Aprender com as Diferenças
Aprendizado e a Síndrome de Down
Fábio Adiron
Bem antes do Melero (que o Gil, eu e muitos outros por aqui temos como referência), um educador, psicólogo e ativista americano negro chamado Kenneth Bancroft Clark já declarava que "Crianças que são tratadas como ineducáveis, quase que invariavelmente, tornam-se ineducáveis”.
Na época ele se referia aos negros americanos marginalizados, colocados em classes especiais (sim, porque afinal, eles eram outra raça, com necessidades específicas, padrões de aprendizagem próprios...) e, a priori, definidos como pessoas que não eram educáveis.... não tinham a mesma capacidade dos brancos, eram mais intuitivos que racionais e, pior, estavam num estágio
inferior de civilização.
Ah...também os negros eram considerados pessoas que só podiam aprender trabalhos manuais e tarefas repetitivas.
E diziam que eles não tinham capacidade de abstração...
Claro que, como não eram educados, continuavam sem educação. Sem educação não tinham trabalho. Sem trabalho não tinham sequer perspectiva de vida.... e continuavam marginalizados.
Clark foi o primeiro professor negro do City College em Nova York, depois acabou sendo convidado também para dar aulas em Columbia, Harvard e Berkeley.
Nos seus estudos , Clark concluiu que a segregação provocava danos
psicológicos às pessoas e seus estudos levaram à decisão da Suprema Corte Americana que baniu a educação segregada. Sabem qual foi a base do estudo dele? O estudo da preferência das crianças por bonecas brancas...
Quando eu falo a respeito dos negros as pessoas certamente concordam comigo que essa situação não era provocada pela cor da pele, mas pela sociedade que os cercava. Poderia falar das mulheres (que foram segregadas antes, e ainda o são em alguns países) e também todos concordariam que o problema é da sociedade e da cultura.
Por que que, quando falamos que "o ser deficiente" tem um componente social e cultural que provoca essa situação em relação à educação (ou seja, a tal da especialização), ficamos tão resistentes à essa afirmação? Ah... porque a pessoa com deficiência tem um componente biológico específico....ué (ou uai, como mineiramente diria o Gil), mas as mulheres também têm componentes biológicos diferentes dos homens, vamos separar de novo a educação em
classes por gênero? Ah.... porque a pessoa com deficiência tem um laudo médico...(já ouvi tanto isso de professores), se o problema for de laudo médico, também podemos fornecer a respeito dos negros (têm melanina em excesso).
O nosso modelo "pseudoeducativo" (entre aspas mesmo como escreve o Melero) que defende essa escola "especial" é meramente assistencial e caritativo. É um modelo que define a deficiência das pessoas como única causa dos seus problemas de aprendizagem, tudo isso apoiado médica e psicologicamente. Esse mesmo modelo que nunca busca uma possível causa na sociedade e na cultura.
O modelo de intervenção (sim, porque é uma intervenção e não uma estratégia pedagógica) é individualizado e o currículo definido pelo déficit, ressaltando as incapacidades e não nas possibilidades dos alunos.
Por isso que eu também defendo que esse é um problema ideológico, mais do que um problema pedagógico, pois está focado na homogeneidade e não na diversidade. Na defesa de uma estrutura sociocultural que não pode ser mudada (status quo). Mudança implicaria desestruturar os modelos de ensino e avaliação de séculos (até porque a escola foi uma das coisas que menos evoluiu estruturalmente na nossa história). Ideológico porque combate
o modelo assistencialista (que é fundamentalmente um modelo baseado na crença de que fazer bem ao próximo significa tratá-lo como um coitadinho que merece nossa pena).
Ou confiamos que as nossas crianças (e qualquer criança) seja capaz de aprender ou vamos educá-los para serem adultos inúteis, marginalizados e dependentes (dos pais, do "paizão" governo ou de entidades que os acolham).
Todos vão aprender matemática? Duvido. Eu, até hoje, não consegui entender um monte de coisas que me ensinaram (não sei até hoje para que serve saber o que é um dígrafo ou uma oração coordenada assindética)... e duvido que qualquer pessoa seja capaz de se declarar conhecedor de todas as ciências, artes e ofícios.
Matemática suficiente para a autonomia para todos (seja com calculadora, computador ou sorobã). Algoritmos para alguns. Português, ciências, literatura, história.... para todos, e que cada um vá adiante naquilo que gostar mais, mas que a nenhum seja sonegada a oportunidade de conhecer tudo e de todas as formas.
Um abraço.
Fábio Adiron - Inclusão: ampla, geral e irrestrita (http://br.groups.yahoo.com/group/sindromededown/
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=74419)