termo e do nome, passando de “deficiência mental” para “deficiência intelectual”, como várias organizações americanas e de outros países já haviam feito. Por exemplo: Em 2002, a Confederação Espanhola de Organizações para Pessoas com Deficiência Mental substituiu a palavra “Mental” por “Intelectual. Em 2003, nos Estados Unidos, o então Comitê Presidencial de Deficiência Mental passou a ser Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência Intelectual, e a Associação Internacional para o Estudo Científico da Deficiência Mental substituiu a palavra “Mental” por “Intelectual”.
E, em 2004, a Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde aprovaram a Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual.
As votações
Para decidir sobre [1] Mudar o nome e [2] Adotar um novo nome, a então AAMR convocou eleições entre seus membros. Foram recebidos 1.627 votos, assim agrupados:
Primeira questão: Mudar ou não mudar o nome da AAMR? |
|
Mudar |
1.329 (81,68%) |
Não mudar |
270 (16,60%) |
Indefinidos |
28 (1,72%) |
Passou-se, então, para a votação de um novo nome. Na primeira tentativa, constatou-se a seguinte votação:
Segunda questão: Marcar 1, 2 ou 3 nos três novos nomes propostos. Os nomes marcados com 1 foram assim tabulados: |
|
American Association on Intellectual and Developmental Disabilities |
649 (49%) |
American Association on Developmental Disabilities |
482 (37%) |
American Association on Intellectual Disability |
190 (14%) |
Embora este resultado pareça indicar uma preferência clara, nenhuma das três escolhas recebeu porcentagem majoritária (pelo menos metade mais um por cento). Portanto, aplicando o procedimento Ware de contar votos, uma nova contagem foi feita, que considerou a segunda escolha dos votantes tendo “American Association on Intellectual Disability” como sua primeira escolha e eliminou este nome de outras contagens. Isto produziu o seguinte resultado final:
American Association on Intellectual and Developmental Disabilities |
723 (58.5%) |
American Association on Developmental Disabilities |
513 (41.5%) |
Venceu, por conseguinte, o nome “American Association on Intellectual and Developmental Disabilities” (AAIDD), que passou a substituir o tradicional “American Association on Mental Retardation” (AAMR).
Anúncio oficial
Em 2/11/06, a AAIDD divulgou o novo nome através do seu boletim, cuja editora-chefe Anna Prabhala assinou o seguinte texto:
A Mais Antiga Organização do Mundo em Deficiência Intelectual tem um Novo, Progressista, Nome: A mudança de nome da AAMR recebe aplausos da comunidade profissional e das pessoas com deficiência de desenvolvimento
Washington, DC (2 de novembro de 2006) - A American Association on Mental Retardation (AAMR), uma associação com 130 anos de existência, representando profissionais da deficiência de desenvolvimento no mundo todo, mudou seu nome para American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), estabelecendo um novo padrão em terminologia da deficiência e abrindo caminho para um modo mais aceitável, socialmente, para se referir a pessoas com deficiência intelectual. A AAIDD é indiscutivelmente melhor conhecida por haver definido oficialmente a condição da deficiência mental para o mundo e também por sua bem sucedida defensoria na eliminação da pena de morte para condenados com esta condição nos Estados Unidos. O novo nome entra em vigor no dia 1° de janeiro de 2007.
“Este novo nome é uma idéia cujo tempo chegou”, diz Doreen Croser, diretora-executiva da AAIDD. "Pessoas com deficiência intelectual e membros de sua família não gostam do termo ‘deficiência mental’ e seus defensores estão incentivando mudanças políticas e sociais nos níveis nacional, estadual e municipal. Nossos membros exigiram que nós acompanhemos os tempos e eles votaram a favor da mudança de nome.” Os membros da AAIDD são compostos por professores universitários, pesquisadores e profissionais que atendem pessoas com deficiência intelectual em locais como residências assistidas, instituições, escolas, hospitais, clínicas particulares, faculdades e centros universitários.
