Liliane Garcez Doutoranda na área de Filosofia e Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP. Mestre na área de Psicologia e Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP. Graduação em Psicologia, pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e Administração Pública pela Escola de Administração de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas. Docente em cursos de Pós-Graduação, Formação Continuada de Educadores, Oficinas, Seminários, abordando temas relacionados a Práticas Inclusivas, Diversidade em Sala de Aula, Construção Coletiva do Conceito de Inclusão e outros. Participação em Comissões, como a Comissão de Sistematização do 5º Congresso Nacional de Educação – 5 º CONED - “Educação, Democracia e Qualidade Social – Educação Pública, gratuita e de qualidade é direito de todos e dever do Estado – Educação não é mercadoria”, Comissão de Sistematização do 4º Congresso Nacional de Educação – 4 º CONED - “Educação, Democracia e Qualidade Social – Garantir direitos, verbas públicas e vida digna: uma outra educação é possível” , Participação em Fóruns, como o Fórum Permanente de Educação Inclusiva na Representação do MEC/SP desde 1999, como membro da Comissão Executiva desde 2002, Fórum em Defesa da Escola Pública de São Paulo desde 1999 e do Fórum Paulista Permanente de Educação Especial – participante desde abril de 2002. Autora de Publicações e de Material Técnico-Didático para Revistas Especializadas e Periódicos sobre o tema.
Texto base da apresentação de Liliane Garcez no Encontro de Países Lusófonos
Texto base para Divulgação e Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Santos, entre os dias 10 a 14 de setembro.
Agradeço o
convite para falar sobre educação à
luz da Convenção dos Direitos das Pessoas com
Deficiência que, agora no Brasil, é o Decreto
Legislativo 186, graças a um movimento muito intensode
pressão da sociedade em
relação a sua votação com
quorum qualificado.
Como bem salientou o Dr. Ricardo, a partir da
noção de que o princípio tem primazia
sobre as regras em termos de direito, estamos, no Brasil,
permanentemente em um movimento que vem refinando e reafirmando a
necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as
pessoas, com ou sem deficiência, já
bem-estabelecido em seu arcabouço legal.
Assim, como sintetizou a Dra. Linamara, temos, em nosso
país, elaborado muitas leis e decretos a fim de dar conta de
forma cada vez melhor desse direito de todos.
Neste sentido, ainda que a Convenção afirme em
seu preâmbulo a universalidade, a indivisibilidade, a
interdependência e a inter-relação de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a
necessidade de que todas as pessoas com deficiência tenham a
garantia de poder desfrutá-los plenamente, sem
discriminação, temos a necessidade de, ao
pensarmos em políticas públicas, analisar cada
componente desse direito, a fim de elaborar um conjunto de objetivos e
metas para dar conta das responsabilidades que estão
implicadas nesse caminho.
Concernente a essa preocupação, a
própria Convenção estabelece, em seu
Artigo 24, as questões referentes à
Educação como direto, com base na igualdade de
oportunidades e sem discriminação.
Para efetivar esse direito, os Estados Partes deverão
assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os
níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com
objetivos que podemos agrupar em três blocos.
O primeiro pode ser entendido como aquele que descreve objetivos
próprios da educação para todas as
pessoas, com ou sem deficiência:
1.
O pleno desenvolvimento do
potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além
do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades
fundamentais e pela diversidade humana.
2.
O desenvolvimento, no máximo possível, da
personalidade e dos talentos e criatividade das pessoas com
deficiência, assim de suas habilidades físicas e
intelectuais.
3.
A
participação efetiva das pessoas com
deficiência em uma sociedade livre.
Um segundo bloco diz respeito a uma gama de direitos que
estão postos para dar conta de um processo de
exclusão histórico, que devem ser pensados para
todos os grupos historicamente excluídos e, desta forma,
variam conforme a localidade e a região.
São grupos que são lembrados quando nos
perguntamos quem são os excluídos deste lugar,
quem não tem acesso ao que é produzido
socialmente de forma autônoma?
1.
As pessoas com
deficiência não podem ser excluídas do
sistema educacional geral sob alegação de
deficiência e as crianças com
deficiência não podem ser excluídas do
ensino fundamental gratuito e compulsório sob a
alegação de deficiência.
2.
As pessoas com deficiência têm que ter
acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em
igualdade de condições com as demais pessoas na
comunidade em que vivem.
3.
Adaptações razoáveis de acordo com as
necessidades individuais precisam ser providenciadas.
4.
As pessoas com
deficiência recebam o apoio necessário, no
âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar
sua efetiva educação.
5.
Efetivas medidas individualizadas de apoio sejam adotadas em ambientes
que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social,
compatível com a meta de inclusão plena.
E, finalmente, um terceiro conjunto de pontos que tratam dos apoios
específicos relativos aos tipos de deficiência
que, obviamente, não podem ser lidos desarticulados ou
apartados dos dois blocos anteriores.
1.
Facilitação do aprendizado do Braile, escrita
alternativa, modos, meios e formatos de
comunicação aumentativa e alternativa,
habilidades de orientação e mobilidade,
além de facilitação do apoio e
aconselhamento de pares.
2.
Facilitação
do aprendizado da língua de sinais e
promoção da identidade
lingüística da comunidade surda.
3.
Garantia de que a educação de pessoas com
deficiência, inclusive crianças cegas, surdocegas
e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de
comunicação mais adequados a elas e em ambientes
que favoreçam, ao máximo, seu desenvolvimento
acadêmico e social.
Neste sentido, o que o Brasil vem fazendo em termos educacionais
já está determinado tanto na
Constituição Federal de 1988 quanto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– Lei 9394/96.
O entendimento sobre os princípios dessas leis, como
já mencionado, vem sendo aprimorado com a
ratificação de declarações
internacionais que também tem se transformaram em lei, como
a Convenção da Guatemala – Decreto
3956/01. Portanto, as políticas nacionais já
estão voltadas a dar conta dessa questão
há pelo menos vinte anos.
Tendo como foco a educação das pessoas com
deficiência, deve ser citado o Programa
Educação Inclusiva "Direito
à Diversidade", desenvolvido desde 2003 pelo
Ministério da Educação, que tem como
diretriz justamente acabar com a separação entre
educação especial e
educação comum.
Esta proposta de reorganização da
educação nacional tem gerado muita
discussão, com argumentos que, por vezes,
reforçam uma compreensão dual da
educação, que reafirma a idéia do
“ou isso ou aquilo”.
Ou seja, como se tivéssemos que escolher entre defender a
educação comum ou a
educação especial. Como se tivéssemos
que escolher um time e isso se tornasse mais importante do que o
futebol.
No Memorial do Santos Futebol Clube, podemos entender que escolher um e
não outro só tem sentido dentro das quatro
linhas, pois, quando tratamos de questões de direitos
sociais, todos devemos estar do mesmo lado: na busca pela
efetivação do direito de todos a uma vida digna.
Entretanto, essa discussão é
imprescindível para a efetiva
apropriação das diretrizes de uma
educação inclusiva por todos, num movimento esse
que se configura como a própria
construção de uma sociedade não
excludente.
Voltando à questão da ruptura da dicotomia entre
especial e comum na educação, o MEC, ao longo
desses 05 anos, optou pelo trabalho de formação
dos mais de 5.500 municípios brasileiros para que, na ponta,
sejam desenvolvidas ações para dar conta desse
objetivo.
Em janeiro deste ano, foi lançado o documento
Política Nacional de Educação Especial
na perspectiva da Educação Inclusiva, que
organizam as diretrizes. Nele fica claro que não
haverá o fim da educação especial
enquanto modalidade de ensino e enquanto campo de conhecimento.
O que deve terminar é a necessidade de escolha entre a
educação comum e a especial, uma vez que para dar
conta da educação integral da pessoa com
deficiência é necessária tanto a
primeira como o atendimento educacional especializado.
Ações que, portanto, não podem
competir entre si, pois senão há o risco
permanente de continuarmos substituindo o pleno pelo parcial,
designando o que e onde uma pessoa com essa ou aquela
deficiência ou dificuldade deve aprender.
O que a Política Nacional direciona é que devem
acabar os espaços segregados de
educação, pois a educação
é instrumento de autonomia e não se
constrói autonomia fora de espaços sociais, no
caso, a escola comum. Temos o direito à diversidade
entendida como valor humano.
Cabe aqui ressaltar que falar em vida independente para
crianças não tem sentido, mas, ao
adotá-la como objetivo na idade adulta significa estabelecer
um processo de construção de autonomia que
está imbricado com o processo educativo.
Como nos alertou ontem nossa companheira sobre a questão da
deficiência e da transmissão do vírus
HIV, vida independente não significa abrir mão de
informações qualificadas, mas ao
contrário, de posse delas fazer escolhas. Essa sem
dúvida é uma das funções da
escola, entendida como um espaço comum que informa e discute
sobre questões relevantes a todos os cidadãos. Na
convenção, este princípio
está assim disposto:
“Os Estados Partes deverão assegurar que as
pessoas com deficiência possam ter acesso à
educação comum nas modalidades de: ensino
superior, treinamento profissional, educação de
jovens e adultos e aprendizado continuado, sem
discriminação e em igualdade de
condições com as demais pessoas.
Para tanto, os Estados Partes deverão assegurar a
provisão de adaptações
razoáveis para pessoas com deficiência”.
Desta forma reconhecem-se as diferenças e com elas a
necessidades de apoios diferenciados para cada pessoa e cumpre-se a
Constituição Federal de 1988 que determina que
todos realizem seu direito à educação.
Para finalizar, gostaria de abordar um último aspecto que
para nós do Fórum Permanente de
Educação Inclusiva tem sido, talvez, nosso foco
principal de discussão: a formação dos
educadores. A Convenção explicita a
premência de ações que dêem
conta dessa questão:
“A fim de contribuir para a realização
deste direito, os Estados Partes deverão tomar medidas
apropriadas para empregar professores, inclusive professores com
deficiência, habilitados para o ensino da língua
de sinais e/ou do braile, e para capacitar profissionais e equipes
atuantes em todos os níveis de ensino.
Esta capacitação deverá incorporar a
conscientização da deficiência e a
utilização de apropriados modos, meios e formatos
de comunicação aumentativa e alternativa, e
técnicas e materiais pedagógicos, como apoios
para pessoas com deficiência”.
Entendemos no Fórum, que, aliás, este ano
completa 10 anos de luta pela Educação de todos e
para todos, que a formação dos educadores
não pode seguir um modelo que queremos enfraquecer nos
espaços educacionais, no qual alguns sabem e outros devem
repetir o que ouviram, sem necessariamente estarem implicados no
processo.
Se não há aluno “ideal”
também não há professor
“ideal”. Desta maneira, defendemos a
importância de um espaço de
interlocução onde
informação e diálogo compõe
o conceito de formação e não podem ser
separados de forma nenhuma se entendemos que somos todos protagonistas.
Assim, por sermos um grupo que escolheu a
Educação Inclusiva como tema comum de debate e
construção, nos colocamos a
disposição e convidamos a todos os presentes a
compartilharem conosco dessa caminhada. Todos que quiserem dialogar,
podem se inscrever para participação on line
inclusão@gmail.com informando que gostariam de integrar o
Fórum.
Da mesma forma, estão todos convidados para nossas
reuniões presenciais que ocorrem nas primeiras
terças-feiras de cada mês, das 9h30 às
12h00 na Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo.
Estendemos o convite a todos os companheiros dos países
lusófonos: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe e Timor-Leste e dos países vizinhos da
América Latina, para, com a troca de
informações por meio do diálogo
possamos construir ordenamentos jurídicos e
políticas públicas com o objetivo de garantir os
direitos das pessoas com deficiência dadas as nossas
especificidades socioculturais e econômicas.
Esta tem sido uma prática que tem resultado em bons
encontros. Ampliando um pouco o lema do movimento: nada sobre
nós, sem nós e nem somente conosco.