Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

Maria Amélia Vampré Xavier Diretora para Assuntos Internacionais da Federação Nacional das APAEs - FENAPAES em Brasília, Assessora Especial de Comunicação de Inclusion InterAmericana e Assessora da Vice Presidência de Inclusion InterAmericana – Brasil , Relações Internacionais do Instituto APAE e da APAE em São Paulo, atua na Secretaria da Assistência e Desenvolvimento Social do Governo do Estado de São Paulo, na Rede de Informações do COE, no Sorri Brasil e no Instituto Carpe Diem em São Paulo.

Vamos ter que pensar e logo!
Por Maria Amélia Vampré Xavier

Nesse assunto difícil: Como conseguir moradia para a pessoa com deficiência intelectual que está envelhecendo juntamente com seus pais? E quando estes não lhe puderem mais prestar assistência?

Temos sempre grande interesse e preocupação, as famílias que estão envolvidas na luta em prol dos direitos de pessoas com deficiência intelectual, em saber quais as providências a serem tomadas quando surgem, e surgem em número cada vez maior, pessoas que nos procuram aflitas porque o tempo passa, os pais envelhecem, os filhos com deficiência mental/intelectual que até há pouco tempo nos pareciam jovens também ficam mais velhos e – daí?

Quais as providências a serem tomadas, quem irá se responsabilizar por esse membro da família que envelheceu e com o qual, freqüentemente, os demais parentes tiveram contato muito a distância, muito longínquo?

A questão da implantação de residências comunitárias para pessoas com deficiência intelectual que estão envelhecendo é de primordial importância.

Já observamos que em nossa cultura temos grande apego por nossos filhos e sentimos grande sentimento de culpa quando a vida, as circunstâncias dela que mudam, nos forçam a pensar que já não poderemos dar a esse filho tão amado os cuidados diários que lhe prestávamos.

Uma amiga muito querida, assistente social muito experiente em assuntos de família, ligada à querida organização de famílias Carpe Diem, contou-nos hoje por telefone que foi procurada por uma mãe que tendo 84 anos e sua filha 54 vê-se com grande dificuldade de poder cuidar apropriadamente da moça como fizera por tantas décadas.

Ela conta com uma auxiliar, que presta cuidados à pessoa com deficiência, mas essa auxiliar diz estar cansada, precisar afastar-se algum tempo de férias, e nessa hora surge o fantasma assustador: onde poderemos colocar a Rosinha, ou a Sílvia, ou a Mafalda, ou o Ricardo, enfim, seja qual for a pessoa com deficiência que vai ser, pelos imperativos da vida, – afastado dos pais.

Sabemos que no Sítio Arco Íris da APAE de Araras, nossa amiga de muitos anos, Ruth da Silva Telles, presentemente sem seu dedicado marido e companheiro, o Gilberto, que faleceu o ano passado, abriu corajosamente um núcleo residencial para pessoas com deficiência mental/intelectual que funciona, ao que me informaram, de segunda a sexta feira há partir de algumas semanas atrás.

Faz algumas semanas, talvez um mês ou dois, que essa iniciativa que Gilberto e Ruth acalentaram por tantos anos se tornou realidade. 

Não sabemos ainda as dificuldades encontradas e acreditamos que com a experiência do pessoal técnico da APAE de Araras, que integra o grupo que atua nas residências, o resultado seja promissor. Mas não sabemos, ainda, nada dos resultados alcançados.

Em São Paulo existe a Aldeia da Esperança, uma realização muito bem acolhida da comunidade judaica, através do CIAM, que quando conhecemos era o Centro Israelita de Assistência ao Menor. 

Como todos os empreendimentos judeus que temos conhecido, a Aldeia representou um grande conforto para as famílias e para os residentes das unidades.

Temos uma prima adotiva com deficiência moderada, cuja mãe, nossa prima, irmã acabou morrendo de alcoolismo por não se conformar em ter adotado uma criança há muitos anos atrás que era deficiente mental, e que quando o pai morreu há cerca de uns cinco anos foi parar na Aldeia. 

Ela que fora sempre muito mimada pelo pai acabou encontrando amigos, se adaptando bem à Aldeia da Esperança, o que representou grande alívio para os parentes que, ocupados com seus próprios afazeres, não tinham condições de cuidar de Lucilia, minha prima com deficiência.