O nome da AAIDD tem sido uma continua fonte de discussão na comunidade que lida com deficiências. Embora o termo ‘deficiência mental’ (DM) seja amplamente percebido como uma condição que existe, foi também reconhecido que o termo é propenso ao abuso, à interpretação errônea, e foi convertido em um insulto, especialmente para pessoas com deficiência e seus familiares. Além disso, o nome AAMR era percebido que não estava em sintonia com a progressista orientação de informações, produtos e serviços oferecidos pela Associação.
O aplauso da comunidade de pessoas com deficiência foi unânime assim que a mudança de nome foi anunciada. “Ao retirar ‘DM’ do nome, estabelecemos um precedente para ele ser banido das salas de aula, dos consultórios médicos, dos registros de casos e, eventualmente, do vocabulário do povo nas ruas”, diz Amy Walker, do Illinois Voices (Vozes de Illinois), um grupo que atua em apoio às pessoas com deficiência intelectual no âmbito do Estado de Illinois.
Hank Bersani, atual Presidente da AAIDD, explica: “A deficiência intelectual é um termo mais preciso e moderno, e também está em conformidade com a terminologia utilizada no Canadá e na Europa. Nós queremos ficar longe do uso da palavra ‘retardo’ (ou ‘retardamento’) e, ao mesmo tempo, permitir que educadores e outros profissionais descrevam acuradamente as necessidades das pessoas que eles atendem. Mais ainda, com o novo nome, estamos relembrando aos nossos membros e ao público que a nossa missão tem, há bastante tempo, incluído pessoas com várias formas de deficiência de desenvolvimento uma vez que certas condições, como as síndromes do autismo e de Down, freqüentemente co-existem com a deficiência intelectual.
Apesar de termos um novo nome, a principal missão da Associação permanece a mesma: promover políticas progressistas, sólidas pesquisas, práticas efetivas e direitos universais para pessoas com deficiências intelectual e de desenvolvimento. A Associação mudou seu nome quatro vezes desde a sua criação em 1876. O nome American Association on Mental Retardation (AAMR) foi adotado em 1987.
Além de trabalhar definições e do seu trabalho de defensoria, a então AAMR tornou-se conhecida pelas suas revistas American Journal on Mental Retardation e Mental Retardation. Em anos mais recentes, a AAIDD foi aclamada pelo produto Supports Intensity Scale (Escala de Intensidade de Apoios), uma ferramenta de planejamento que empodera pessoas com deficiência intelectual para desfrutar uma vida ideal obtida através de serviços baseados nas necessidades individuais, não em déficits.
American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, 444 North Capitol Street, NW, Suite 846, Washington, DC, 20001-1512, Voice 202-387-1968, Fax 202-387-2137, website www.aamr.org.
Boas-vindas à AAIDD
O Presidente Hank Bersani Jr., da AAIDD, dá as boas-vindas e anuncia que, nas próximas semanas, a AAIDD mudará sua logomarca, o endereço do website e os e-mails. Mas assegura que uma coisa não mudou: a missão, cuja declaração já utilizava o termo “deficiência intelectual” há vários anos.
Princípios da AAIDD
A Associação adotou 13 princípios para cumprir a sua missão:
As metas especificam de que forma as diretrizes políticas gerais da missão da AAIDD serão cumpridas:
Direitos
Jean Tuller, do Massachusetts Department of Intellectual Disability, responde a seguinte pergunta referente aos direitos das pessoas com deficiência intelectual:
Pergunta: As pessoas com deficiência intelectual têm direitos e elas sempre tiveram os mesmos direitos que as demais pessoas?
Resposta: As pessoas com deficiência intelectual, como os outros cidadãos, têm uma ampla gama de proteções da lei, as quais precisam ser reconhecidas e cumpridas. Houve uma longa história de opressão e negligência insensível para com a vida das pessoas com deficiência intelectual. Esta tradição, juntamente com a pressão da sociedade para desvalorizar pessoas com deficiência intelectual, tornam indispensável que os profissionais responsáveis pelos apoios e cuidados estejam atentos aos crescentes riscos a que as pessoas com deficiência intelectual continuam expostas. Eles precisam estar especialmente vigilantes para proteger a autonomia e o direito à igual proteção da lei das pessoas com deficiência intelectual.
Em uma palavra, todas as mudanças efetuadas pela AAIDD refletem que ela aceita e valoriza o paradigma da inclusão social, trazendo à tona - mediante terminologias mais adequadas aos tempos atuais - a verdadeira imagem, os direitos, a dignidade e as competências das pessoas com deficiência intelectual com o objetivo maior de garantir-lhes participação plena, compartilhada junto aos demais cidadãos em todos os aspectos da vida.
REVISTA COM NOVO NOME
Uma das mais antigas revistas especializadas em deficiência intelectual do mundo (“Mental Retardation”) mudou de nome para Intellectual and Developmental Disabilities. A mudança foi anunciada, em março de 2007, pela Associação Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento (AAIDD), que até 31/12/06 se chamava Associação Americana de Deficiência Mental (AAMR).
COMITÊ PRESIDENCIAL MUDA DE NOME
Em 25/7/03, o Comitê Presidencial de Deficiência Mental, criado em 1966 por Lyndon B. Johnson, mudou seu nome para Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência Intelectual, através da Ordem Executiva n. 12.994, assinada pelo Presidente George W. Bush em comemoração ao 13° aniversário da Lei dos Americanos com Deficiência (ADA 1990). A foto, tirada no dia 26 de julho de 2003, mostra o momento em que foi assinada a Ordem Executiva.
Desde o início de suas atividades, o Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência Intelectual vem cumprindo uma de suas tarefas, que é a de melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual a fim de promover independência, autodeterminação e plena participação como membros produtivos da sociedade. Estes objetivos incluem a garantia dos direitos de cidadania, a redução da ocorrência da deficiência intelectual, a diminuição da severidade da deficiência intelectual e a promoção de programas e serviços avançados e a produção de tecnologias assistivas a fim de melhorar situação das pessoas com deficiência intelectual.
EMPREGO E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Segundo estimativas do Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência Intelectual, cerca de 90% de todas as pessoas com deficiência intelectual nos EUA, em idade de trabalhar, estão desempregados. E a maioria deles tem capacidade para trabalhar e gerar renda, o que lhe permitiria contribuir com impostos e reduzir sua dependência em auxílios governamentais. Acima de tudo, se estivessem trabalhando, estas pessoas poderiam aumentar seu senso de valor próprio.
Um dado a lamentar é que a maioria dos poucos adultos com deficiência intelectual, que estão hoje empregados, exerce funções temporárias ou de meio-período. Muitos deles recebem remuneração abaixo do salário mínimo e não conseguem, por exemplo, abrir contas bancárias.
Por sua vez, existem pais e outros membros da família que não se sentem motivados a abrir contas bancárias em nome de seus filhos com deficiência intelectual. Isto ocorre porque alguns programas de benefícios governamentais limitam a participação de pessoas com deficiência intelectual sob a alegação da natureza da deficiência.
CÍRCULO VICIOSO DA POBREZA
O Comitê Presidencial entende que um dos mais significativos problemas é que muitas das pessoas com deficiência intelectual precisam ser pobres e permanecer pobres a fim de receber cuidados de saúde e outros serviços que elas necessitam. Por exemplo, mais de um milhão de pessoas com deficiência intelectual é dependente de benefícios governamentais para sobreviver e do Medicaid para cuidar de sua saúde.
O Comitê alerta que estes programas criam um círculo vicioso porque limitam a renda que uma pessoa pode ter sem perder a elegibilidade. Tais políticas isolam as pessoas que deveriam ser assistidas, portanto não são boas políticas. Uma boa política proveria meios para economizar e planejar de tal forma que as pessoas possam reduzir ou mesmo eliminar sua dependência nestes programas.
PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE GOVERNAMENTAL
Todas as recomendações emitidas pelo Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência Intelectual são baseadas nos seguintes princípios:
TECNOLOGIA E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
A tecnologia e o acesso à informação desempenham um papel central na vida de todas as pessoas, com ou sem deficiência intelectual. A aplicação da tecnologia é fator vital para a educação, o trabalho, a vida independente e a inclusão na sociedade. Portanto, são imprescindíveis os recursos financeiros governamentais destinados à tecnologia, bem como o seu acesso e sua disponibilidade às pessoas com deficiência intelectual.
A seguinte entrevista foi concedida pelo Dr. Michael Wehmeyer, professor associado de Educação Especial na Universidade de Kansas e especialista em “Educação de alunos com deficiência intelectual. Foi publicada em 2003 pela então AAMR (hoje AAIDD).
Dr. Michael Wehmeyer
AAIDD: Qual foi um dos maiores avanços em tecnologia na área da deficiência intelectual em 2002?
Dr. Wehmeyer: Um dos maiores avanços na tecnologia na área da deficiência intelectual e da deficiência de desenvolvimento em 2002 foi o surgimento do computador do tipo palmtop com software especialmente projetado para uso das pessoas com deficiência intelectual. Os computadores palmtop apresentam várias vantagens para seus usuários, tanto aos que têm deficiência intelectual quanto a qualquer outra pessoa. Eles são portáteis, relativamente baratos e socialmente desejáveis. Eles funcionam usando tecnologias “toque-na-tela”, assim eliminando problemas de acesso cognitivo em relação ao uso do mouse ou do teclado. Embora os computadores palmtop existam há vários anos, foi só em 2002 que ocorreram grandes avanços em termos de acessibilidade nos sistemas operacionais e em softwares para facilitar o seu uso para pessoas com deficiência intelectual nas seguintes áreas: Marcação de compromissos, gerência de tempo, realização de tarefas e tomada de decisão, entre outras.
AAIDD: Qual tem sido, de um modo geral, o impacto do computador palmtop no campo da deficiência intelectual?
Dr. Wehmeyer: Diferentemente de outras tecnologias, houve uma transição relativamente rápida da pesquisa e criação teórica para a prática da tecnologia palmtop. Os palmtops têm o potencial de oferecer suporte às pessoas com deficiência intelectual em uma ampla gama de ambientes e atividades na comunidade. Com a disponibilização crescente das tecnologias de câmeras digitais, os programas podem ser personalizados, a um custo mínimo, para propiciar atividades específicas nas áreas de emprego, vida diária e outras.
AAIDD: O que podemos esperar das tecnologias a partir de 2003?
Dr. Wehmeyer: Em 2003 e além, podemos esperar ver a fusão das tecnologias em computadores palmtop com outras tecnologias que estão se desenvolvendo rapidamente. À medida que as tecnologias wireless (sem fio) progridem, será viável o desenvolvimento de softwares para acesso sem fio a e-mails e outros ambientes da internet. Além disso, haverá fusão das tecnologias em computadores palmtop com a capacidade expandida das tecnologias de telefones celulares para incorporar o acesso sem fio à internet, os dados do GPS (localizador global por satélite), a transmissão de imagens digitais etc., tudo isto resultando no desenvolvimento de tecnologias portáteis e econômicas que incorporarão todas aquelas tecnologias que, por sua vez, propiciarão mais opções e oportunidades para se projetar suportes para pessoas com deficiência intelectual.
Nota: O Dr. Wehmeyer agradece a Dan Davies e Steve Stock, da empresa AbleLink Technologies, pela colaboração prestada nesta entrevista. O e-mail do Dr. Wehmeyer é: wehmeyer@ku.edu.