Rosa Paula Knob Professora de Inglês do Ensino Fundamental do município de Morro Reuter; Psicopedagoga; Mestranda em Inclusão social e Acessibilidade – FEEVALE.
Desculpem pela (falta de) Educação
Rosa Paula Knob
Parece
modismo ou pura provocação! Não
bastassem as inúmeras dificuldades pelas quais os
educadores, principalmente os que atuam em escolas públicas,
vêm enfrentando ao longo das últimas
décadas, na tentativa de fazer com que sua
prática seja mais valorizada e incentivada pelas demais
áreas da sociedade, ainda lhes é exigido que
aceitem e convivam com a idéia de que qualquer pessoa, de
qualquer segmento da sociedade possa se atrever a discorrer sobre um
tema tão complexo quanto é o da
educação.
Em recente artigo publicado pela Revista Veja, no dia 13 de agosto do
corrente ano de 2008, nos deparamos com o que podemos chamar, no
mínimo, de uma forma simplista e/ou negligente de
categorizar os professores em dois grupos.
Para quem (talvez felizmente) não teve acesso ao texto sobre
o qual estou me referindo, aqui vão algumas pinceladas sobre
as definições do autor (administrador de
empresas) sobre as diferenças entre o professor
“carrasco”, que segundo ele seria a
salvação para o país, e o professor
“bonzinho”, o qual ele aponta como o
responsável pela baixa qualidade da
educação no Brasil
“(...) existem dois tipos de professor no Brasil: um deles
é formado pelos que corrigem de acordo com o que
é certo e errado. São geralmente professores de
engenharia, produção, direito,
matemática, recursos humanos e
administração.”
Em seguida, o autor ironiza, falando agora sobre as
características do professor “bonzinho”
“(...) existe outro tipo de professor, mais humano e
socialmente engajado, que dá nota segundo o
critério de esforço despendido pelo aluno e
não apenas pelo resultado. (...) Uma vez formados, os alunos
desse tipo de professor são muito fáceis de
identificar. Seus textos são permeados de abobrinhas e mais
abobrinhas, (...)”.
Sob o título “Por uma sociedade mais justa e
eficiente”, este senhor, cujo currículo -
não consegui segurar a curiosidade e fui dar uma espiadinha
na internet - descreve uma carreira de sucesso na área de
motivação empresarial (será que me
enganei e estava escrito desmotivação
profissional?) não pára por aí. Muito
inspirado, continua a discorrer sobre as delícias
experimentadas com os professores “carrascos” que,
segundo ele, felizmente passaram por sua vida e contribuíram
para sua honorável formação pessoal e
profissional (oxalá o homem não tenha filhos)
“Quero agradecer publicamente aos professores
“carrascos” pela postura ética que
adotaram, apesar das nossas amargas críticas na
época. Agora entendo por que tantos de nossos cientistas e
professores pertencem à Academia de Letras, por que somos o
último país do mundo em termos de patentes, por
que tantos brasileiros recebem sem contribuir absolutamente nada para a
sociedade e por que nossos políticos falam e falam e
não realizam nada. Que sociedade é mais justa,
aquela que valoriza as boas intenções e o
esforço ou aquela que valoriza os resultados?”
Como professora e psicopedagoga, atuando diretamente nos processos de
aprendizagem de alunos e pacientes com problemas de aprendizagem, me
esforço para tentar compreender o significado da palavra
“carrasco” tantas vezes usada e enaltecida no texto
deste profissional da área da
administração.
Mais do que buscar compreender seu significado, gostaria sinceramente
de ter a oportunidade de explicar-lhe de perto qual o sentido que a
mesma representa para mim, embora não me lembre de
tê-la escutado fora de contextos relacionados à
época da escravidão negra no Brasil ou quem sabe,
do período da ditadura militar. Ah, acabo de me lembrar de
dois nomes que me remetem a ela: Adolf Hitler e, para ser mais
contemporânea, George W. Bush.
Bem, voltando ao significado da palavra “carrasco”
relacionada à figura do professor, penso que tenho pelo
menos dois caminhos para tentar compreendê-la e explicar o
que a mesma pode significar para mim dentro do contexto educacional,
que com muito orgulho faço parte e com o qual tenho
procurado contribuir através de minhas pesquisas.
O primeiro caminho me leva a entender como
“carrasco”, aquele professor descomprometido e
desconhecedor por opção, da complexidade que
envolve a palavra aprendizagem. É preciso lembrar que
estamos no século XXI, num país que aposta na
educação como forma de acabar com a pobreza e a
desigualdade social e no qual o ato de ensinar não se limita
mais a preencher o quadro negro com cálculos e mais
cálculos que nem o próprio professor sabe
explicar aos alunos para que servem.
Na contra-mão, então, vêem os
professores que o autor chama de “bonzinhos”, que
falam em Escola Para Todos, em Educação
Inclusiva, em trabalhar com a diversidade, enfim, falam sobre
verdadeiros desafios do Brasil contemporâneo.
Os professores “carrascos”, a meu ver,
crêem que o ser humano só é capaz de
aprender pela imitação e que a responsabilidade
pelo seu fracasso nada tem a ver com o desempenho do mestre e a falta
de desejo no ato de ensinar.
O segundo caminho que posso tentar percorrer, ainda buscando uma
possível aproximação das palavras
“carrasco”/professor, deixando claro que a primeira
realmente não faz parte da minha vida pessoal (sou
mãe de duas crianças) nem profissional, me leva a
recorrer ao dicionário. Quem sabe este termo não
tenha um significado tão forte assim...
Aqui está: carrasco1 sm 1. Executor da pena de morte; algoz,
verdugo. 2. Aquele que aflige alguém; indivíduo
tirano, cruel,torurador.
Meu Deus!!! Com quem estou lidando? Será que o cara
é um sadomasoquista? Onde é mesmo que ele
estudou? Conforme minha espiadinha na internet, ele fez doutorado nos
EUA. Sabia que tinha o dedo do Bush por detrás disto tudo!
Agora está explicado...
Brincadeirinhas à parte, eu justifico meu artigo explicando
sobre o título dado. Peço desculpas pela falta de
educação de alguns (espero que sejam a minoria)
por se atreverem a falar em educação sem ao menos
estarem dentro de uma sala de aula de uma escola pública,
onde existem sim, alguns professores que acreditam que todos os
sujeitos são capazes de aprender, mas que para isso
é necessário investir nas suas reais
possibilidades.
Acredito que, para que aumente cada vez mais o número destes
professores nas escolas do Brasil, é preciso investir em
políticas públicas que apostem na
formação e na valorização
do magistério. Somente desta forma teremos em sala de aula
profissionais realmente preocupados em fazer do Brasil um
país mais justo. É claro que a palavra
“justiça” para nós,
educadores, não tem o mesmo significado daquele presente no
título do artigo que me causou tanta
indignação. Se a palavra justiça se
resume a dar oportunidade de ensino somente àqueles que
apresentam os melhores resultados, realmente, estou remando contra a
maré e o educador Paulo Freire não sabia do que
estava falando quando relacionou, pela primeira vez a palavra
educação à
libertação.
A educação precisa sim, da
contribuição advinda de todos os
âmbitos sociais, entretanto, é preciso falar com
propriedade e conhecimento sobre a realidade brasileira, pois do
contrário, estaremos correndo o risco de desistir da
única forma possível de cura para uma sociedade
cada vez mais assolada pela corrupção, pela
violência desenfreada, pelo consumo e pelo tráfico
de drogas.
Agora, para encerrar mesmo este texto, que me serviu como um grande
desabafo, convoco a todos os colegas professores a se autorizarem a
falar e a escrever mais sobre suas experiências em sala de
aula, principalmente aqueles profissionais que trabalham com alunos que
apresentam NEEs (Necessidades Educacionais Especiais), sejam elas
experiências positivas ou negativas, pois somente
NÓS podemos dizer o que se passa na NOSSA prática
diária e o que é preciso mudar para fazermos do
Brasil um país mais justo.
Em tempo: Preciso confessar que sou casada com um administrador de
empresas. Mas tem um detalhe, ou melhor, mais do que um: Ele
lê Paulo Freire, é um pai
“bonzinho”, não tem doutorado pela
Harvard University e, graças a Deus não apresenta
características sadomasoquistas, sem contar que é
muito feliz em sua vida pessoal e profissional (Por favor,
não contem para o “carrasco”. Em
época de eleição, é preciso
cuidar com as perseguições
políticas...). Infelizmente também na
área da educação e num país
dito democrático como o nosso. Mas a gente chega
lá!
REFERÊNCIAS:
Minidicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro,1993.
STRECK, Danilo R. (org.). Paulo Freire: Ética, Utopia e
Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.