Que bom que o pai de Lucília tinha dinheiro suficiente para pagar a mensalidade, pois essas coisas custam caro, e que a moça pode viver feliz na Aldeia da Esperança.

Há um projeto de lei municipal em São Paulo, de alguns meses atrás, que fala da necessidade de Moradias Inclusivas. É essa uma necessidade que vem crescendo, em vista do alongamento do período de vida das pessoas com deficiência intelectual e do envelhecimento cruel mas inexorável de seus cuidadores!

É preciso muito cuidado ao analisar esta questão para evitar que, de alguma forma, pessoas jovens ainda, capazes de aproveitar as atividades da vida diária, sejam hospedadas em instituições, o que acontece, infelizmente, no mundo com freqüência.

O texto do Canadá sobre o qual estamos trabalhando hoje chama a atenção para que o estilo de residência a ser escolhido seja de dimensões pequenas, para evitar a reprodução de formas de vida institucionais que sejam produto do reagrupamento de grande número de pessoas.

Lembramo-nos de uma instituição residencial dos anos 50, começo dos anos 60, que visitamos na companhia de Doutora Rosemary Dybwad, dos Estados Unidos, e de seu marido Professor Gunnar Dybwad, ambos expoentes muito altos da luta que então se iniciava pelos direitos humanos de pessoas com deficiência intelectual e que estavam em visita a São Paulo, a convite de uma das mães da APAE de São Paulo, nossa amiga Alda Moreira Estrázulas.

Nós, como falávamos Inglês, fomos escolhidos para acompanhar o casal ilustre a essa escola residencial de muito prestígio na época em São Paulo por ser uma das poucas organizações então montadas para dar assistência às então chamadas “crianças retardadas”.

Lembramo-nos com muita clareza, apesar dos muitos anos transcorridos, deste fato ocorreu em junho de 1966, exatamente há 40 anos.

A diretora da escola, uma mulher do mais alto valor humano, professora especializada e com bom trânsito junto às famílias, mostrou aos visitantes, inclusive a nós mesmos, o dormitório de suas 40 alunas internas. Era um aposento muito espaçoso e tinha de cada lado das paredes, vinte camas arrumadas igualzinho e em cima delas uma boneca. Do outro lado, mais vinte camas muito bem arrumadas, com muito gosto, e com uma boneca enfeitando cada cama.

Amigos, não tínhamos noção muito clara de nada naqueles tempos, nós pais éramos simplesmente tolerados, ai de nós dizer alguma coisa que pudesse representar uma crítica, as famílias que tinham as filhas internas no estabelecimento que era de ótimo nível educacional moravam freqüentemente em estados longínquos, Ceará, Maranhão, e davam graça a Deus de ter recursos para pagar a educação dessas moças, consideradas como era comum na época “crianças eternas.”

Claro que as duas autoridades presentes, Doutor Gunnar e Doutora Rosemary Dybwad ficaram mal impressionados com aquilo, pois eram personalidades muito avançadas em estudos sociais e pregavam abertamente a necessidade de crianças pequenas com problemas de desenvolvimento freqüentarem creches, escolas maternais, pré-escolas das poucas existentes, em condição igual à das outras crianças. 

Hoje, em qualquer parte do mundo, ninguém aceitaria ver um dormitório naquelas condições, mesmo considerando todo o carinho com que tinha sido concebido.

Hoje, nossos filhos e amigos com deficiência intelectual, em muitos países vivem vidas independentes das de seus pais ou tutores, escolhem seus companheiros de moradia e em países adiantados também parceiros sexuais, e as casas e apartamentos em que moram têm as acomodações normais de uma casa: 

Sala de jantar, cozinha, uma pequena sala de estar, de jogos, de TV, um, dois, três dormitórios que acomodem os residentes, em resumo, nada daquela visão muito estereotipada e muito fora da realidade de ter quarenta camas dispostas num único quarto, cada uma delas com uma boneca enfeitando a coberta, uma prova irrefutável de que se tratava de moças que mentalmente eram crianças, “crianças eternas” e como tal deveriam ser tratadas.

Hoje, muitos anos mais tarde, com numerosas décadas de dedicação a pessoas com deficiência mental/intelectual, lendo como se comportam a respeito os países mais adiantados, vemos que há uma grande estrada a ser percorrida para que tenhamos um dia como em outros países residências comunitárias, que não sejam em nada diferentes de nossas próprias casas.

