Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Brasil, Um país em que não se lê...
Reflexões sobre a importância da leitura

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A Pesquisa - O Instituto ProLivro (www.prolivro.org.br) realizou pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” entre os meses de novembro e dezembro de 2007. Para tanto, aplicou mais de cinco mil questionários de 60 questões e obteve resultados com margem de precisão equivalente a 95%. Através deste levantamento foi constatado que:

1. Para três em cada quatro pessoas a leitura tem significado positivo, representando conhecimento, crescimento profissional, sabedoria, cultura, lazer...;

2. Uma em cada quatro pessoas não sabe ou não opinaram sobre a importância da leitura;

3. O equivalente a 35% dos brasileiros (60 milhões de pessoas) responderam que gostam de ler como atividade de lazer;

4. Quanto maior a escolaridade e a renda, maior a disposição para a leitura (48% das pessoas que fizeram o Ensino Médio e 64% dos que completaram o Ensino Superior declaram-se leitores);

5. 32% das famílias incentivam a leitura, índice que sobe para 46% quando há professores entre os familiares.

6. O perfil do leitor brasileiro, de acordo com a pesquisa, equivale a: Tem formação superior (79%), renda familiar superior a 10 salários mínimos (78%), são chefes de família (76%), a religião predominante entre os leitores é o espiritismo (76%), trabalham e estudam ao mesmo tempo (73%), pertencem às classes A (75%) e B (74%), moram na região Sul (72%), moram em metrópoles (69%) e estão situados em duas faixas etárias, dos 18 aos 24 anos (67%) e dos 30 aos 39 anos (68%). A pesquisa define como leitores as pessoas que declararam ter lido ao menos um livro nos últimos três meses.

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Menos bibliotecas... - De acordo com o Censo Escolar do Inep somente nos últimos quatro anos foram fechadas aproximadamente 3.600 bibliotecas que funcionavam nas escolas de educação básica do Brasil. E os estados das regiões Centro Oeste e, principalmente, do Sudeste - foram os grandes responsáveis por essa queda. Em todas as outras regiões a quantidade de bibliotecas nas escolas têm aumentado desde 1998.

Somente no Sudeste a queda total foi de mais de cinco mil bibliotecas escolares, enquanto no Centro-Oeste do país foram fechadas pouco mais de 200 acervos de livros. A compensação desses números negativos aconteceu nas regiões Norte, Nordeste e Sul - onde cerca de 1600 novas bibliotecas escolares foram abertas.

Permitir o acesso à cultura e a educação através das escolas é responsabilidade dos governos. O fechamento dessas bibliotecas demonstra o quanto existe de desprezo em relação às mesmas, por parte dos gestores da educação no país. Não há interesse real em consolidar uma educação esclarecedora, que gere cidadãos altivos e questionadores, por isso mesmo os livros - que podem e devem gerar emancipação e esclarecimento - acabam sendo literalmente "queimados em praça pública" com a desativação dos serviços que oferecem o acesso ao livro por parte do cidadão mais humilde e de seus filhos.

A leitura de mundo preconizada por Paulo Freire demanda a instrumentalização dos cidadãos e, não há dúvidas quanto à importância de uma formação de qualidade que dê aos nossos alunos os pilares de uma boa educação, como a leitura, a escrita, a capacidade de realizar cálculos simples (e também, com o passar do tempo - os cálculos complexos), a possibilidade de entender cientificamente o mundo em que vivem, a plena compreensão da história, a contextualização sócio-política e geográfica,...

Isto se torna quase impossível se as escolas continuarem sucateadas como já estão ou ainda, se as possibilidades culturais dos municípios brasileiros, que já são muito escassas, piorarem com o desaparecimento de bibliotecas escolares e públicas, cinemas, salas de espetáculos, grupos de artesanato,...

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Quantos livros você lê por ano? - As estatísticas nacionais quanto à leitura indicam que os brasileiros lêem muito pouco. Em média, apenas quatro brasileiros em cada 10 têm algum contato com livros em nosso país, os outros seis (para ser mais exato, 61%), têm muito pouco ou nenhum contato com livros. E mesmo os demais 39% não praticam a leitura com alguma freqüência... Na verdade o índice de leitores regulares de nosso país é de, aproximadamente, 16% (percentual relativo à quantidade de pessoas no Brasil que possuem o equivalente a 73% de todos os livros aqui existentes e que estão em mãos de particulares).

Há no país apenas 1.500 livrarias e em cerca de 1.300 cidades do Brasil não existem bibliotecas públicas. Só a título de comparação, somente a aquisição de livros para bibliotecas públicas nos Estados Unidos supera a compra total desse artigo por brasileiros e pelas instituições aqui existentes (Os dados aqui apresentados constam de uma pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, realizada em 2001).

O livro é, para os brasileiros, um produto muito caro e, em virtude disso, acabou se tornando um luxo pelo qual as pessoas, especialmente as mais humildes (de menor poder aquisitivo), não se dispõe a adquiri-los. Impressiona também saber que os dados relativos à leitura de jornais e revistas do Brasil, quando comparados com os de países vizinhos onde a escolarização e a valorização da cultura são maiores, como é o caso da Argentina, são menores...

