A Semana - Opiniões
Ensino Religioso nas escolas? Sim ou Não?
Vantagens e Desvantagens
Dizem que religião, futebol e política são assuntos que não devem ser debatidos, pois são extremamente polêmicos. Por minha vez penso que quanto menos abrirmos espaço para o diálogo, a troca de idéias, o embate entre partidários de diferentes posicionamentos, seja em futebol, política ou mesmo religião, menores são as chances de que possamos entender as opiniões alheias, perceber suas possibilidades, pensar a respeito de suas particularidades.
Outro dia, retornando de viagem ao litoral, em companhia de minha família, tive a oportunidade de contar aos meus filhos durante o trajeto, as histórias de vida de Buda, Gandhi e Martin Luther King. Expoentes da história da humanidade, provenientes de diferentes partes do planeta, professavam doutrinas religiosas distintas e realizaram feitos ao longo de suas vidas que são respeitados nos quatro cantos do mundo.
Através de suas realizações lutaram, cada qual a sua maneira, por um mundo melhor, mais justo, harmonioso. Tinham bandeiras diferentes – Buda, por exemplo, buscava a iluminação espiritual, a vitória do bem sobre o mal através da meditação; Gandhi, por sua vez, lutou pela independência de seu país [dominado pela toda-poderosa Inglaterra], a Índia, pregando e praticando a não-violência [e saiu vitorioso]; Martin Luther King, pastor protestante, levou adiante uma das mais difíceis empreitadas da história humana, durante sua vida, empreendeu a batalha pelos direitos civis, pela igualdade e respeito aos negros e as minorias nos Estados Unidos.
Há outras histórias como essas que merecem ser contadas, recordadas, revividas. Não creio que isso seja atribuição exclusiva da família, mas também a escola tem um papel decisivo na transmissão de valores e princípios éticos que norteiem um comportamento mais digno e respeitoso a nossas crianças e jovens. Não é o que estamos vendo e vivendo nos dias de hoje, pelo contrário, tanto a família quanto a escola parecem ter desistido de trabalhar crenças e valores, e assumido de vez um posicionamento leigo, laico, isento e distante de qualquer menção ou princípio religioso.
Nem sempre foi assim. E isso, certamente, não acontece em todas as escolas. Ainda persistem, por exemplo, as escolas católicas e luteranas [entre outras], que têm em sua grade curricular o Ensino Religioso. É claro que focadas nos princípios que norteiam suas próprias origens, ou seja, voltadas para os ensinamentos e bases das religiões católica e luterana.
Não acredito que o Ensino Religioso deva assim proceder, penso que deveriam ser instituídos cursos que fossem ecumênicos, ou seja, que se preocupassem não em conseguir arregimentar mais fiéis para igrejas específicas e, sim, que tivessem como firme propósito e objetivo maior a formação ética e cidadã, orientada por histórias, filosofias, ensinamentos e reflexões acerca daquilo que foi construído e constituído ao longo de séculos pelas principais religiões do planeta.
Há ensinamentos e possibilidades em cada uma delas, como podemos observar, por exemplo, com as experiências de vida e luta de Gandhi, Luther King e Buda. Poderíamos ampliar essa esfera e discutir, por exemplo, princípios e obras de Jesus Cristo, Martinho Lutero, Moisés, Confúcio e Maomé [entre outros]. Observar, analisar e compreender a trajetória das grandes religiões mundiais: Catolicismo, Judaísmo, Islamismo, Budismo e o Protestantismo [Evangelismo].
Também seria aconselhável estudar os motivos que levam as pessoas a viverem a margem de qualquer religião ou seita; analisar a filosofia e a história de cada doutrina, estudar as micro-religiões e suas ramificações; perceber a riqueza, os problemas, os anacronismos, as deficiências, os acertos e erros na trajetória de cada uma dessas religiões.
Talvez assim consigamos entender melhor o modo de pensar e agir daqueles que não professam a mesma fé, que não tem a mesma identidade e base cultural. Quem sabe assim, encontremos pontos comuns a orientarem nossas ações na busca por um mundo melhor, mais justo e harmonioso. Pode ser que, assim, também consigamos fazer com que nossas crianças e jovens despertem e atuem pautados em valores de paz, respeito, responsabilidade e entendimento.
Há barreiras e dificuldades para a implantação de um ensino religioso nas escolas brasileiras? Sem dúvida. Penso, porém, que estes obstáculos não são intransponíveis. As maiores dificuldades são aquelas que continuamos a impor por conta de nossas bases e referências culturais, pouco afeitas a escuta, a transformação, a compreensão e ao diálogo. Note que, quando conversamos com outras pessoas, na maior parte das vezes, queremos mais nos fazer ouvir e desejamos com ardor convencer do que nos dispomos a ouvir, analisar, ponderar, aceitar ou entender os demais...
Nas escolas ocorre o mesmo, ou seja, parecemos sempre estar muito mais discursando que propriamente dialogando, trocando, buscando o intercâmbio que permita o crescimento de todos. Basta perceber a estrutura de funcionamento de uma sala de aula, nos moldes convencionais, para que percebamos com clareza como é essa a fórmula que impera na educação brasileira.
Agora, é imperativo que para o sucesso dessa iniciativa as escolas tenham tanto o apoio das famílias quanto das próprias religiões e seus representantes e, ainda, suporte político dos governantes. Todos têm que compreender que o ensejo da educação não é o de aumentar a messe, expandir o rebanho e fomentar o crescimento de uma ou outra igreja, e sim o de dar a opção de escolha [inclusive o direito de não pertencer ou freqüentar nenhum culto] e de, principalmente, auxiliar e orientar a infância e a juventude do país na busca por valores e práticas que levem a paz, a compreensão, a não-violência, ao entendimento...
Com isso, gostaria de deixar claro que, o ensino religioso de bases ecumênicas ensina, esclarece, dá bases e, principalmente, deve oferecer uma alternativa ao mundo que nossas crianças, adolescentes e jovens encontram pelas ruas das cidades do Brasil nos dias de hoje. Aliado a uma educação de qualidade, a projetos culturais e esportivos realizados dentro das escolas e contando com o apoio da comunidade, o ensino religioso pode e deve ser mais um bom e eficiente instrumento para a formação de novas gerações de brasileiros.
Obs.: Há alguns anos (pelo menos duas ou três décadas) prevalecia no país a idéia de que vivemos numa sociedade católica e que, como tal, o ensino religioso deveria ser orientado por essa doutrina/igreja. Não é essa a configuração do país hoje em dia, os movimentos evangélicos se expandiram, o espiritismo ganhou espaço, os cultos afros ocuparam nichos específicos e até mesmo o ateísmo e o agnosticismo tornaram-se mais presentes. Situação pouco provável até há alguns anos, por exemplo, faço parte de uma equipe de 6 pessoas que diariamente se juntam para estruturar o Planeta Educação e nenhuma delas compartilha a mesma religião. A propósito, só para dirimir dúvidas, sou católico atuante!