Uma iniciativa, arquitetada há muitos anos, mas que vem sendo posta corajosamente em prática é o conjunto residencial do Sítio Arco Íris da APAE de Araras, que merece ser visitado por interessados, pais ou profissionais de nossa área.

Uma citação especial merece a chamada Aldeia da Esperança, iniciativa da comunidade israelita, sempre incisiva, trabalhadeira, contribuindo com suas obras sociais notáveis para nosso crescimento enquanto país.

De qualquer forma, com o envelhecimento das famílias e das próprias pessoas com deficiência intelectual a necessidade de residências é muito grande e precisa ser encarada com coragem e decisão.

Vamos ler um pouco e refletir nas sugestões dadas no livro do Canadá, que contém idéias dos serviços de saúde e sociais de Québec porque é certo que estamos aprendendo sempre e isso é fundamental para o nosso progresso.

Que dizem elas à página 59?

“Prestar à pessoa que tem deficiência intelectual o apoio necessário para a busca de um recurso ou de um serviço de assistência residencial, adaptado a suas necessidades, e que lhe assegure uma verdadeira residência em meio natural, segundo sua escolha ou de quem a representa (família acolhedora para a criança e diferentes formas para os adultos); assistência relativa a alojamento autônomo, acesso à propriedade ou à co-propriedade, residências de acolhida, recursos intermediários, apartamentos, pensões, adaptação do domicílio, etc.

A pessoa deve estar logo em segurança tanto a nível físico como psicológico dentro do recurso residencial em que vive, e deve ter a oportunidade de exercer o seu poder de decisão.

Sua opção residencial deve respeitar as características consideradas adequadas para a população em geral. Ficar assegurado que as formas de vida substitutas tenham a capacidade máxima de quatro pessoas”.

Um tópico muito importante vem abaixo: “Prestar à pessoa que ainda permanece internada numa instituição, ou centro de albergue e cuidados de longa duração, somente em razão de que têm uma deficiência intelectual, os serviços necessários para que possa realizar sua reinserção social”.

Como citamos anteriormente a importância de que pessoas jovens sejam confinadas a instituições quando podem aproveitar as atividades da vida diária, os orientadores do Canadá enfatizam: prestar os serviços especializados que assegurem a implantação de recursos residenciais (temporários e permanentes) adaptados às pessoas que têm deficiências associadas ou necessidades importantes de assistência pessoal ou de enquadramento, a fim de evitar a hospedagem em recursos institucionais de pessoas jovens e capazes de aproveitar, como já dissemos, as atividades da vida diária. 

Estes recursos devem responder, ao máximo possível, às exigências das normas habituais para as pessoas residentes.

Já vimos, em São Paulo, infelizmente, em vista do encerramento de uma residência fundada e mantida por uma grande APAE, que pessoas com deficiência severa, que necessitavam e ainda necessitam de muita orientação em suas atividades diárias, foram recolhidas a casas de idosos onde eram simplesmente pagantes, acabando por perder muito da autonomia e dos hábitos de trabalho doméstico que tinham assumido quando a residência estava em funcionamento.

Isso não pode e nem deve acontecer... Bom, que a manutenção de residências para pessoas com deficiências seja algo difícil de conseguir, todos admitimos que assim é. 

Mas uma organização de famílias deveria pensar duas vezes antes de, em nome da inclusão, devolver pessoas que estavam sob seus cuidados a familiares que por idade avançada e doenças graves não poderiam cuidar de seus entes queridos e foram forçados a colocá-los em asilos para idosos. Isso foi e é profundamente lamentável e certamente não é assim que se resolve uma questão assim tão séria.

Enfim, este é um assunto que exige muita paciência, flexibilidade, preocupação com o outro, mais velho, mais vulnerável, precisando de ajuda, ajuda essa que nem sempre vem e quando vem tem muitas falhas
Vamos continuar lutando!

Texto traduzido do espanhol da página 59 do subtítulo “La integración residencial” do livro dos Serviços de Saúde e Sociais de Québec, Canadá, intitulado De La Integración Social A La Participacion Social, que nos foi entregue no Canadá há algum tempo.

Avaliação deste Artigo: 5 estrelas