As políticas públicas nacionais não consideram investimentos em livros (a não ser em impressos didáticos) como merecedores de cotas maiores dos orçamentos municipais, estaduais ou federais. Nesse sentido não há registros expressivos de melhoria dos acervos das bibliotecas públicas e nem de projetos de leitura de grande envergadura. O que vemos é a luta de alguns apaixonados pelos livros, como professores, jornalistas, profissionais liberais ou membros das alas mais cultas das cidades, manifestando-se em favor da leitura e da melhoria das bibliotecas de seus municípios (quando elas existem), mas mesmo essa mobilização é escassa e pouco produtiva...

Além dos necessários gastos com tecnologias de ponta e projetos em informática educacional, urge que os governos e a sociedade civil se mobilizem em favor dos livros, senão seremos eternamente, uma nação de pessoas incultas em sua maioria e estaremos fadados a continuar sendo apenas os "burros de carga" que fazem o trabalho pesado e alimentam o desenvolvimento alheio...

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Leitura, a base da Cidadania

"Dora é professora aposentada. Vive sozinha em um pequeno apartamento de classe média no Rio de Janeiro. Como o dinheiro é insuficiente, escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil. Cobra R$ 1 pela redação e mais R$ 1 pelo envio. Via de regra, as histórias de vida que leva ao papel traduzem o desassosego e as esperanças de pessoas apartadas de suas famílias e de sua terra. E não resultam em comunicação, pois quase sempre terminam na lata do lixo. Ponto de partida de Central do Brasil (1998), filme de Walter Salles ganhador do Urso de Ouro em Berlim, a história de Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinicius de Oliveira), a quem ela socorre na busca pelo pai (...), espelha algumas questões centrais do acesso a leitura e ao letramento no Brasil." (Trecho do texto "Leitura - A grande travessia da Educação", Artigo de Rubem Barros, publicado na Revista Educação, nº 121, 05/2007)

Quando assisti "Central do Brasil" pela primeira vez senti o impacto que a produção apresentava enquanto elemento definidor de realidades de nosso país que muitos de nós, freqüentadores de cinemas, raramente conhecemos. Questões sociais e culturais emergiam da tela a partir do enfoque crítico e consciente de um privilegiado e sábio leitor da realidade chamado Walter Salles Jr. Não é a toa que o filme se tornou uma das referências do cinema brasileiro em nível mundial e que, de certa forma, alavancou a carreira de muitos outros cineastas dessa recente geração nacional de moviemakers.

Enquanto educador atuante e idealista, a imagem da professora Dora, com sua banquinha de cartas, posicionada estrategicamente na Central do Brasil, a "vender" o seu saber e a sua habilidade para escrever cartas para analfabetos que por ali circulavam foi deprimente e comprobatória de alguns importantes dados sobre o país.

O primeiro deles refere-se a desvalorização do trabalho dos professores no Brasil. A recente meta de base salarial nacional para os professores na casa dos R$ 950 (novecentos e cinqüenta reais) a ser atingida até 2010 já demonstra o quanto estamos distantes de uma realidade na qual a educação seja realmente considerada prioridade... Qualquer vendedor de cachorro-quente, manicure ou funcionário público que exerça funções de escriturário (ou cargos afins) ganha salários equivalentes a essa meta do governo federal...

Salários baixos não permitem atualização, estudo, pesquisa e maior comprometimento com a qualidade na educação. Para sobreviver, os professores assumem outros compromissos profissionais (dão aulas em várias escolas, vendem Avon, negociam tuppeware,...) e mal têm tempo de dar conta do básico em suas atividades nas escolas...

O segundo ponto marcante da produção de Walter Salles é o analfabetismo que obriga as pessoas na Central do Brasil a contratarem os serviços de Dora (pelos quais pagam e tem apenas parte do que lhes é prometido sendo cumprido, já que as cartas não são enviadas). Muitas foram as pessoas que me confessaram descontentamento com o fato de que o filme repercutia no exterior tendo grande número de espectadores... Diziam que essa imagem negativa do Brasil apresentada no filme pioraria ainda mais a já desgastada visão do país pelos estrangeiros...

O analfabetismo é uma realidade contundente em nosso país. Não há como negar esse fato. Até mesmo vários daqueles que foram alfabetizados tem dificuldade e desinteresse pela leitura e pelo conhecimento. O lugar comum em nosso país é a alienação e o conformismo. A educação de baixa qualidade que não permite aos nossos conterrâneos a plena aprendizagem da leitura de mundo preconizada por Paulo Freire nos condena a um eterno ostracismo entre as nações...

Não temos a consciência de que a educação constitui o elemento essencial da dignidade, do acesso ao trabalho, da criticidade e da inclusão política e social. Não entendemos que a leitura (das letras e do mundo) é a base da cidadania...

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas