Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Crianças e Computadores
Quando introduzir o mundo virtual à infância?

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A publicação do artigo “O dilema da primeira infância no século XXI: Brinquedos ou Computadores?” pelo jornal A Tribuna de Santos [SP] suscitou dúvidas, motivou entrevistas e mobilizou várias pessoas a entrar em contato conosco, no Planeta Educação. O tema é bastante controverso e, diante das fortes pressões da mídia e do mercado que ensejam as pessoas a consumir mais e mais recursos tecnológicos, e ainda incluir o mais rapidamente possível as crianças ao universo das Tecnologias de Informação e Comunicação [TICs], voltou a ser assunto em entrevista que concedi ao Jornal do Trem e a Folha do Ônibus [noticiosos distribuídos nas linhas de trem e ônibus da Grande São Paulo de forma gratuita]. Apresentamos a seguir as questões e repostas que compõem essa entrevista a fim de dar maiores informações e subsídios acerca desse tema tão polêmico e presente.

JT/FO - O professor acredita que as crianças de hoje “pularam” a fase mais importante da infância, caracterizada pela possibilidade de crescer utilizando de brinquedos e objetos que estimulam a criatividade e contribuem para a sociabilidade?

João Luís – Penso que estamos vendo as crianças superando com maior rapidez e precocidade algumas etapas de suas vidas. Felizmente as crianças não deixaram de brincar, apenas estão sendo estimuladas pelos meios de comunicação, pela própria sociedade e até mesmo por seus familiares a adotar comportamentos que não são adequados as faixas etárias em que se encontram. Crianças de 7 a 10 anos, por exemplo, falam de namorar como se já tivessem formação, conhecimento e até mesmo preparo físico e emocional para vivenciar essa experiência. Muitas dessas crianças já usam artifícios dos adultos, como perfumes, loções, maquiagem e afins para ficarem mais bonitos e atraentes... Não é isso o que elas deveriam estar vivenciando e, sim, a possibilidade de brincar, jogar bola, andar de bicicleta, subir em árvores, ler revistas em quadrinhos... Agora, quando digo isso, não me refiro ao fato como dominante na realidade dessas crianças, mas como situações que se estabeleceram em parte de suas vidas e que estão se repetindo cada vez mais com maior freqüência. E se não bastasse isso há ainda a questão do encanto das crianças, pré-adolescentes e adolescentes pelos artefatos tecnológicos que, cada vez mais, ocupam seu tempo, em detrimento, por exemplo, de atividades físicas, brincadeiras em grupo, leitura, esportes...

JT/FO - Os pais são os maiores responsáveis por essa nova forma de brincar [computadores, videogames]?

JL – Os pais deveriam estipular limites e, por isso, também podem ser considerados responsáveis pelo predomínio dos computadores, da internet e dos games na vida de seus filhos. Não penso, porém, que eles são os únicos responsáveis. A sociedade de consumo em que vivemos cria a cada novo dia produtos ainda mais interessantes e os divulga através de todas as mídias disponíveis estimulando a vontade de consumir no seio familiar. Há, ainda, a competição entre as crianças para ver quem conseguiu o que antes dos demais, ou seja, quem possui o melhor e mais novo videogame, computador, brinquedo eletrônico... Tudo isso pressiona as crianças e faz com que elas fiquem com o olhar cada vez mais voltado para esses recursos e, por outro lado, tenham menos interesse em brinquedos e divertimentos não eletrônicos. Se não bastasse tudo isso, os pais ainda utilizam-se dos recursos eletrônicos como autênticas babás que lhes permitem ter algum tempo de sossego quando estão em casa... E isso, certamente, não é uma atitude correta. As crianças têm que ter e sentir a presença dos pais, como companheiros que acompanham suas vidas na escola, social, emocional, cultural, no lazer...

JT/FO - Em sua opinião, o que pode explicar essa mudança na forma de brincar das crianças? Ainda existe alguma maneira que possibilite brincadeiras antigas [amarelinha, queimada, jogos de montar, pipas, carrinhos de rolimã, entre outros]?

JL – Como mencionei anteriormente, a mudança de hábitos está relacionada ao estímulo constante da sociedade de consumo, a reduzida participação dos pais na formação das crianças [atrelada a necessidade de trabalhar e ganhar mais dinheiro para pagar todos esses itens adicionais de consumo em seus lares] e a redução dos espaços para brincar que as crianças possuem [o que, por sua vez, se relaciona com questões sociais de vulto como a violência]. As crianças brincam cada vez mais em espaços reduzidos e privados como suas próprias casas ou em áreas coletivas fechadas [nos prédios ou conjuntos habitacionais em que vivem], isso também é um fator de limitação a socialização e a imaginação. Menos espaço, menor possibilidade de criar, fantasiar, dividir, socializar experiências. Creio que entre as medidas essenciais para que brincadeiras antigas persistam relaciona-se ao trabalho das escolas, a um maior envolvimento dos pais com seus filhos – situações em que escola e família poderiam ensinar tais divertimentos para as crianças. Penso também que entre as políticas públicas deveriam ser expandidos projetos que permitissem a ampliação de parques, praças e jardins onde as crianças pudessem brincar. Outra alternativa interessante seria a abertura das escolas para projetos e brincadeiras nos finais de semana, ação essa já realizada em alguns municípios.  

JT/FO - A sua experiência de dar aos filhos um computador, somente após eles terem experimentados outras brincadeiras, proporcionou a eles uma infância mais saudável? Eles sofreram algum tipo de “preconceito” dos amiguinhos que desde cedo brincam frente ao computador e a TV?

JL – Tenho certeza que eles cresceram mais felizes e saudáveis. Meus filhos gostam de brincar, pintar, ler, jogar e praticar esportes. Ambos curtem atividades ao ar livre e cobram dos pais momentos em que possamos desfrutar desses tipos de programas. Ao mesmo tempo passaram a cultivar hábitos que consideramos importantes para sua formação e atividades escolares, como assistir filmes, ler livros e revistas em quadrinhos, ouvir música, tirar fotos... Como pudemos lhes oferecer alternativas de lazer e crescimento que eram lúdicas e divertidas, eles não sentiram falta dos computadores ou videogames, pois o que lhes demos os estimulou e saciou a curiosidade, os desejos de felicidade. Não tenho qualquer informação de meus filhos quanto a terem sido vítimas de preconceitos por parte das outras crianças por não terem videogames ou computadores até os 6 e 7 anos, idade com a qual demos a eles essa alternativa, depois de bastante estimular a ambos com bolas, carrinhos, quebra-cabeças, bonecas, jogos, quadrinhos, lápis de cor, massinha...

JT/FO - Qual o conselho que o senhor daria para os pais que não oferecem formas saudáveis da criança brincar?

JL – Não hesitaria em dizer-lhes que deixem as crianças viverem de forma intensa e plena sua infância. Acelerar a sua maturação significa verdadeiramente corromper os ciclos naturais e lhes tolher a criatividade, a felicidade e, até mesmo, a saúde. Deixem seus filhos brincarem. Ensinem a eles os jogos e brincadeiras de suas infâncias. Participem das brincadeiras. Acompanhem de perto seus filhos. O tempo passa muito depressa e, de repente, eles já estarão crescidos sem que vocês tenham tido a possibilidade de se divertir juntos. Esse companheirismo não tem preço e a infância é, conforme os especialistas sempre dizem, a mais importante fase para a formação e futuro de uma vida...

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